31 de agosto de 2010

DESFILE


Nei Duclós

Pássaro no fio é pauta musical. O equilíbrio do pouso é rompido pelas notas que vibram no ar. Bentevis sobre postes duelam clarins com quero-queros no chão. O arrulho da pomba tem som de tambor. A banda militar dobra a esquina e adentra, soberba, entre as alas da multidão silenciosa. Os loucos vão atrás, depois das filas das tubas e recebem todos os aplausos. Uniforme com friso, farda engomada, quepe reluzente, o dobrado inaugura a procissão da tropa, convicta e determinada, a sacudir os braços em uníssono como vôo coletivo migratório sob a batuta de um bamba.

O desfile é breve para tanto feriado. Há uma coreografia de bandeiras pequenas, de papel, com as cores nacionais nas mãos de alguns escolares. Cidadãos envelhecidos antes do tempo miram sem entender a origem do evento. A Cavalaria marca presença com tropel de entusiasmos. Há um capitão envergando uma espada e evoluindo a trote, como nos filmes. Moças jogam confete. A gurizada se segura para não invadir o coreto, onde se espremem autoridades. Lá está cheio de balões, cobiçados pela disputa de quem nasceu para competir.

Pais levantam bebês para olhar o plano geral do rio de capacetes que ultrapassa já o limite da avenida. Há ainda o espetáculo dos tanques, antigos, mas caprichados, capazes de derrotar inimigos de qualquer época. Sobre a máquina poderosa, vai o jovem tenente instrumentado com microfone acoplado na cabeça, desses que se usam na televisão. Fala com alguém postado lá pela margem do rio, que está em guarda. Estamos seguros: enquanto os passos dos soldados estiverem por perto, poderemos fazer compra nas cidades da fronteira e passar em frente do quartel sem susto.

Depois que passa o esquadrão de expedicionários da selva, acaba o desfile que começou com os últimos veteranos da II Grande Guerra, lembrados uma vez por ano. O povo acena o adeus para uma idéia de Brasil, que agora entra em nova fase. Somos testemunhas da existência de um país, de bravura jamais esquecida. Lembraremos dele para nossos descendentes, ao redor do fogo, como nos velhos tempos. As crianças, de boca aberta, e de costas para a quinquilharia eletrônica, estarão atentas. Elas escutarão a história enterrada no coração dos avós, que enfim migram para o Outro Lado, como pássaros postados no fio da eternidade.

RETORNO - Crônica publicada nesta terça-feira, dia 31 de agosto de 2020, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.

30 de agosto de 2010

O ESSENCIAL E O ÉPICO EM CONFUCIUS, DE MEI HU


Deveria escrever sobre as eleições? Ser “pontual” e gerar textos datados sobre a impermeabilidade da política? Ou insistir em cinema, literatura, poesia e arte, como tem sido os assuntos aqui do Diário da Fonte? A resposta é dada pelo excesso de Sétima Arte neste espaço onde, em tese, cabe tudo. É por isso que hoje abordo um filme estupendo, daqueles que te devolvem o sentimento de espírito habitado, não só pela excelência da realização (um assombro de produção, interpretação e direção), como pela correção de sua linhagem, já que se trata de uma obra grandiosa, mas de narrativa enxuta, em que a objetividade convive com o intimismo, a força com a leveza, a sabedoria com a brutalidade, a vida doméstica com a política.

O crédito é para a equipe liderada pela mais celebrada cineasta da China, diretora de grandes épicos históricos que fizeram sucesso arrasador na televisão do seu país desde o final dos anos 90, Mei Hu, que ocupa hoje o topo entre os grandes realizadores do cinema chinês. No seu épico Confucius (2010), ao selecionar a fase da vida de um mito da filosofia, da educação e da política, ela atinge o nível de obras fundamentais.

O Ocidente tem perdido essa capacidade de abordar com seriedade o épico, a grandeza das transformações que marcam a humanidade. A China o recupera, não só porque tem bala na agulha, uma história de cinco mil anos, mas porque dispõe de gente qualificada que sabe o que faz. Por motivos políticos, o governo chinês patrocina as obras que regatam a China imperial. Mas tudo depende de quem faz. Mei Hu acerta no veio, equilibrando-se entre as tendências, hoje, de se enfocar o passado.

Não é preciso entregar-se a percepções obsoletas, mas também não se deve chutar o balde quando se aborda grandes personalidades. Enquanto Peter Greenaway debocha de Rembrandt apresentando-o nu, superficial, escatológico em Nightwatching (2007), Mei Hu mostra Confúcio como um estrategista, que se enreda na política do seu reino, e que só adquire a aura do mito depois de muito sofrimento e erro. Para encarnar o grande personagem , ela convidou Yun-Fat Chow, ator de filmes de ação. Foi criticada. Acharam que iria fazer besteira com Confúcio. Ao contrário, Chow arrasa com um personagem dinâmico, assertivo, insistente e concentrado, que aos poucos ganha sobriedade e se transforma com a experiência marcada pela dor e o exílio.

Não é preciso se fazer de interessante como Greenaway com seu pífio Rembrandt, que no fundo revela a soberba dos cidadãos deste início de século. Como possuem tudo à mão, e tem acesso a tudo, acham que são gênios. Como são gênios convictos, imaginam que gênios dos séculos anteriores eram assim como eles: ficavam falando sobre temas recorrentes hoje (os diálogos são de dar dó). Acham também que tudo se mistura, que o grande artista não passava de um bunda suja metido, a dizer e a fazer barbaridades.

No oposto dessas cretinices, Confucius é um primor de seriedade, e isso inclui uma visão crítica do grande sábio, que tomou decisões erradas, que foi enganado de maneira vil pelos espertalhões e que levou muita gente para a morte com suas decisões. Tudo isso não tira o seu mérito, pois continua sendo um paradigma, admirado por sua obra e sua biografia. Todo falado em mandarim clássico, Confucius tem ainda a chamada carpintaria de produção impecável. Chega a ser um anacronismo tanta perfeição nas guerras com suas máquinas e táticas, onde tudo funciona. Os conflitos mostrados na tela envolviam alta tecnologia, por isso a suspeita de anacronismo. Se incluirmos aí o festival de cores clássicas transformando Confucius numa galeria de arte, então o serviço está feito.

Trata-se de um filme admirável, que dá um banho nas frescuras de realizadores ocidentais. Foi-se o tempo em que o Ocidente gerava um David Lean. O maior cineasta do mundo está presente quando vemos este filme. Como Lawrence, como Jivago, Confucius arrebata pelo carisma do mito e pelo talento de seus realizadores. E por ter uma narrativa que é um primor de edição, onde só o essencial vinga. Isso não significa que haja apenas cenas de ação. Há equilíbrio entre a introspecção e a fúria, entre a paixão e o ódio, entre a alegria e o remorso.

Confucius. Veja, para saltar da cadeira nos momentos da luta, aprender um pouco de política nas conversas entre generais, ministros e soberanos, e chorar quando o Mestre volta à sua terra.

28 de agosto de 2010

GHOST WRITER DE AUTÓGRAFOS


Um novo profissional, uma nova categoria, é detectada pelo Diário da Fonte. Por enquanto, eles querem ficar anônimos, mas preparem-se. Um dia darão as caras e aí veremos quem escreveu de fato todas aquelas dedicatórias. No Twitter, fiz alguns sinais sobre o assunto, sem entregar tudo. Há ainda muito segredo no ramo. Mas, se quiserem contratá-los, eu sei como encontrar. Os melhores, pelo menos. Vamos às frases:

Não-livros de não-autores são lançados em não-livrarias só porque as notoriedades adoraram esse troço de noite de autógrafos

Conheci um ghost writer de autógrafos.Dois preços:Estiva (best-sellers que precisam atender seu público) e Sintonia Fina (para autores cult)

O ghost writer de autógrafos faz o serviço bruto na caneta enquanto o autor curte um bom vinho com os visitantes e posa para as câmaras

O preço também varia conforme a cota por noite. Mais de 300 exemplares sai uma nota. Menos de cinco gera indenização por danos morais

O ghost writer de autógrafos se prepara muito para cada sessão. Faz também serviço de franquia quando há + de um evento por noite

Há ainda especialidades digitais.O trabalho pode feito remotamente, quando o ghost writer rabisca na tela e assina pelo autor

O ghost writer de autógrafos veste-se preto e fica na frente de um painel da mesma cor, para aparecer apenas sua luva branca com a caneta

O ghost writer de autógrafos jamais pode errar, por isso seu trabalho sai melhor do que se fosse feito pelo autor original.

"Adorei" diz a leitora para o autor,achando que ele tinha escrito aquelas frases gentis e memoráveis.O ghost writer então ri.Ele gosta disso

Existem vários tipos de ghost writers de autógrafos. Os de letra ilegível são os mais caros

A categoria dos ghost writers de autógrafos surgiu no boom de livros com analfabetos no lugar do autor e na proliferação de lançamentos

Como as nulidades lançam um livro por trimestre, enquanto a gaveta de escritores lotam, foi preciso inventar o ghost writer de autógrafos

Noite de autógrafos sem o repectivo ghost writer deixa o autor analfabeto de saia justa. Ele conhece as letras, só não sabe acuierá

Quando o ghost writer de autógrafos erra e se derrama para a mulher do dono da livraria chama-se acidente de trabalho

O ghost writer de autógrafos jamais lança livros de sua autoria. Assim como traficante não cheira. É o mesmo princípio

Depois de velhos, aniquilados pela tendinite, os ghost writers de autógrafos são proibidos de ditar suas memórias

O ghost writer de autógrafos faz cursos de atualização de gírias para não escrever falô e mó legal e dizer que está trampando

A vocação para ghost writer de autógrafos se revela cedo, quando o garoto risca a parede e diz que foi o irmãozinho

Ghost writer de autógrafos: um especialista para apoiar suas noites de glória. Vai lançar livro? Contrate um.

RETORNO - Imagem desta edição: Escriba, obra de Ricky Bols.

27 de agosto de 2010

CORAGEM VEM DO CORAÇÃO


Coraticum, origem da palavra coragem, tem coração, mente e alma na sua estrutura graças à raiz cor, do latim medieval. A fonte do significado, portanto, não é a macheza, ou a força bruta, mas o sentimento, a razão e a vontade. Pode ser exercida por qualquer gênero ou idade. Não se confina ao orgulho, à soberba, à postura hegemônica. Pode ser encontrada entre perdedores, como os japoneses na II Guerra, quando viram seu país pulverizado por duas bombas atômicas e invadido pelos soldados Aliados que prostituíam suas mulheres.

Muitos homens se enterraram no álcool, como mostram dois filmes japoneses separados por 42 anos, Anzukko (1958), de Mikio Naruse, e A Esposa de Villon (2009), de Kichitaro Negishi. São histórias tão idênticas que chega a ser difícil acreditar que foram baseados em obras de autores diferentes, ambos importantes e consagrados. Os textos que dão suporte aos filmes são uma novela de Murō Saisei, baseada na sua relação com a filha, no de 1958, e um conto de Osamu Dazai, autobiográfico, sobre sua vida no pós guerra, no de 2009. Ambos enfocam a coragem da mulher casada com escritor alcoólatra.

É óbvio que pelo menos um escreveu tendo conhecimento do trabalho do outro, já que as narrativas tem pontos em comum em demasia, o que vai além da sintonia. O que é estranho é não estar disponível informação a respeito, pelo menos no que consigo pesquisar na internet, já que não tenho biblioteca especializada em cinema ou literatura do Japão. Saisei teve vida longa e consagrada e sua narrativa coincide com o personagem do pai que mantém uma relação lúcida e responsável com a filha. Esta, aprovada pelo pai, casa com um jovem autor frustrado, que se enterra no saquê por pura inveja do sogro.

Dazai teve uma vida complicada e acabou morrendo com 41 anos. Foi bastante homenageado no seu centenário no ano passado, época em que foi lançado Villon´s Wife, o belo filme sobre a mulher que encontra trabalho e assim escapa do sufoco de sua vida com um escritor comercial que só pensa em suicídio. Mas insiste em continuar com o esposo, apesar de roubos e traições e mantém-se firme, dizendo que não importa se nos sentimos monstros, pois o importante é sobreviver. Não se trata de “submissão da mulher japonesa” como quiseram alguns resenhistas, ao contrário. É uma forma de auto-superação da mulher, no pré-feminismo. Não há dinheiro nesse Japão demolido e só o que resta é a coragem de não se deixar abater pelo medo, que carrega os homens para o fundo do copo.

Já Anzukko é a moça cortejada por muitos pretendentes que acaba se enredando em alguém parecido com o pai. Por estar próximo e ser também envolvido com livros, ele acaba ganhando a parada, o que provoca um profundo desespero em toda a família. O filme em preto e branco é muito colado às lições do Mestre Ozu, em que a rotina da família japonesa é mostrada em toda sua crueza nos diálogos e com a clássica simplicidade e objetividade das imagens. Mas há um ritmo seguro que leva o espectador ao mergulho naquela família pressionada pelos poucos recursos e que encontra a tragédia num casamento mal resolvido.

O celebrado Villon´s Wife tem mais riqueza visual, mas mantém quase os mesmos personagens: a mulher de coragem (neste caso, com o filho pequeno a tiracolo), o marido covarde, bêbado e cretino (mas com talento, ao contrário do jovem autor de Anzukko), o aspirante a escritor (nos dois filmes), o apoio dos mais velhos e o Japão às voltas com a miséria das esmolas repassadas pelo exército aliado em forma de alimentos como carne de baleia enlatada entre outras barbaridades.

Esses dois filmes apresentam não apenas coincidências, mas a colagem pura e simples de uma história na outra. Não vi nada a respeito na rede. Alguém sabe de mais alguma coisa? São ambos excelentes, sobre a coragem da mulher e como ela enfrenta a barra de um país derrotado, representado pelos homens que sobreviveram à guerra. Dedicam-se à salvação da família nascente, para que haja chance de sobrevivência no mundo hostil.

RETORNO - Imagens desta edição: a primeira é cena de "Villon´s Wife", com a estupenda Takako Matsu no papel de Sachi e Tadanobu Asano no de Otanie; a segunda, de "Anzukko", com Kyôko Kagawa no papel da própria e Sô Yamamura interpretando o pai.

26 de agosto de 2010

LEBANON: A CÂMARA ESCURA DE SAMUEL MAOZ


Foi um deslumbramento quando descobrimos o principio da câmara escura num verão antigo. Estávamos dentro do quarto, com os postigos fechados, enquanto o sol martelava no quintal, fervendo as pedras. Nosso divertimento deveria ser alguma palhaçada, proporcionada pela obscuridade em plena tarde. Foi quando, de repente, movimentando-se pela parede, graças a um furo da janela, que projetava um rastro de luz borrada na parede, passou, na maior impunidade, nosso cão perdigueiro Pingo, que rondava a algazarra de um lado para outro, sem poder entrar. Olha o cachorro! disse alguém. Tínhamos descoberto o cinema.

Há milhares de anos se usa a câmara escura, princípio da fotografia e recurso ótico para pintores ao longo dos séculos. Na internet, vi uma experiência magnífica dos britânicos em Veneza, que cercaram pesadamente de cortinas as janelas de uma grande sala e deixaram entrar uma réstea de luz, que projetava cúpulas das igrejas da cidade em altas paredes. Um deslumbramento. O fato é que a imagem é invertida, como se a realidade se revelasse pelo avesso no lugar onde nos confinamos, como se a verdade fosse vista pelo seu oposto. Tudo é percepção neste mundo estranho.

O filme Lebanon (2009), de israelense Samuel Maoz, que ganhou o grande prêmio do Festival de Veneza no primeiro semestre deste ano, usa o mesmo principio da câmara escura para mostrar a guerra. Tudo é filmado de dentro de um tanque, onde quatro soldados, e depois um prisioneiro, dividem o horror que os faz vomitar, compartilhando uma sobrevivência escandalosa numa guerra vista com toda a sua crueza. “Não quis cair na ingenuidade ou no libelo, disse o diretor numa excelente entrevista para Paul O'Callaghan. Quis pegar o espectador pelo estômago e o coração”.

Como funciona o filme? O furo por onde entra a luz e a imagem selecionada é o visor do atirador do tanque. Ele enxerga os eventos tenebrosos de famílias massacradas, guerrilheiros suicidas, torturas e assassinatos, numa seqüência de fatos que enchem a câmara escura de horror. Lá dentro, como imagens pelo avesso, borradas no cenário do tanque, de paredes cheias de palavras de ordem, os soldados convivem com seus pavores, esperanças, divergências, pânico, dúvidas. Eles procuram, lá fora, sinais de uma chance de sobreviver, mas enxergam apenas a situação se estreitando e os deixando num beco sem saída.

A maior oposição ao filme foi dentro de Israel. As pessoas acharam que mostrar soldado chorando depõe contra a imagem do país, mas Amoz retruca que não há mais imagem depois de tantas denúncias sobre atrocidades. O que ele quer é convencer as pessoas da sua aldeia de que a guerra não é necessária, que deve ser evitada e denunciada Seu pacifismo é de resultados, trata-se de um militante audiovisual da paz, que se consagrou come esse filme impressionante. Rodeado pelos girassóis de uma plantação, que se estende ao infinito, as pessoas saem enfim do tanque. As flores solares representam a quantidade de maneiras de se ver uma batalha.

Encontram a paz? Não, mas se deparam com a diversidade do olhar. Se notarmos que a guerra é vista por uma percepção selecionada, que pode ser nacionalista, religiosa ou ideológica, é possível arriscar uma outra percepção. No caso deste filme antológico, trata-se da visão dos soldados brutalizados pelas ordens de um superior que os mete numa enrascada. Os chefes estão perdidos, a guerra é inútil e há mães em desespero querendo saber de notícias. Mas seus filhos estão morrendo numa carnificina sem sentido.

Os filhos assassinados são as imagens invertidas da versão oficial da guerra. Na câmara escura de Maoz, o interior de um tanque cavernoso, o que explode na visão é a defasagem entre a ilusão do conflito e a verdadeira essência humana, feita de dor, sangue, medo e a vontade de escapar dali com vida.

RETORNO - Imagem desta edição: cena de Lebanon - o interior do taque funciona como o estuário de imagens selecionadas que revelam o avesso da guerra.

25 de agosto de 2010

VOTE NO POEMA


Nei Duclós

Vote no poema
Candidato da gema
Plataforma extrema

Vote no poema
Cédula de vento
Multidões ao alto

Vote no poema
Festa na cabeça
Amor para sempre

Vote no poema
Caminhão de acenos
Trem de sentimentos

Vote no poema
Convenção de sonhos
Eleição de beijos

Vote no poema
Porta-voz, bandeira
Comissão de frente

Vote no poema
Escreva na parede
Declame um verso


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Ricky Bols.

24 de agosto de 2010

PAISAGEM É POESIA


A máxima transgressão da arte foi o cubismo, que contrariou a natureza e encheu de arestas e ângulos o que a humanidade estava acostumada a ver em curvas. Sorte que fui criado longe dessas barbaridades e cedo me envolvi com as ondulações da paisagem. Palmilhei as coxilhas, que se elevam timidamente para não contrariar a natureza do pampa, e adotei a religião do por-de-sol, quando o fogo suspenso no céu se banha no rio e deixa nele um rastro de arco-íris.

A cidade, apesar de ser concebida na linha reta e no quadrado, praticamente acompanha essa suavidade com as ruas largas e planas. E como está a cavaleiro do Uruguai, é possível voltar para casa contando as estrias de luz sobre a água, doce, que nos define como povo de rosto exposto na fronteira. Desconfio que a poesia nasce dessa navegação e que as palavras completam seus ciclos inspirados na rotação de linhas que se sucedem nos olhos e na memória.

Foi difícil permanecer fiel a essa linhagem sem sucumbir às cristalizações do passado ou se entregar aos modismos. Criar uma linguagem própria, impermeável às tentações e cobranças, sem escapar do tempo presente, é uma engenharia cultural complicada, uma física quântica que desmoraliza o conforto da aritmética da vivência. O conhecimento é um susto na esquina e nossa tendência é puxar a arma para nos defender. Ou então apostar que temos força suficiente para nos impregnar da novidade, mas sem se abaixar à toa aos seus desígnios.

O que sempre nos ajudou foram os exemplos de sobra de pessoas que conseguiram manter sua arte pessoal intacta, e ao mesmo tempo universal e bem postada na vida contemporânea. O segredo é aquilo que Carlos Drummond de Andrade ensinou: “penetra surdamente no reino das palavras”. Surdamente significa: sem diálogo interno, sem interpor conceitos e significados na palavra. Paradoxalmente, ficar aberto à sua música, pois literatura não dispensa o ouvido treinado pela formação e o talento. Tornar-se um virtuose da própria linguagem é a missão de um poeta ao longo de uma vida dedicada ao sonho bom de viver escrevendo.

Mas eu falava dos exemplos locais. Temos alguns expostos na praça. Gonçalves Vianna e Alceu Wamosy, que estão enquadrados em escolas, mas prefiro vê-los como únicos em seus talentos, mesmo que possamos detectar neles fortes influências. Temos o J.A Pio de Almeida, um poeta clássico e épico e que nos deu essa obra-prima oculta, As Brasinas, livro que teve apenas uma edição, de 500 exemplares, cacifados pelo autor. Ninguém deu bola, com exceção do nosso professor Cícero Galeno Lopes, que lhe dedicou um valioso ensaio.

Temos o Bira Tuxo, com seu trabalho pessoal dentro de uma tradição, um inovador como Colmar Duarte, que aborda com espírito livre as lides formatadas por gerações no ambiente que nos criou. Temos Luiz de Miranda com sua poesia grandiosa que corre mundo. E tantos outros exemplos, que é impossível citar, já que Uruguaiana é terra de poetas. Tudo, acredito, fruto dessa paisagem redonda que nos seduz com seu cerco amoroso e inspirador.

RETORNO – 1. Crônica publicada originalmente na Edição nº 304, de 6 a 11/08/2010, do jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: foto de Regina Agrella.

ESCURO MÁRMORE DE ESPUMAS


Nei Duclós

Quando todos se despedem, as corujas abrem o olho e voam em direção ao escuro formado pela massa de sonhos anônimos

Antes de dormir, as canções embalam pássaros que desistiram de esperar o amanhecer

Há um arrastar de asas no piso noturno, feito de mármore de espumas, que levantam esporos de flores ainda não despertas

Quando na curva do arroio desaguávamos no grande rio, de repente o céu mergulhava ao lado do barco, e depois emergia o rosto, rindo de nós

O amor não tinha vindo, mas desconfiávamos de algumas paragens, onde repousavam corpos imaginados e encantos sem sentido

Sonhávamos com terras distantes, sem desconfiar que ali era o reino remoto de uma cilada: o Tempo, semeador de sustos

De repente, um estrondo, no meio do rio. Adultos levantavam e iam até o peixe fisgado no espinhel. As crianças ficavam, de coração aos pulos

Barracas de lona cheirando forte, daquelas do Exército, nos defendiam do sereno pesado nas pescarias do inverno. Mas não da Lua, que entrava

Escutava pios na mata cerrada a dois passos de mim, enquanto olhava para o derramar de estrelas cadentes na noite fria do pampa

Lá nasceu a palavra, como sereia de água barrenta, como cardume de alevinos em sanga, como a Lua cheia, que carrega consigo o horizonte

Ainda estou lá, onde mora a sonho que arrastava passos na estranha madrugada

É o Brasil profundo, que nos criou, alimentou, formou e depois soltou para o mundo. O país hoje abandonado, que pulsa em nós, como um poema

O maior orgulho do meu pai era a tração nas quatro rodas do Candango, da indústria nacional. Atolava de propósito para escapar, triunfante

O barro subia até a cintura, os espinhos cravavam na sola dos pés para sempre. Voltávamos miseráveis para os braços da mãe penalizada

Havia cheiro de pólvora nos acampamentos, como se fôssemos parte de uma tropa aguardando o combate. Mas um riso coletivo desmoralizava tudo

Foi assim que passei a infância, no miolo do nada, na noite infinita, quando éramos rodeados pelo mistério e havia fantasmas fazendo ruído

A madrugada avançou carregada pelos versos que vão saindo daquela fonte. Dobro o papel no bolso e tomo o trem na estação das horas.


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Munch Museet

23 de agosto de 2010

CANDIDATO É LINGUAGEM


Na sociedade do espetáculo, em que tudo vira mercadoria exposta, especialmente as consciências, o Brasil comparece com atrações de sarjeta. Nas campanhas eleitorais, tanto a anti-candidatura do palhaço Tiririca quanto às consideradas sérias, não passam de discurso, aquela trama de palavras e imagens em busca do voto ou de sua desmoralização.

Como não há democracia, não há relação entre as necessidades do país e os projetos para a escolha do eleitor. Não há eleições, mas números circenses de última categoria. Com o detalhe de que nós somos os engolidores de fogo.

No Twitter, tracei o perfil dos truques do marketing eleitoral para ilustrar a evidência de que candidato é linguagem e que no discurso tudo cabe. Vamos às frases, que obtiveram boa repercussão entre meus atuais (mais de ) mil seguidores:


Campanha eleitoral é maquiar o rosto até transformá-lo numa máscara de sorrisos ou sussurrar abobrinhas como se fossem revelações divinas

Debruce-se sobre um projeto. Escute atentamente os interlocutores. Aponte um mapa na parede. Pose ao lado de um monitor aceso.

Insurja-se contra a falta de governo, principalmente se for candidato a reeleição. Denuncie "esses que estão aí"

Convoque os parentes para chorar diante das câmaras. Abrace a professora do primário, mesmo que ela já tenha morrido. Denuncie a gripe

Afaste os braços do corpo enquanto caminha, rodeie-se de puxa-sacos e acene para gatos pingados miseráveis na favela. A campanha está feita

No palanque, dê as mãos para seus comparsas e levante os braços, enquanto canta o hino nacional. Fale democracia a três por quatro

Diga obviedades como se fosse maná distribuído ao gentio no deserto. Seja interrompido pela claque a 20 real o dia por cabeça. Esganice-se

Aproprie-se de todo o trabalho feito pelos outros. Olhe firme para as câmaras juntando as mãos em sinal de firmeza. Minta com convicção

Instale-se na poltrona e lembre sua infância pobre.Diga como era difícil comprar uma camisa.Sussurre como se fosse um gato angorá. Já ganhou

Abrace criancinhas, coma maionese, beba cafezinho, aperte as mãos dos atendentes de lojas e diga seriamente a maior asneira que lhe ocorrer.

Ponha um capacete de operário, tire o casaco e arregace as mangas, afrouxe a gravata e aponte para o horizonte. Está eleito

Depois de todas essas cenas, vá jantar com a cachorrada que garante a bufunfa da campanha. Defina quanto vai sobrar. Gargalhe, se sacudindo

Democracia é quando dois ou três institutos de pesquisas não auditados elegem alguém no primeiro turno três meses antes das eleições

Deveria haver uma lei: antes da propaganda de cada partido, deveria ter uns três minutos da propaganda da eleição anterior

Biografia política é ter sido figura obscura de gabinete ou malabarista de mandato usado como trampolim para cargos mais altos

Oposição é quando o mais destacado candidato adversário do governo diz que é amigo do chefe do governo

Os personagens dos comerciais mentirosos são: o "povo" (sorridente), o especialista (de jaleco) e o patrão, apontando para a obra

Pessoal que colhe as frutas abundantes nos comerciais mentirosos tem todos os dentes. Conta agora aquela do papagaio fanho

Sobra maçã nos comerciais mentirosos. Em qualquer lugar, maçã boa custa uns 5 paus o quilo. Poucos compram e vai tudo para o lixo

Dois Barbudinhos Apressadinhos de Expressão Esperta pontificam nos comerciais. Um vende carros, outro a candidatura do governo. São gêmeos?

A mentira sussurrada, apoiada por fatos suspeitos com aparência de verdade, é um discurso seboso e insinuante que dá o tom na campanha da TV

Interrompemos nossa programação planejada por anormais para transmitir o programa de anormalidades políticas

Ampliar e aprofundar o processo é manter mordomias. Fazer oposição é posar ao lado do adversário. Esse Brasil poder mais assusta

Emprego é disputar vaga de passeador de cachorro e ser reprovado para trabalho especializado. Crescer é subornar classe C com crédito podre

Saúde é te rala aí. Educação é poder ameaçar os professores enquanto come a merenda. Transporte é pagar os tubos por lata velha.

Não entendo nada de lei, mas propaganda eleitoral em programa infantil na TV não seria abuso de incapaz?

RETORNO - Imagem desta edição: Escolhas, de Ricky Bols.

22 de agosto de 2010

DOMINGO


Nei Duclós

Pára, domingo, o Tempo
Estrela remota em repouso
Relógio, freio de Apolo

Apague a pena de morar
Longe do Sagrado, fora
do templo, sob algozes

Que volte a Inocência
Presa como filho pródigo
entre urzes do remorso

Fica, domingo, vinho
molhando pão, linho
de criança no sacrário

Levante o sol no dia frio
sobre a família, de mão
à Mãe e seus Mistérios

no antigo céu soprando
a leste o arco do futuro
Amor, fruto de uma festa

Pára, domingo, o Tempo
Impeça este clima, ruído
farto no presente bruto

E desça sobre o mundo
A flor da alma intacta
Infância, última palavra

RETORNO - Imagem desta edição: obra de Fulvio Pennachi.

20 de agosto de 2010

PLANO DE GOVERNO


Todo partido ou candidato tem ou deve ter um plano de governo. Pelo que vejo na propaganda eleitoral, não aparece praticamente nada de planejamento. Se é que existem esses planos, devem estar soterrados em arquivos ou sites pouco visitados. Como somos escaldados, não acreditamos neles, pois soam falsos desde a primeira linha. É tão fácil, basta não ser cretino. Aqui vai um, muito prático e direto. As providências tomadas no primeiro ano ocupam um espaço maior, pois definem as políticas para todo o mandato. Os anos seguintes ampliam e consolidam as propostas:


PRIMEIRO ANO – AZEITAR A RODA, SEM REIVENTÁ-LA

Fortalecer o que já temos de instrumentos de políticas públicas. Fazer um up-grade (atualização) e reforma em hospitais, estradas (rodovias e ferrovias, principais e vicinais), escolas, usinas, museus, bibliotecas, teatros, cadeias e penitenciárias. Deixar como está os palácios do governo, da Justiça, do Legislativo.

Iniciar a formação massiva de quadros técnicos para atendimento de políticas públicas, aprimorando os que já estão dentro e preparando o ingresso de novos contingentes. Eliminar todos os cargos de confiança ou temporários e deixar apenas os concursados. Fazer levantamento sério do que falta e onde está sobrando. Evitar ou eliminar todos os contratos de publicidade. Concentrar o caixa do governo e não liberar verba sem o estrito acompanhamento da presidência da República.

Diminuir o número de ministérios para os essenciais: Defesa (que inclui a Segurança), Agricultura, Fazenda, Saúde, Educação (que incluirá Cultura e Esportes), Obras (que incluirá Transportes), Exterior. Vender imóveis e veículos considerados não essenciais. No Congresso, encaminhar a suspensão de indenizações milionárias e definir um teto que inclua todos os casos até agora colocados de lado e que sejam considerados justos (como parentes das vítimas militares do Haiti ou do acidente na base de Alcântara). Encaminhar a lei que elimina o limite de idade para qualquer espécie de crime e suspender todos os benefícios para praticantes de crime hediondo.

Manter intacto o sistema monetário e iniciar lenta, mas segura desconstrução do estímulo à especulação financeira, com o objetivo de deixar de atrair capital inseguro e atrair capital para o sistema produtivo. Eliminar todos os investimentos em grandes empreiteiras e assumir as grandes obras que ficariam a cargo dos departamentos técnicos do governo.

Promover um amplo levantamento das necessidades de saneamento em todo o país. Convocar e dar assistência a uma ampla política de voluntários para emergências, orientados por forças sob as ordens da Defesa, como Guarda Costeira e Polícia Ambiental e dos ministérios da Saúde e de Obras.

Na Política externa, fim da identificação brasileira com países ditaToriais e concentrar-se nas representações diplomáticas que sirvam os brasileiros no Exterior e não sejam apenas agentes de vendas de grandes empresas e empreiteiras. Estabelecer relações internacionais baseadas na tradição diplomática brasileira, favorável aos avanços da civilização e da prosperidade econômica e cultural dos povos. Instrumentar a Defesa para o combate sem trégua ao tráfico e o consumo de drogas, com leis mais rígidas e erradicação, pela força, de grupos marginais armados, que serão combatidos com política de guerra.


SEGUNDO ANO – PASSOS DECISIVOS


Além de seguir as fases seguintes dos projetos lançados no primeiro ano, ampliar a rede de transportes tradicionais e implantar novos sistemas, de trens elétricos, veículos fluviais e marítimos e aéreos alternativos, para que cubram todo o território nacional e estimulem a integração com países vizinhos. Fazer uma reforma educacional, resgatando os níveis anteriores a 1964, entre Pré-Primário, Primário e Ginásio e instituindo o Pré-Superior (os antigos Científico, Normal e Clássico). Acabar com a aprovação por decreto. Reprovar no primeiro ano primário quem não for alfabetizado. Focar na formação humanista, deixando a formação de mercado para escolas técnicas especializadas, públicas ou em convênio com instituições privadas. Fortalecer todas as universidades públicas e suspender a licença de instituições de ensino sem qualidade e que servem apenas para o faturamento.

Fortalecer o empreendedorismo por meio de decisiva reforma tributária, que desonere o setor produtivo, ajude a criar empregos e estimule setores estratégicos como alimentos. Instituir política de energias alternativas e fortalecer o sistema tradicional de geração e distribuição de energia, suspendendo todos os projetos de grande ameaça ambiental. Iniciar as obras de saneamento para todo o país, priorizando áreas super-populosas que ainda não contam com esse serviço essencial. Consolidar e organizar as forças de emergência para casos de catástrofes ambientais.

TERCEIRO ANO – GARANTIR O FLUXO DE REALIZAÇÕES


Estabelecer política de imigração pertinente, que dê oportunidades aos estrangeiros que vieram para o Brasil morar e trabalhar e cortar pela raiz o comércio de emigração. Estimular a volta dos brasileiros que emigraram por meio de estímulos ao empreendedorismo e ao emprego. Ultimar todos os instrumentos do sistema viário nacional, como terminais, estradas, linhas férreas, estações de hidrovias, transporte marítimo costeiro etc. Definir planos de carreira para todos os envolvidos na construção do sistema, que vão participar, como colaboradores, do seu funcionamento, que deve ser planejado em estado de arte, para que se atinja a excelência do serviço. Essa mentalidade se estenderá para todas as outras obras governamentais. Implantar rede de bibliotecas e teatros por todo o país.

QUARTO ANO – A COMUNICAÇÃO SEM AMARRAS

Implementação de amplo sistema de comunicações em todas as formas. Estabilizar uma política de difusão cultural por meio do sistema televisivo digital. Impor a descentralização do sistema de comunicações proibindo a prática aceita de criar redes poderosas e gigantescas. Ultimar a implantação da banda larga gratuita em todo o território nacional. Renovar os quadros funcionais do governo em todos os nichos e níveis. Convocar a experiência dos veteranos para o acompanhamento, o apoio e a orientação de inúmeros projetos. Estabelecer canais diretos de comunicação com a criatividade de todas as gerações. Garantir a realização de eleições livres e diretas, sem as interferências viciadas da urna eletrônica e das pesquisas eleitorais. Não se reeleger.

E ir para casa, depois de tudo isso, descansar.

Gostaram? Falta muita coisa? Deve faltar. Muito item nada a ver? Pode ser. Cartas para a redação.

19 de agosto de 2010

O QUE FAÇO COM AS ESFERAS?


Nei Duclós

Tenho dedicado algumas noites no Twitter aos serões de poesia. Escrevo on line poemas de um ou dois versos, seguidos por pessoas que se conectam nessa rede infinita. Aqui, uma seleta dessas sessões poéticas, e alguns tuits sobre política, já que candidato é linguagem e eleitor também é texto.

O que faço com a esferas? perguntou o Criador depois que tudo estava pronto. Invente o horizonte, disse o anjo. O resto vem por si

Faltam as estrelas, soprou o anjo para o Criador orgulhoso de ter inventado o Caos. Vem os poetas de contrapeso, mas vale a pena

Já estive aqui uma vez, disse o senhor de bengala num súbito dèja vu. Não esteve, explicou o anjo. O lugar é que viciou em te visitar

Lá vem a Madrugada, disse a Noite em suas vestes de Mistério. Parece comigo, mas sempre me expulsa com lanternas ocultas

O amor é a única bagagem que não podemos esquecer numa conexão complicada

Você joga poesia a esmo no cosmo cheio de becos? pergunta o amigo. É onde vingam as plantas que alçam os voos mais altos, disse o poeta

A poesia surpreende até a pena que pensa inventá-la

Por falta de papel e caneta perdia poemas, que pulavam para fora do seu bolso nas viagens. Ficava o esquecimento, como um sino ao longe

Na véspera do amor, há sempre uma bacia de água pura tremendo de frio no meio do quintal, banhando de alegria os futuros amantes

A Lua Cheia sujava o dorso rolando no deserto. Pode voltar, disse Quixote para Sancho. Encontrei finalmente a Dulcinéia.

Já estivemos aqui em outras vidas. Éramos criaturas insolúveis a olhar com desconforto o futuro se aproximando como um exército

A vida é um dia de mudança, quando carregamos nossos móveis para lugares afastados onde não há casas

Agora que tudo cai na vala comum da madrugada, é hora de abrigar os sonhos que tivemos e que se esgueiram nos becos como suspeitos

Quando os poetas passeiam no parque, os pássaros se agitam e pulam para as árvores mais próximas, onde arrulham vogais de poemas possíveis

Perto da meia noite, ele desistiu de convencer o Tempo a dar-lhe razão e entregou-se ao som de sino que bate insistente no bronze da Lua

Chegamos cedo demais ao navio que partirá de madrugada e ficamos com os pacotes no chão olhando a água suja do cais a afogar mariposas

Quando ninguém está olhando, o poeta amarra os tênis debaixo das estrelas

Quando pequeno, sentado no banco de trás do carro, eu sabia que a estrada acabaria na primeira curva e levaria a família para o abismo

Os poetas fazem biscates ao longo da vida para escapar do destino de morrer em cada palavra que salta do ombros dos anjos para a sarjeta

Os poemas são moedinhas de cinco centavos que ninguém faz questão de ter e que se acumulam, inúteis, no lado sem bolso do coração

A poesia bate, suave, como um tambor de veludo, na noite infinita

As redes sociais serão bairros abandonados no futuro, habitados por cães vadios, nossos tuits, a farejar algo escondido para sempre


UM POUCO DE POLÍTICA


Ganho followers à noite, com poesia, e perco de manhã, com política.

A aliança anti-empreendedora entre os sistemas financeiro e tributário alimenta as gangs do estamento político e a ilusão da pseudorebeldia

O uso político e a vilanização do sistema produtivo são sintomas graves de doença social e econômica de um país de escravos

Pelo menos a cara de pau deveria ser menos intensa nesta campanha, depois de tantas denúncias e escândalos. Mas parece que piorou

Políticos não deveriam falar em setor produtivo. Não obedecem nem aos principios tradicionais do livro caixa (receita e despesa)

Quando um empreendedor consegue gerar um emprego, o político vai para a TV dizer que o governo dele foi o responsável

Por que os políticos usam o setor produtivo como argumento, se as empresas crescem à revelia dos políticos?

Nem tudo o que é antigo é ultrapassado e nem tudo o que é de hoje é novidade. Chovo no molhado, mas é preciso dizer

Algumas campanhas de comportamento correto sugerem um clima de recente descoberta da pólvora, como se tudo fosse obra do presente

Falam em diversidade cultural e diálogo intercultural como grande novidade. Blues, Jazz, samba, artes ancestrais, seriam o que?

Um problema não deixa de ser pessoal só porque "acontece com todo mundo"
.
Os candidatos representam forças políticas em disputa pelo butim e não a favor da nação

Zero para todos os candidatos. Quando passar as eleições vai cair a ficha sobre a insânia dos votos dados a esses tipos

O voto indeciso é o mais decidido: nenhum de vós

A fome é capitalista. Somos revolucionários depois das refeições

Como é bom saber que está acessível uma série de recursos para melhorar nossa performance na web e nem sequer clicar no link. Deixar para lá

Uma boa biblioteca atualizada é uma espécie de Bienal do Livro sem atrações de circo

Proposta casa com Projeto. Nasce Prospecto


E FALANDO EM FUTEBOL

Colorado é marca de nascença que pulsa em dias de grandes tempestades.

O microconto também entrou em campo. Mas foi atrapalhado pelos quero-queros

RETORNO - Imagem desta edição: obra de Ricky Bols.

18 de agosto de 2010

A FACE IN THE CROWD, OBRA-PRIMA OCULTA: VIVA KAZAN!


Muita coisa influenciou para que caísse no esquecimento Um rosto na multidão (A face in the crowd), de 1957, mais uma obra-prima de Elia Kazan, com o mesmo roteirista de "Sindicato de Ladrões" (On the waterfront, 1954) Budd Schulberg. O fato de Kazan ter se enredado no macartismo, onde confirmou a existência de colegas comunistas para a comissão parlamentar que acabou destruindo a isenção em Hollywood, foi uma delas, pois a época do lançamento do filme coincide com seu depoimento para os nazistóides. Mas o principal motivo foi porque Kazan desmascarou a manipulação política, econômica e comportamental por meio da televisão de maneira contundente, numa obra soberba, daquelas de cair o queixo.

Pois se fosse uma denúncia correta embalada num trabalho medíocre, não haveria tanta determinação em soterrar o filme. Em todos os aspectos, Um rosto na multidão é uma obra-prima profética e perigosa para os poderes da mídia e da política. Se destaca pelo que diz e como apresenta, do claro escuro às planícies iluminadas e desérticas; das grandes cidades ao interior; das interpretações aos diálogos; dos personagens definitivos às cenas dramáticas pessoais e coletivas; do close ao plano geral; das referências às originalidades. Tudo numa narrativa épica, de grandes transformações, quando as pessoas mudam junto com o país e amadurecem na dor, como sempre acontece.

Tudo isso junto compõe um trabalho de mestre, com atores perfeitos como Walter Mathau no papel do intelectual formado em Princepton e que vira autor de sketches para programas de humor, Andy Grifith no impressionante Lonesome Rodes, o caipira convocado para o rádio que ganha a TV e o país; Pat Neal (que faleceu recentemente com 94 anos) como a sombra do ídolo; Lee Remick no primeiro papel da sua carreira como a baliza alpinista de 17 anos que casa com o ídolo; ou Tony Franciosa como o vilão marketeiro que se apossa da metade da fortuna do seu protegido.

Entre as profecias, ou pelo menos as tendências que se consolidaram com o tempo, está o Viagra (batizado de Viajet), uma aspirina energética recomendada para a performance sexual; a máquina automática do riso; o candidato presidencial vendido como produto de consumo para um público superficial e apressado; a obediência dos profissionais da mídia aos poderes ocultos da nação;o escritor que trai seus principios ao se engajar na televisão; a idealista que inventa um monstro; o general que quer dominar a nação entregue ao poder da televisão. Lonesome Rhodes é um caipira cantor folk descoberto numa prisão e que alcança fama no rádio, para depois migrar até os grandes contratos publicitários num programa de sucesso e se transforma num agente de marketing dos novos tempos. Ele acaba caindo em desgraça graças a um microfone providencialmente aberto ao vivo que revela seu verdadeiro perfil.

O papel é interpretado magistralmente por Andy Grifith que hoje, aos 84 anos, faz campanha a favor da política de saúde do presidente Obama. Ele fez uma carreira na televisão quase idêntica ao seu personagem radical, com a diferença que não influenciou ninguém nem alcançou alto índice de popularidade. Mas o que ele faz diante das câmaras, num overacting que, desconfio, inspirou Nicolas Cage em The Bad Liutenant, analisado aqui esta semana, é antológico. Igualmente Pat Neal encarna a mulher por trás da trama, a que vence na carreira e fracassa no amor e acaba desinventando o que ela própria criou e que fugiu ao controle de todos.

São inúmeras as referências de Kazan com a política da época, como o fato de o candidato presidencial ter obrigaroriamente um apelido, como Dick Nixon, e com as campanhas que entravam no jogo bruto da comunicação de massa, deixando de lado a postura tradicional do discurso para entrar no ramo do slogan, da logomarca, do jingle, das frases prontas servidas em pílulas que funcionariam como um alimento energético para as populações despossuídas. E a mais bela referência cinematográfica é o final idêntico ao de Shane, em que o ex-ídolo infantilizado clama pela sua protetora com a mesma fala do garoto que vê sumir no horizonte o pistoleiro herói.

Até hoje me pergunto se não pesaram demais a mão com Kazan, que jamais errou em seus inúmeros filmes, alguns deles antológicos, como, além do citado On the Waterfront, o América, América (um noir sobre os migrantes de fazer inveja a qualquer filme de transgressão hoje), The Arrangment, com Kirk Douglas e Faye Dunaway, aquele tipo de filme denúncia sobre a publicidade e as corporações que não se faz mais hoje, nesta era da vitória do macartismo, Viva Zapata!, com os eternos Marlon Brando e Anthony Quinn, entre muitos outros. A verdade é que ficam condenando Kazan e deixando frouxo os próprios nazistas que fizeram pesada e irreversível intervenção em Hollywood, onde os filmes de coragem foram minguando até termos hoje a plêiade de astros da CIA e do Pentágono, como Stalone, Schwazznegger, Kiefer Southerland, Tom Cruise, entre outros.

Quando recebeu um Oscar Honorário pouco antes de morrer os patetas do Sean Penn (que vive lambendo as botas do Chavez) e o Nick Nolte (que vive fazendo propaganda do militarismo americano em seus filmes) ficaram em postura indignada contra o “delator”. Não seria porque Kazan denuncia a fonte da corrupção em Hollywood e em Washington e que acabou engolfando tudo, impedindo que se fizesse novamente bons filmes? Não seria porque peitou a corrupção dos sindicatos no seu clássico "Sindicato dos Ladrões" (vai enfrentar a máfia sindical, vai)? Prefiro mil vezes um gênio e sua humanidade precária e escassa a ídolos de barro com muito menos talento. Pois Viva Kazan! e tenho dito.

RETORNO - Imagem desta edição: Andy e Pat, um romance impossível no turbilhão da mídia e da política.

17 de agosto de 2010

ENCANTOS ETERNOS


Nei Duclós (*)

Tentei ver um filme que mostra um antigo ditador na alcova fazendo sexo por vários minutos, várias vezes. Exausto da baixaria, migrei para um Hitchcock de 1938, The Lady Vanishes, sobre a governanta que some numa viagem de trem e todo mundo finge que nunca a viu, para desespero da protagonista, a bela Margaret Lockwood, no papel de uma americana liberada e noiva de alguém que não ama. Ela acaba sendo ajudada pelo pesquisador de danças da Europa Oriental, interpretado por Michael Redgrave que, claro, será seu futuro marido. Ambos decifram a charada do sumiço da velha senhora.

Hitchcock faz um filme que é soma de tudo o que hoje se divide em nichos, como se a Sétima Arte tivesse de ficar sob o tacão de gêneros. O filme de 1938 é comédia, suspense, romance, drama, thriller político etc. É anti-pacifista, já que a Europa estava conflagrada desde 1936 com a guerra espanhola, onde os nazistas pontificavam. É hilário, quando mostra o casal gay de ingleses da classe média fanáticos por cricket. É de chorar quando um deles diz que não sabia que o hino da Hungria era uma rapsódia com duração de 20 minutos.

A cena de briga entre o casal em busca da chave do mistério e o mágico envolvido na trama do desaparecimento, se sobressai a pantomina é um número de palhaços de circo, com mordias na mão, pontapés errados, golpes na cabeça, desmaios cômicos. E o mais incrível: tudo funciona maravilhosamente.

Também impressiona o que hoje chamam de efeitos especiais. O herói fora da janela do trem enquanto fica praticamente prensado entre duas composições que trafegam em sentido contrário é um ponto alto da ação eletrizante. Ou seja, não é preciso muitos recursos para deslumbrar a platéia. Basta a competência ao criar ilusões e é disso que , no fundo, o cinema trata. É uma arte que dribla o nosso olho ,que fica à mercê de imagens fixas navegando diante de nós. Ou não é mais assim com a tecnologia digital?

Criado no tempo do celulóide onde o cinema, como dizia Godard, é a verdade 24 vezes por segundo, continuo encantado com o acervo produzido em décadas passadas. Há muita coisa boa recente, mas é insuportável a vocação da indústria hoje tentar nos impactar com apelações visuais. Precisamos de mais qualidade, de mais Hitchcock e um bom zero para a mediocridade e o mau gosto.

RETORNO - 1. Imagem desta edição: Margaret Lockwood no colo de Michael Redgrave - alta carga emocional e de sensualidade sem nenhuma baixaria. 2. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 17 de agosto de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.

DOIS FILMES E UM LIMITE PARA A INSÂNIA


Filmes americanos mergulham fundo no poço social, mas parecem estar proibidos de sugerir desesperança. Há sempre um happy end para situações limite, para transgressões pesadas, para a aparente perdição dos personagens. A cidadania entra numa espiral de loucura, mas algo acima dela, ou parte indissolúvel dela, serve como amparo, rede de proteção, parâmetro e acaba se impondo. Por mais que se esgarcem as vidas na droga, no crime, na mentira, na indisciplina, na culpa, há sempre um desfecho favorável. Felizmente, em alguns filmes, como os dois que vi nestes dias, sem a babaquice tradicional dessa solução cinematográfica.

Nem sempre o happy end é alienação. Pode ser uma forma encontrada para resgatar as intenções originais que levaram os personagens a se enredarem no erro ou no vício. O policial que se joga numa cadeia imunda e inundada para salvar um preso começa, por força desse evento, a sofrer dores crônicas nas costas e por isso se vicia em sedativos e acaba migrando para o crack, a cocaína e a heroína, numa espiral cada vez mais insana. Ele acaba se aliando a um traficante para descobrir os responsáveis por um massacre de cinco pessoas e também para pagar suas dívidas de jogo na Nova Orleans depois do furacão Katrina.

A mulher abandonada pelo marido jogador e com dois filhos, que ganha pouco numa loja de quinta categoria e precisa terminar de pagar a casa nova, se alia a uma índia siowk na fronteira dos Estados Unidos com o Canadá para contrabandear imigrantes ilegais. Histórias que geraram dois estupendos filmes lançados em 2009. O primeiro é de Werner Herzog, The Bad Liutenant – The Call of New Orleans, com um incontrolável e arrasador Nicolas Cage contracenando com a diva Eva Mendes. E o outro é The Frozen River, da cineasta Courtney Hunt, com Melissa Leo, ambas indicadas para o Oscar.

Os dois filmes contam com a hostilidade da paisagem como definidora do perfil dos seus principais personagens. Na cidade destruída pelo furacão, Nicolas Cage é um inventariante de ruínas, colecionando despojos ao longo de uma investigação criminal que se aprofunda cada vez mais num beco sem saída, onde o mundo oficial dos promotores, políticos e advogados acabam contaminando a investigação e pressionando os agentes para um impasse. Mas a vocação do, policial persiste e mantem sua hegemonia numa vida pessoal que se desviou temporariamente.


E o rio congelado, coração do enclave indígena em território minado da fronteira, é o estado emocional dos habitantes do lugar, em que o filho adolescente perde a confiança na mãe, esta perde a confiança no mundo do emprego, os indígenas desconfiam de pessoas da sua tribo, os policiais estão sempre de olho nos nativos, culpados de nascença. Há famílias, partidas, vidas sem sentido, dor. Mas há mães protegendo filhos e isso acaba salvando vidas.

Tanto Cage quanto Melissa se deixam levar pelo turbilhão de eventos que os empurram para a tragédia. Mas no caminho encontram solidariedade (no caso de Melissa, que abre mão de sua segurança em favor da amiga índia) e amor (Eva Mendes serve de inspiração para o ensadencido Cage romper seu ciclo de demência e enfim encontrar um pouso seguro num relacionamento a longo prazo). A mulher da paisagem gelada acaba presa e o policial de Nova Orleans continua nas drogas, mas pelo menos eles se livram da insânia total em que se meteram. Há limites para a loucura, proporcionado pela solidez nacional, em quem instituições, como a Justiça e a Polícia, funcionam, apesar da corrupção e do preconceito.

Muito diferente do Brasil, onde a violência descamba para o descontrole absoluto (147 mil assassinatos em três anos, segundo estatísticas oficiais), como vimos em Cidade de Deus, Tropa de Elite ou Carandiru. Nós perdemos a forma, a sociedade estabilizada em que as leis funcionam, mesmo quando há caos. Os americanos procuram manter a forma tradicional, apesar das mudanças, fazendo com que todo o tipo de transgressão não ameacem os valores nacionais. Perderam a noção do perigo, pois o que eles estão cavando fora das fronteiras, nas guerras impunes onde se metem, acabam se refletindo pesadamente na estrutura que montaram e que está fazendo água.

Por enquanto funciona, mas pode chegar um momento em que se verão como nós, frente a frente com o que há de pior: nenhum lugar para onde escapar, devorados por nossos erros, sem poder restabelecer a ponte com a paz verdadeira, que é o convívio social e a violência sob controle.

RETORNO - 1. Imagens desta edição: na foto inicial, Nicolas e Eva e na de baixo, Melissa. Interpretações maravilhosas, dirigidas com pulso firme por dois cineastas de primeira. 2. Entrevista de Werner Herzog sobre o filme aqui. E uma com Courtney Hunt aqui.

15 de agosto de 2010

O PARADOXO DE WHILE


Nei Duclós

Pesquisador brasileiro, que se esconde sob o pseudônimo de While (talvez para fugir de um Jondertson) levantou uma hipótese polêmica, que depois de abandonada no meio acadêmico alcançou súbita notoriedade. Trata-se de uma relação entre duas situações incomensuráveis. A primeira é a da linha contínua que forma o círculo e que, em tese, jamais se fecha, pois não alcança o número infinito de pontos que existe antes de chegar ao final. A segunda é o perfil auto-definido das personalidades humanas, que também funcionaria como uma sucessão infinita de pontos, as imagens superpostas, como num espelho em frente ao outro. O círculo que jamais se fecha e a consciência que nunca chega à cristalização teriam uma relação íntima, que encerra um paradoxo. Qual seria?

Tanto a figura geométrica que nunca atinge sua concretização final, quanto o ethos pessoal sempre incompleto existem de fato e são vistos como definitivos. A existência da roda ou do Porfírio permite que pessoas andem de carro e xinguem os outros porque sempre têm razão. Mas sob o ponto de vista do paradoxo de While, nem o carro poderia rodar nem Porfírio teria chance de dirigir, pois não contaria com suas certezas para abrir caminho no tráfego.

Parece uma bobagem, e é. Mas não fosse o scholar Branden Der Wolf, que veio pesquisar os nativos a partir de uma bolsa fornecida pelo governo de Luxemburgo e da universidade de Branderbugo, talvez While continuasse no anonimato, como acontece com todos os produtores de pensamentos que tiveram a infelicidade de nascer no Brasil.

Wolf adorou o estudo de While, que não passa de seis páginas datilografadas em espaço dois em papel ofício A4 . O que o encantou foi, a principio, um paper escrito numa velha Olivetti, apesar de ser datado de março de 2010. E depois, ao colocar o texto no Google Tradutor, as possibilidades lucrativas de desdobramentos.

A verdade é que Wolf tinha se amasiado com uma mulata na Baixa do Sapateiro e deixado escorrer miseravelmente o tempo para sua tese. Ao selecionar papéis para uma necessidade premente, descobriu que tinha descoberto ouro em pó. E voltou do reservado com os olhos esbugalhados. Ali estava a possibilidade de estender sua estadia no Brasil por mais 20 anos. É o tempo que leva uma carreira bem sucedida nas universidades brasileiras. Bastaria encher alguns formulários, verter para o inglês a barafunda de While e pronto.

Desconfio que foi o próprio Wolf que arranjou o pseudônimo para Jondertson. Assim convenceria seus orientadores teuto-saxões de que estava às voltas com um fenômeno da fenomenologia, uma espécie de Schopenhauer de tanga, um Wittegenstein tardio. Como caçador de paradoxos, Wolf sabia que poderia incrementar o estudo com teorias bizarras sobre contradições nas relações de infinitude. O que havia de novidade é que pela primeira vez um estudo combinava a perfeição e os abismos da geometria e da matemática com a situação da diversidade e da sustentabilidade humana contemporânea. Não haveria mais como escapar da possibilidade de encarar cada candidato político, por exemplo, ou cada celebridade, como algo a ser enfrentado como um teorema complexo ancestral.

O problema é que o egrégio conselho da Universidade de Brandeburgo refutou a hipótese e mandou suspender a mordomia, que era de uns cinco paus de euros por mês, uma fortuna na periferia de Salvador. Foram suspensas também as viagens de Wolf a Santa Cruz do Sul, onde mora While, estudante por correspondência do Instituto Unviersal Sowak-Brasileiro, de existência virtual, mas significativa, pá que tem costas quentes, com três senadores lutando por sua regulamentação.

Claro que não foi o péssimo currículo da instituição de ensino freqüentado pro While que definiu o desenlace desfavorável. Hoje é moda cacifar grotões, a culpa primeiromundista alcançou níveis estratosféricos. Mas sim a natureza do paradoxo, de implicância político-perigosas. Os professores doutores não queriam amarrotar suas relações com o governo brasileiro, pois todos os anos ganhavam do Ministério da Educação uma verba para visitar as praias do nosso litoral. Wolf já tinha usufruído bastante dos trópicos, por que haveria de estragar o esquema deles?

Foi assim que While caiu temporariamente no anonimato e só recentemente foi resgatado por uma reportagem do jornal O Parcial, de Sururucu da Serra. O repórter Benício Vagalume descobriu a tese reescrita por Wolf num site sobre cães, e colocou no Google Tradutor, ganhando de presente um belo calhau para preencher lacuna deixada por malho na prefeitura local. Não tinham o que colocar lá, mas a página era em cores e fechava um caderno especial. O paradoxo de While então abrilhantou os serões deste inverno e virou um must não só na região, como nas catacumbas das universidades marginalizadas do País.
While/Wolf viraram símbolos do saber que jamais é considerado. Já tem candidato prometendo elevar os dois ao nível de consultores regiamente pagos, para que distribuam suas luzes em cursos de auto-ajuda, superfaturados, pelo país afora.

Nem tudo está perdido. O círculo jamais se fecha, portanto a verba nunca acaba. E esse negócio de perfil pessoal incomensurável, já sabemos: faz parte da política brasileira atual. Ninguém tem uma só cara, isso não dá mais lucro.

RETORNO - Imagem desta edição: Tambor Digital, de Ricky Bols.

13 de agosto de 2010

UMA CARTA DE VILMAR ROSA DUARTE


Poucas vezes, em minha vida profissional, tive uma emoção como esta ao receber a carta de Vilmar Rosa Duarte, aposentado uruguainense que sofreu uma violência da marinha uruguaia e agora recuperou todos os seus pertences (na foto, Vilmar com seu barco Nopati, que ficou retido no Uruguai por mais de um ano). Por especial obséquio de Paulo Acosta, foi-me endereçado por e-mail estas palavras, assinadas pelo próprio Vilmar. Momentos como este retribuem todo o esforço de uma vida dedicada ao jornalismo e à literatura. Convido os amigos do Diário da Fonte a ler o que segue:`

CARTA ABERTA A UM AMIGO

"Nei Duclós,
Nei
Caro amigo, se assim posso chamá-lo...


Estamos encaminhando estas poucas palavras para agradecer-lhe seus comentários na época em que sofri aquele atentado às margens do rio Quarai, e sendo você a primeira pessoa que relatou e pesquisou sobre o fato e sobre a minha pessoa, um motorista profissional aposentado, casado, com filhos e netos.
Como este jornalista também muito profissional e responsável, pois ouvistes ambas as partes e ainda a comissão dos direitos humanos. Saiba que sua matéria impulsionou todos os demais atos que levaram no dia 06 de agosto de 2010 a devolução de minha embarcação.
Restando a certeza, de que quando somos pessoas honestas e idôneas, pois jamais fizemos alguma coisa para prejudicar quem quer que seja, muito pelo contrário, acredito que uma de minhas missões nessa vida, que por competência médica e Deus não foi abreviada, estou mais para servir a quem precisa. É fato de que as coisas convergem para o bem e a solução de impasses burocráticos.
Desde já, saiba que tem um amigo mais em Uruguaiana, e que quando nos seja possível, possamos conversar pessoalmente e mais uma vez agradecer sua bem propositada matéria.

“Pessoas como Você perpetuam a esperança de dias melhores no futuro”

Vilmar Duarte & Flia.
Agosto/2010



BATE O BUMBO: A VITÓRIA DE VILMAR ROSA DUARTE

O jornal uruguaianense Diário da Fronteira de ontem , terça-feira, dia 11 de agosto de 2010, traz matéria sobre o pescador Vilmar Rosa Duarte, que levou dois tiros nas costas da marinha uruguaia quando tentava prestar socorro para um barco que ele achou que precisava de auxílio. Pois não precisava. Eram os guardas do país vizinho, que o perseguiram dando 50 tiros em sua direção e na de um companheiro de pescaria. Fiz duas reportagens sobre o assunto. Uma aqui e outra aqui.

Um ano de meio depois, seu barco, Nopati III, formado pelas iniciais dos seu três filhos, Noruã, Paulo e Tita, seu motor e suas tralhas lhe foram devolvidos, graças à pressão de autoridades brasileiras e de pessoas ligadas aos direitos humanos do Brasil. E graças também à imprensa, que fez grande pressão, a começar pelo Diário da Fronteira, seguido aqui pelo Diário da Fonte, que entrevistou o pescador e sua nora Juliane Ribas Cruz, fonte valiosa para nosso trabalho.

Fiquei muito emocionado com o agradecimento público feito a mim pelo Vilmar nas páginas do Diário da Fronteira. Dá gosto ser jornalista num momento desses. E agradeço ao portaluruguaiana por ter difundido as reportagens da imprensa local sobre esses acontecimentos, mais tarde ampliadas aqui por entrevistas que fiz por telefone.

O brasileiro Vilmar Rosa Duarte pretende voltar ao local onde foi atacado e continuar pescando. É direito dele! São águas do rio Quarai, que também pertencem ao Brasil. Respeito é bom e nós gostamos. Nossas fronteiras precisam ter a presença não apenas da cidadania, mas das Forças Armadas. Não para brigar, pois já brigamos bastante para ter essa divisa. Mas para lembrar de onde vem o acordo que separa países.

12 de agosto de 2010

INCEPTION (ORIGEM): OS CRIMES DO SONHAR


Nei Duclós

Toda a muvuca em torno do filme Inception (2010), de Christopher Nolan, com Leonardo di Caprio no papel principal, é inútil se não for colocado o principal: trata-se de uma história totalmente baseada no livro A Arte do Sonhar, do brasileiro Carlos Castaneda, que por muito tempo foi identificado como peruano e que tinha também Aranha no sobrenome. Nascido em 1935 em Franco da Rocha, interior de São Paulo, e criado pelo avô materno, ele migrou para Buenos Aires aos 15 anos pelas mãos do tio famoso, Oswaldo Aranha e depois foi para os Estados Unidos, onde escreveu uma obra de antropologia que mudou a cultura do nosso tempo.

Não desista de ler antes da minha argumentação. Sabe a Força, o Yoda, os guerreiros de Star Wars? Totalmente chupados da obra de Castaneda. Sabe Matrix, o pesadelo do real, em que a realidade é uma projeção virtual construída e manipulada pelo poder? Castaneda puro. Sabe Inception, em que é possível sonhar dentro do sonho e construir mundos paralelos com técnicas do sonhar? Isso é Castaneda desde o primeiro livro, Os Ensinamentos de Don Juan . Sabe Cobb, interpretado por Di Caprio, o principal sonhador? Trata-se de O Inquilino, um personagem assustador de A Arte do Sonhar, capaz de construir cidades, com pessoas dentro que podem até ter pensamentos próprios.

Castaneda não quis que o cinema se apropriasse de sua obra e por isso não deu o aval para ninguém. Esnobou Fellini, que ficou louco para filmar seu livro de estréia. Chegou a aceitar um encontro, mas desistiu, dizendo que o cineasta iria mudar toda a concepção da obra. Sobrou para os americanos, que chupam sem parar sem dar o crédito. É a segunda idéia roubada pelos americanos de brasileiros. O primeiro foi o avião. Roubaram a arte de voar e a arte do sonhar e os transformaram em crimes. Porque há uma diferença fundamental: Castaneda não é um difusor da cultura da morte.

Don Juan ensina Castaneda as técnicas do sonhar, que não é igual ao sonho comum. Trata-se de uma viagem no que o mestre yaqui chama de intento. Por meio do intento, é possível navegar na realidade vislumbrada pelo sonhar. Para conseguir dominar esse mundo, tão real quanto o nosso, é preciso primeiro olhar as mãos na hora do sonho. Aos poucos, e com uma vida impecável, o aprendiz de guerreiro vai se acostumando a andar, viver, e agir no mundo do sonhar. Mas com os americanos é diferente: basta tomar um sedativo poderoso para chegar até essas projeções que ficam em camadas abaixo do que chamamos de realidade.

Inception é uma ação incomum para os ladrões de sonhos, os que ficam tirando idéias e sonhares alheios em proveito próprio. É uma operação oposta e mais complicada: inserir uma idéia no sonhador. Para isso, é preciso acordar duas vezes em mundos diferentes. Nas duas camadas abaixo do real, trava-se uma batalha tremenda para convencer a vítima de que a idéia de mudar a corporação que vai herdar é sua. Para conseguir essa façanha, é preciso mobilizar uma equipe de especialistas, desde arquitetos do mundo virtual, que constroem cada detalhe do lugar onde acontecerá a inoculação da idéia, até falsificadores profissionais, que enganam as pessoas levando-as ao próprio mundo interior como se fossem externos a ele.

Parece complicado e muitas vezes as cenas nos confundem, mas nem tanto. Os americanos cuidam muito de sua indústria de cinema e fazem de tudo para deixar as coisas claras, por mais complicadas que sejam na sua concepção. Você acaba entendendo perfeitamente que nos três mundos trava-se a luta para conseguir o objetivo e tudo está acertado para que acordem todos ao mesmo tempo depois de chegar ao alvo. Para isso monta-se uma operação de guerra, que é interferida por várias dificuldades.

Como notou Ida Duclós (@BrazilTour no Twitter), tudo converge para um mundo irreal, considerado a verdadeira realidade: o sonho americano, uma Los Angeles limpa, um passaporte seguro, o reconhecimento da cidadania, uma família, um clima de paz e conforto. Os outros mundos são pesadelos. No fundo, é isso o que os americanos fazem: roubam os sonhos de todos e transformam o mundo num pesadelo, se reservando o único sonho que vale a pena, o da civilização que tudo pode. Aquela que fornece todos os elementos de vida plena para seus habitantes.

Um filme arrasador nas cenas de ação, complexo na idéia (roubada de Castaneda), com um roteiro bem amarrado. Um blockbuster de estilo. Nolan, que nos deu o Cavaleiro das Trevas, elogiadíssimo aqui, é do ramo, sabe fazer cinema. Mas deveria dizer que o brasileirinho que veio de longe é quem fez as principais revelações, herdadas de uma cultura ancestral que soube se adaptar ao mundo dos colonizadores e à modernidade. A fonte dessa sabedoria está em nós, os que vivem o pesadelo do real fora da América. Mas é lá que eles usufruem, com seus brinquedinhos ultra-sofisticados e sua máquina mortal de iludir as pessoas.

11 de agosto de 2010

ESPERANÇA


Nei Duclós (*)

Postura crítica é confundida com falta de esperança. Enxergar seria apenas ver o lado ruim das coisas, e denúncia não passaria de pessimismo. Há ainda um lado mais obscuro do poliedro. Ficar em guarda diante de injustiças ou inverdades corre o risco de cair na vala comum do bom-mocismo. Há, portanto, uma série de impedimentos para revelar o óbvio. No conto infantil, os garotos tiveram de berrar na rua para que a ficha da população caísse e os falsos estilistas fossem desmascarados.

O grito faz parte dessa lista de proibições do verniz civilizado. A não ser que seja confundido com música, aí pode. Mas levantar a voz para ser ouvido é o mesmo, no atual estado da repressão social, do que tentar impor a própria opinião. De mãos e pés amarrados, os contemporâneos se dedicam ao mutismo funcional e ao espírito desabitado, o que leva ao consumo feérico de frases pífias, pensamentos vazios e outros truques de linguagem confundidos com sabedoria.

Com a calamidade exposta por toda parte, e com os inúmeros canais que se abriram para a manifestação pública, reiteramos imprecações, o que torna inoperante qualquer gesto a favor da mudança. Às vezes as chamadas redes sociais dão um susto em alguma notoriedade, mas tudo volta ao normal. Remoemos nossos pensamentos sem compartilhar com muita gente, com medo de sermos enquadrados em algum partido, ideologia, campanha política, religião ou assinatura de manifestos.

Lembro quando, há tempos, decidi parar de participar de assinaturas a favor de alguma coisa. Tudo continuava igual, mas havia um acervo de insurgência que ia crescendo e enriquecendo algumas personalidades, que acabaram fazendo carreira. Manipular o verbo para ter acesso à verba não deve contar com o apoio das pessoas responsáveis. Você se nega a dar o aval para algum movimento, que no fim é apenas para carregar no ombro uma ou outra candidatura. Mas não deveria deixar por isso mesmo.

É preciso vir a campo e peitar os poderes emergentes ou institucionalizados, que contrariam o exercício pleno e livre da cidadania, mesmo que o chamem de utópico, ultrapassado, superficial, metido. Quem não tem voz ativa, dispõe pelo menos da sua palavra. E ela precisa circular e ser identificada com o autor, para que tenhamos a coragem das identidades pessoais em confronto com perversidades coletivas.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada no dia 10 de agosto de 2010 no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: She, Blue, obra de Juliana Duclós.


EXTRA: VENHA PARA A FOOT-BALL


A segunda edição da revistaça Foot-Ball, que tem no comando o mestre Moacir Japiassu e seu filho Daniel Japiassu, está um estouro. Belissima edição para os aficcionados do esporte e do bom jornalismo, para os amantes do bom texto e da alegria de ler e ver. Fui convidado para participar e compareço com Grenal, a Guerra Centenária, que pode ser vista neste link. Mas tem muito mais. Leia, divulgue, compre, colecione.

10 de agosto de 2010

O FIEL ESCUDEIRO


A narrativa romanesca ou audiovisual jamais muda: há sempre o herói e seu fiel escudeiro. Sob todas as formas, como mestre/discípulo, veterano/novato, sonhador/pragmático, invencível/humano, adulto/moço. A trama pode ser policial (Tango/Cash), épica (Quixote/Sancho), justiceira (Zorro/Tonto, Batman/Robin), cômica (Dean Martin/Jerry Lewis). Por que esse binômio é obrigatório e por que sempre funciona?

Acredito que o motivo principal é que o fiel escudeiro representa o leitor/espectador, que aspira ao protagonismo, quer se transformar no seu ídolo, enquanto faz o papel da sua sombra. Essa migração entre o coadjuvante e o principal leva junto o espectador. É o esforço de decifrar as altas esferas, as quais só o primeiro time tem acesso, de atingir um patamar mais alto a que foi relegado pelo berço ou destino. É a superação diante do universo hostil, reconhecendo que existe alguém maior, mais preparado e que é preferível seguir seus passos para chegar a algum lugar do que se recusar a aceitar a liderança e ficar sempre amarrado.

O campônio que vira governador no livro de Cervantes encarna essa função mítica e pragmática. O fiel escudeiro é quem se assombra quando surgem os umbrais, o que comenta como leigo o que vê sem entender, e reage mal diante do perigo. É a maneira de a trama aproximar o público da história, de envolvê-lo colocando-o dentro da rede. E de levá-lo para a mão até o desfecho, que costuma ser favorável.

Quem assiste fica fisgado pela possibilidade de palmilhar o caminho em direção à realização, ao conhecimento, à aventura, à vitória. Isso só é possível por meio do fiel escudeiro, frágil no começo e que com o tempo ganha a confiança do chefe. Este, precisa da precariedade e escassez do seu braço direito para poder realizar suas façanhas. É possível até ser salvo por ele – naqueles momentos em que o fiel escudeiro cresce de importância e se transforma diante da percepção não apenas do herói, como da massa que consome a narrativa.

É quando saltamos o abismo e deixamos de ser essa criatura inerme sentada num sofá para alçarmos vôo, a exemplo do cabeça de área, o sujeito que sabe o que está fazendo e para onde vai. Quando os dois ficam próximos ao longo do texto, o fiel escudeiro se torna parte do mito e cresce até atingir a glória. Ou então, permanece assim, dependendo se haverá continuidade da saga em outros volumes ou não.

É o isolamento como representação da imobilidade, que leva à união indissolúvel dos dois, que juntos inventam a ação. Toda dupla tem esse função, a começar pela principal delas, o casamento, que rompe a solidão e gera a descendência. No caso da dupla da ação (que muitas vezes compete com o casamento) o objetivo é também fugir da maldição humana, de nascer e morrer só. A liga entre o dono da história e seu amigo mais próximo significa o esforço de romper com esse cerco do mundo inimigo.

É preciso unir forças para derrubar os muros. O nó da amizade junta o Ideal, ou a Força - nem sempre lúcida, já que precisa muitas vezes da coragem cega para realizar algo - ao seu avesso. O Pragmatismo, o Medo, a Prudência se junta ao Sonho para que algo venha à luz. É a história, que nos prende a atenção porque temos uma porta de entrada: o sujeito tosco que nada sabe e tropeça em tudo o que vê, mas que acaba sendo o mais simpático dos dois, o cara que está ali para ser visto de cima por nós.

Pois nos identificamos com o herói, enquanto de fato somos o escudeiro. Nós, leitores, espectadores, não nascemos para grandes feitos. Mas o amigo do mocinho nos introduz para essa possibilidade, basta seguir o líder, ajudá-lo nos momentos decisivos, para rompermos o círculo que nos prende. É quando enfim atingimos a capacidade de voar ou de atingir a imortalidade.

Começamos como ajudante de ordens e acabamos na cadeira do general. Não tínhamos acesso ao trono. Mas o fiel escudeiro nos levou até lá. Quando somos enfim invencíveis e levamos a mocinha para casa.

RETORNO - Imagem desta edição: os robôs de Star Wars reproduzem o Quixote emotivo e o Sancho pragmático.

EXTRA: VENHA PARA A FOOT-BALL


A segunda edição da revistaça Foot-Ball, que tem no comando o mestre Moacir Japiassu e seu filho Daniel Japiassu, está um estouro. Belissima edição para os aficcionados do esporte e do bom jornalismo, para os amantes do bom texto e da alegria de ler e ver. Fui convidado para participar e compareço com Grenal, a Guerra Centenária, que pode ser vista neste link. Mas tem muito mais. Leia, divulgue, compre, colecione.