30 de outubro de 2011

SEGREDO


Nei Duclós

Pareces idêntica
misturada na cesta
flor que se rende
ao olhar desatento

O que difere um poema
da palavra no ermo?
Não notam que é deusa
com seu passo de seda

A vocação é a mesma
do verso em soneto:
salto alto em deserto

Só eu fico pasmo
submisso à beleza
Segredo de escravo


RETORNO - Imagem desta edição: obra de William-Adolphe Bouguereau

29 de outubro de 2011

ARRASO



Nei Duclós

Exclusiva como ao sol se fina
o último rebento da açucena
única solidão que te combina
para o mito de ser apenas Lua

Rima de amor, pobre criatura
abandonada na imóvel grua
numa construção que virou ruína
em guerra decidida no subúrbio

É com esse nó que falo ao Tempo
sabendo que serei jogado fora
que importa se terei teu seio

entre as mãos que agora dormem
Despertarei contigo numa cama
em lençóis de flor e cheiro forte



RETORNO - Imagem desta edição: obra dele, William Adolphe Bouguereau.

28 de outubro de 2011

SARRO


Nei Duclós

Sou teu escravo, mas não me tens cativo
e sendo minha não serás meu gado
proprietária da graça que te faz rainha
impões com a beleza o que me dá vontade

Perguntam como faço quando estás sozinha
e cuidas do teu corpo, extrema divindade
digo que me deito à espreita da vinha
apogeu da festa sem papéis trocados

A não ser que o curral onde o desejo esgrime
abrigue uma transgressão de personagens
e viramos bichos farejando o orgasmo

A submissão se exime e pede licença
deixa de ser tortura, exílio e desavença
e se transforma no sorvo de infinito sarro


RETORNO - Imagem desta edição: A Onda, obra de William Adolphe Bouguereau.

VINGANÇA


Nei Duclós

Entregaste o que tinhas, e era pouco
pois o amor se alimenta do que falta
não se trata do toque ou outra graça
mas o molho múltiplo do gozo

nem toda água existente chega ao nível
do que geras no grito de um desmaio
inundação de mar, mas com doçura
como pote de mel que corta os pulsos

Deste tudo e eu fiquei sem nada
apenas um relógio às três da tarde
e um quarto ainda quente pelo agarro

Agora aguardo a volta, de vingança
por teres ido embora desta carne
enquanto me devora o desespero


RETORNO - Imagem desta edição: Psyche e L´Amour, mais uma obra impressionante do pintor francês do século 19 William Adolphe Bouguereau.

27 de outubro de 2011

AMOR VICIA


Nei Duclós

Amor vicia, assim como o canto
perdê-los subjuga o tratamento
medicina inócua, dor placebo
engano total da abstinência

Amor e poema, irmãos gêmeos
dividem solidão no mesmo berço
precisam de ti, flor da lonjura
há risco de acabar-se o universo

Única solução é ir a campo
e te trazer de volta, meu encanto
porque nada no mundo vai dar conta

Tua ausência, tesão, é um sintoma
de doença mortal, a indiferença
Quero na veia o que atiraste longe

RETORNO – Imagem desta edição: La Nuit, obra de William Adolphe Bouguereau.

26 de outubro de 2011

MESADA


Nei Duclós

Algumas palavras fazem parte do cânone da memória. Desgranida, por exemplo, parecida com o Desgracida, que o Dalton Trevisan escolheu para titulo de seu novo livro, um dos ganhadores do Jabuti 2011, é uma delas. É um xingamento disfarçado, para evitar a forma mais explícita e rude, o de desgraçada. É a maneira de sufocar um grito e transformá-la numa calúnia, tirar seu perfil de alto falante e instaurar o sussurro amargo.

Outra palavra importante e que também sofria de uma distorção do sentido era mesada. Na nossa casa toda semana era distribuída, mas a instituição, na origem, referia-se ao que era fornecido mensalmente. Melhor par nós que ganhávamos do pai todo domingo o que deveria ser dado só a cada 30 dias.


Essa mesada semanal contribuía para que tivéssemos uma relação saudável com o dinheiro. Era só aquele montante que dispúnhamos para despesas fundamentais, como ir ao cinema, comprar revista em quadrinhos, refrigerante e sorvete, coisas sem as quais era impossível viver. Como a inflação era quase inexistente naquela época, então só de vez em quando havia um aumento e não dependia de reivindicação, pois obedecíamos aos critérios absolutistas paternos.

Era uma monarquia que com o avanço da idade dos rebentos virou parlamentarista, coisa que deu certo no Brasil por um bom tempo. Mudava-se o total quando os mais velhos dispunham de sólidas provas de que a mesada era utilizado para algo mais nobre como um curso técnico a distância ou fazia parte da economia para futura e importante viagem escolar. Se o pai mexia no topo toda a base da pirâmide acompanhava a mudança.

Além da mesada, tínhamos a caderneta de poupança para nos treinar no trato difícil com o dinheiro que não perdia o valor a cada minuto, como aconteceu depois,até virar pó e hoje ser apenas lembrança, já que ao existem mais moedas nacionais, apenas unidades monetárias a serviço da especulação e da industria financeira. Não há mais pesos, pesetas, escudos, francos, marcos, cruzeiros e sim euros ou reais,que são moedas artificiais. A caderneta de poupança era uma rocha à beira mar: indestrutível e rendia razoavelmente. Bastava depositar ali toda semana ou mês e esperar uma vida para recolher os frutos.

Quando fundamos o Esporte Guarani, abrimos uma caderneta na Caixa Econômica Federal. A caderneta era da cor do ouro, que significava o valor do dinheiro sólido, e ostentava aquela caligrafia onde bancários austeros e atenciosos registravam os depósitos. Retiramos alguns meses depois para comprar camisetas e bolas e assim enfrentar os vários adversários existentes, times que se formaram em outros bairros. Arrastávamos nossas torcidas para conquistar o respeito por meio da força bruta e do talento.

Mas esse era um outro tempo,quando o dinheiro falso desgranido não tinha eliminado a relação duradoura entre o objeto – a vida – e sua representação – as cédulas e moedas. Havia usura e distorções. Mas o governo colocava para a população, especialmente as crianças, as instituições bancárias a serviço da formação séria. Éramos goleiros, centro-avantes,primeiros da aula, poupadores. Digo isso não só para lembrar, mas para provar que nem sempre vivemos no pesadelo.

RETORNO - Crônuca publicada no jornal Momento de Uruguaiana.

25 de outubro de 2011

FONTE


Nei Duclós

Raso da fonte - em Minas, onde imperas,
beldade do abismo (o meu assombro) -
molha teu pé, pétala entre espinhos
fomento da insurreição após derrama

Tenho dó de quem não ama, e não soma
o que vem de ti, deusa do banho
todos ermos do que vejo à luz do canto
perdem a vez de sucumbir em teu remanso

Sou o que fica sob o cântaro, mel de gigante
o amante em verso azul e quadro em ouro
a escrever o que me dás, em susto e sangue

Lavas além do corpo, o teu rebanho
que apascentas nos olhos e pões de joelhos
até dizer sim ao pastor, troféu de noiva


RETORNO - Imagem desta edição: Depois do banho, de William Adolphe Bouguereau.

23 de outubro de 2011

FIM DA TRÉGUA


Nei Duclós

Dou por encerrada a quarentena
que definiste um dia pelo susto
do orgasmo, não há outro termo
que veio na volúpia do discurso

Foi tudo verbo, como cerimônia
em que se diz sim e está completo
basta uma palavra e vem o resto
obedecendo a carga sem escrúpulos

É a falta de vergonha que nos une
essa transgressão que expulsa o tédio
do corpo esbagaçado pelo ciúme

A carne espicha o olho para a presa
letra que ponho no ar e te confisca
Vais atrás faltando ar querendo coisa


RETORNO - Imagem desta edição: Omar Sharif e Julie Christie, Jivago e Lara nas cenas imortais de David Lean.

22 de outubro de 2011

REGISTRO


Nei Duclós

Sinto falta, fogaréu, desse registro
da cena que nos trouxe à terra firme
cavalo do amor mordendo o freio
o tempo do tesão correndo risco

Aguardo, sua louca, o calendário
repetir o gesto incandescente
em que lemos suados até o topo
a variada biblioteca do teu seio

Foi tudo uma surpresa e já és minha
como sítio definido no cartório
mas nenhuma letra nos comporta

porque surtas o gozo desse enrosco
e agora é esperar que exista jogo
de eu te pegar na curva, meu encosto



REGISTRO - Imagem destra edição: obra de Toulouse Lautrec

POESIA EM BUSCA DA ORIGEM


Nei Duclós

Deixe as rosas completarem o ciclo.Cairão todas a pétalas e tu permanecerás ao lado, montando guarda da beleza. E ficarás cada vez mais orgulhoso

Exageras para cativar o Acaso, e seu tesouro, a Surpresa

Agora que fui flagrado neste ofício que não serve para consertos nem faz parte dos artifícios, só me resta a palavra, irmã do vento bandido

Fingi que sabia usar arco e flecha, dar tiro. Construí muros, alcancei navalhas. Mas o coração cansou de mentir e me jogou no chão com força

Prometi parar e até fiz dieta de estrofes, podei rimas, doei versos. Mas sempre havia algo brotando.Vinha da sala escura, onde o amor tecia

Quando me perguntam o que faço agora respondo que não sei exatamente. Às vezes componho voos de auxílio às joaninhas. Parece que precisam

Tinham me avisado do perigo, mas insisti, achando que a poesia era destino. Errei. Deveria aprimorar outras qualidades, como provocar chuva

Não se entregue assim à poesia. Poderá acabar num banco de praça, numa tarde da eternidade, junto com os cães e os versos jogados no lixo

Não saia à noite sem se proteger contra a pressão das estrelas. Elas poderão sugar teu olhar até onde some o infinito. Lá, você vai ver só

A Noite não diz para ninguém, mas o Tempo está perdido. Por isso nos sentimos sós. Abandonados no berço, crescemos sem saber da nossa origem

A bolsa ardente do sol vai mergulhando no abismo enquanto lança raios que borram as nuvens de luz e varrem o céu de outubro. Quieto,coração

Não desista, lute. Os frutos são generosos. Suor e fé. Juntos


RETORNO - Imagem desta ediçção: The Finding Moses, de Frederik Goodall (British, 1822–1904)

21 de outubro de 2011

NA CARRETERA


Nei Duclós

Espanholismos fazem parte do vocabulário da fronteira gaúcha. A estrada principal é a carretera, que na minha infância era de barro, pelo menos até 500 km ao norte, Santa Maria. Na lama também fiz algumas viagens com meu pai, como a que levou dois dias para chegarmos a São Borja, trajeto que se faz hoje de Uruguaiana em poucas horas. Chovia demais e fizemos a volta por uma série de pequenas cidades das quais não lembro o nome – e recompor o roteiro no Google Maps talvez não ajude a recuperar aquele caminho sinuoso em que acompanhei a concentrada presença paterna nos seus negócios.

Lembro que a chuva nos obrigou a parar no meio do caminho, num hotel do mais profundo interior, em que gostei demais do cheiro de casa velha e os boníssimos edredons seculares que me protegeram do frio. E a inesquecível Pensão da Siá Mulata, onde me refiz da viagem com pratos populares capitaneados por atencioso dono e chef, que por ser negro destoava dos empreendedores da região.

Pior foi a viagem até Porto Alegre em que compartilhei a dureza do jipe Candango, opção do pai nacionalista, que tinha cansado de Fords e Austins e resolvera abraçar a causa da tração das quatro rodas do veículo feito a martelo sem design convincente, mas que se tornou a marca registrada da sua passagem pela cidade rumo aos peixes das redondezas. Em cima do candango ele punha o barco de fibra de vidro com motor de cinco cavalos, ideal para navegar em arroios cheios de surubis e dourados. Claro que havia também os cascudos e grumatãs, estes com gosto de barro, mas o objetivo era o chamado peixe nobre. Rodelas de dourado eram fritos na beira do rio e disputávamos com moscas varejeiras o privilégio de abocanhar o quitute acompanhado de cerveja geladíssima na caixa de isopor.

Gosto de contar a história do meu irmão que herdou o Candango e se aventurou até Florianópolis num dia chuvoso, em que existia apenas uma faixa central transitável, já que as margens da carretera estavam tomadas pelo barro. Um fusqueta invasivo tentava ultrapassá-lo em vão, pois era impossível chafurdar no lodaçal só para deixar passar o indigitado. Ao perder a paciência, meu irmão puxou o facão de três listras (assim mesmo, com erre no meio, como se diz por lá) debaixo do banco e sacudiu no ar para deixar claro suas más intenções contra o assédio. O fusca sumiu no horizonte e só reapareceu timidamente logo depois, quando a estrada melhorou de humor. Meu irmão então sacou de novo a peixeira e com ela fez sinal para que passasse, o que foi obedecido de maneira ressabiada, já que o automovelzinho resfolegava bem no cantinho do acostamento, como um cachorro com medo de surra.

Mas nada se compara a uma epopéia memorável que fiz com minha irmã e cunhado, este um alemão gigantesco e apaixonado pelo pior carro do mundo para enfrentar o barro da carretera: a kombi. Foi quando aprendi o que eram correntes de pneus. Eles pôs o capote de ferro na borracha para evitar atolamentos, mas como não cabia na tala, já que era de outro tamanho, a toda hora escapava. Vá ver a corrente, me dizia ele. E eu não sabia do que se tratava. Foi quando ficou consolidada minha imagem anti-pragmática, que me persegue injustamente até hoje, já que provei minha capacidade de dar três marteladas seguidas sem bater no dedo.

Levamos dias para cruzar o Rio Grande do Sul até chegarmos no Norte do Paraná, onde ficamos um dia inteiro esperando que o carro fosse consertado. Ao nos aproximar de Goio Erê, perto de Campo Mourão, cruzando a mata num lugar que hoje só tem pasto, um veado cruzou a estrada. Ao que o gringo imediatamente parou para puxar uma pistola. Mas era só pose de caçador amador. O bicho, assim como surgiu no clarão do farol, sumiu.

Eram assim as histórias e criaturas do barro e da carretera, pertencentes ao Mundo Perdido, o Brasilzão profundo, onde fui criado, graças ao Pai Eterno que teve misericórdia de mim e não permitiu que eu crescesse nos dias de hoje, quando não há mais nada a não ser a tela do micro onde narramos nossa desventura.


RETORNO - Imagem desta edição: Manada, de Anderson Petroceli. Tudo o que o Anderson fotografa se torna inesquecível.

TOQUES DO DIA


Nei Duclós

Mistureba braba de frases hoje no Twitter e no Facebook, entre a poesia e o sarcasmo.

O corpo é a embalagem do ego e funciona como grife na indústria do espetáculo

Dívida de amor e carinho: pagamento só à vista

Não preciso de você, disse a rosa para o lagarto. Ninguém precisa de ninguém, disse o lagarto. O amor é uma divindade que se basta

Não vamos subestimar a percepção alheia. Estamos escancarados para todos e ocultos apenas para nós

Sussurro é desnecessário quando a mão afasta o cálice. O gesto é a linguagem por excelência

O adeus não precisa de marketing. Fala por si

Se você não sabe nada de determinado assunto invente que é preciso lançar um novo "olhar" sobre ele. Pega bem. Cobre caro

Vamos comemorar o centenário da pauta "as companhias têm hoje maior participação feminina em cargos de diretoria e alta gerência"

Sentir inveja parece que dá status. Mostra que o invejoso tem poder sobre o invejado e que sua escolha, pela exclusão, é um triunfo pessoal

É tocante como as pessoas escolhem a inveja como reação prioritária e não sentem a minima vergonha, como se pecado capital fosse virtude

Acabo de passar mangueira no meu carro, coberto de cinzas do vulcão chileno. Não bastasse o governo

Respeito vem da grana ou da força. Sem recursos nem arma, rosnar não é civilizado. Resta sugerir alguma ameaça para evitar que metam a mão

O twitter será dominado pelos advogados de porta de reply. Processarão todos os avatares. Aprisionarão favoritos. Desmontarão DMs

O Twitter inchou, está impossível: RTs não funcionam, muita baleia, tuits dão erro. Está virando uma estatal

Mensagem pessoal não respondida é como caixa de jóias deixada na chuva

Gentileza pode ser encarada como fraqueza e servir de isca para a barbárie. O que gera gentileza é o respeito às leis

Gênio é gênio, não genial

Nesta época em que o verdadeiro poder (a indústria financeira) fica nas sombras manipulando títeres, não existem mais plenipotenciários

Profeta americano diz que mundo acaba nesta sexta-feira. Ok, pode voltar para casa. Ela te perdoou, cara. Não é o fim do mundo

Daqui a pouco vão estender a meia entrada para todo o mundo e inflacioná-la ao nível da entrada inteira

Um dos sinais mais explícitos da falta de respeito é o toque físico: mão na cabeça, tapinha nas costas, cutucão no braço. Aponte a canela

Cinza de vulcão na ilha: carga pesada de detritos tóxicos, cheiro ruim, garganta e peito afetados.Não sabia que tinha me mudado para Pompéia


RETORNO - Imagem desta edição: tirei daqui.

20 de outubro de 2011

MEU STAND UP NO TWITTER


Nei Duclós

Fuzil de repetição é melhor do que metralhadora giratória. Esta, varre a esmo enquanto o fuzil insiste em determinado ponto e vai até conseguir alguma coisa. Estou falando das frases que postei no Twitter. É o meu stand up do dia.

Sabíamos que certos hotéis são um lixo, mas não hospitalar

Entre em forma para o verão. Adiante o relógio biológico em uma hora

Dinheiro é via de mão dupla. Humilha quando falta e quando sobra

Provas contra a corrupção é como degustação de vinho: o corrupto bochecha e cospe

Quem não puder assistar os jogos da Copa, ainda tem a alternativa de ir para Orlando

Hai Cai é quando os versos se esborracham. Hai ku é quando eles sentam.

Ganhamos ouro inédito no tiro. Não era sem tempo

Rouba mas faz...que não rouba

Humor inteligente erra tudo de propósito em teste de QI

Following é o up-grade não autorizado de ipods nigerianos

Followers são doces belgas vendidos a 1,99 em praças de alimentação fake de Chinatown

RTs são carregadores de móveis que procuram alternativas aos engarrafamentos

Tuits são pios desesperados de espécies de aves em extinção

Pendrive é o rotary club dos bits

Microcontos que buscam o estrelato reunem-se em podcasts

Banda larga é um conjunto só de bumbos tocados por gordos

Ele não ficou vaidoso enquanto não recebeu uma nota pelos elogio

Salario era uma porção de sal que os soldados condenados pela guerra recebiam para não apodrecer a carne que levavam

Emprego era uma humilhação sofrida antigamente pelos patrões, obrigados a remunerar pessoas de outras famílias

Estar satisfeita com as explicações é assim como uma exoneração

Rua Oscar Freira é desvio de conduta

Shakira é xícara que chacoalha

Marcas notórias: Café Só Aroma, já vem tomado; Vai Muito da Pessoa Bar, com som ao vivo; Arrogância Modas, só pra zelite

Nissei é japonês que não sabe. Sansei é aquele que sabe. Jersei é dono de malharia

Assim como o homem não descendeu do macaco, o português não veio do espanhol. Em ambos os casos, são rebentos diferentes de uma origem comum

Não vou fingir inocência. Ela é sincera

Como não há nada para ler, escrevemos nossas próprias hard news. Onde pus o isqueiro?

Livros não tem importância. Assim como almoços


Existem menos gerações do que livros sobre a própria geração

Esqueci que eu tinha lido jornais hoje

Com o fim do jornalismo, as memórias dos veteranos serão maiores do que as matérias publicadas

Tudo o que te tomam apodrece nas mãos deles

"Mas você ficou quieto, não reagiu? Ah, se fosse eu". No Brasil não basta ser macho, tem que ser professor de Macho

Gaste seu latim convencendo que você acredita no que as pessoas dão a vida por aquilo e depois vá ver desenho na TV

As pessoas só se convencem se você for incisivo em defender o que elas acreditam e você não dá a mínima

Decisões: Sabe o que vou fazer? Nada. Sabe de uma coisa? Nem eu. Sabe lá o que é isso? Lá, aonde?

Quem tem dinheiro aplicado não consegue ter visão clara do que está acontecendo. Sempre vai ver uma saída dentro do esquema que o remunera

Pelé é Rei. O resto joga em sua homenagem

Implico com "tributos" a ídolos. Como se fosse necessário pagar algum imposto pela admiração

Messi disse que nunca viu Pelé jogar. Melhor assim. Evita humilhação

Se é cópia, como pode ser original?

Se começarem a falar muito sobre a importância da inteligência não tenha dúvida: seremos excluídos. Há sempre uma nova forma de gerar status


RETORNO - Imagem desta edição: Charles Chaplin e Douglas Fairbanks divertem a multidão em Nova York

19 de outubro de 2011

CAIO F: CARTA DE UMA DATA ADIVINHADA


Nei Duclós

Da solidão à epifania, esta carta que Caio escreveu para mim em data incerta, mas determinada (vejam por que logo no início) percorre as dificuldades que enfrentávamos na época, como desemprego, projetos frustrados, amores que se esvaziam, relacionamentos que acabam, dor de cabeça que não passa. Começa mostrando como se fazia nos anos 70: ia-se pessoalmente à redação levar o texto para ser publicado. Não tinha essa moleza de e-mail . E não era um lugar qualquer, mas na mais profunda Marginal do Tietê,na redação da Veja. Ia-se a pé, ou seja, de ônibus. Assim vivíamos naquele tempo heróico. Caio mostra com todas as letras o que se passava na época, dando continuidade a esta série de cartas perdidas que já é um cult entre antigos e novos admiradores. Destaque para a história ótima com Mario Quintana

Porto, acho que 23.11.77

Nei,

tanto silêncio meu que, eu sei, pode ter soado a desamor. Não foi não, só um acúmulo de coisas internas e externas, lançamento de livro, insegurança, medos, bodes & bodes que não vale a pena enumerar. Mas hoje pensei forte em você porque fui na sucursal da Veja levar – depois de muita marcação – uma resenha que o Humberto Werneck tinha pedido sobre “A Vaca e o Hipogrifo”, do Mario Quintana – e que eu abri cotando aqueles versos seus, o dinossauro, a borboleta, é incrível como ele dinossaureia e borboleteia nos textos. Depois levei na Folha a minha página de quinta, estou só com duas páginas, agora uma às segundas, outras às quintas, sobre o que eu quiser, depois fui no psiquiatra e saí tão desantenado (demônios novos na roda...) que não suportei sequer a idéia de tomar um ônibus na Praça XV e voltar pra casa.

Daí fui ver um filme qualquer, meu deus, uma pornochanchada grossíssima, “Gente Fina é Outra Coisa”, do Calmon, que já fez coisa boa, e saí mais desantenado ainda e na rua tava uma puta agitação com a história de terremoto no interior. Só li as manchetes, meio apavorado, apocalíptico demais, acabei enfrentando a Praça XV, a casa vazia, eu e Tigra, ,cozinhei, lavei pratos e panelas, fiz um chá de cidró-hortelã-funcho colhidos no quintal, que to tomando agora, dez e meia da noite e uma pontada do lado esquerdo da cabeça, que não me larga faz dias.

E eu tava no meio da comida quando me dei conta que tinha começado a chorar e a repetir meio dementemente “tudo-faz-tanto-tempo-tudo-faz-tanto-tempo”, talvez em parte um efeito colateral da matéria enorme sobre o Tropicalismo que li ontem em parte uma sensação presente, cada vez mais, e mais constante, de qualquer coisa como estar-ficando-velho, ou já ter atrás de mim uma história dessas com agá mesmo. E uma solidão muito grande. E uma sede. E uma vontade de ir embora, obsessiva, esgotante. E uma falta de coragem. E um desgosto com a cidade semi-destruída, com as pessoas esvaziadas e semi-destruídas também (e eu nem sequer me excluo disso).

Me olho no espelho e vejo uma cara endurecendo dia a dia, uma falta de espanto nos olhos. Não faço nada. Um dia engendra o outro, sem alegria, desde que voltei. E quando andei por aí parecia tudo tão novo, me veio outra vez uma curiosidade pelo mundo, um carinho pelas pessoas, uma vontade de continuar vivo, de lutar, de seguir. As águas estagnadas de escorpião deste porto parecem fazer dueto com o zero grau do meu escorpião ascendente. Meu deus (há poucos dias fiz uma grande descoberta: deus está na clínica), quanta queixa sem ponto de exclamação. Por isso também tava evitando escrever, porque sabia que a torneira ia abrir e jorrar água barrenta.

Me conta de você, Ida, de Daniel e Ju Jaegger, das batalhas pela nova casa (espero que ainda esteja aí na antiga, senão essa carta vai se perder). Vocês foram tão bonitos comigo quando estive aí, não agradeci porque sou sem jeito pressas coisas, mas tinha um agradecimento implícito que acho que foi percebido. Olha, se eu continuar escrevendo, vou continuar me queixando, então vou te mandar este poema do César Vallejo, que eu gosto muito. Lá vai:

ESPERGESIA
Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.

Todos saben que vivo,
que soy malo; y no saben
del diciembre de ese enero.
Pues yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.

Hay un vacío
en mi aire metafísico
que nadie ha de palpar:
el claustro de un silencio
que habló a flor de fuego.

Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.

Hermano, escucha, escucha...
Bueno. Y que no me vaya
sin llevar diciembres,
sin dejar eneros.
Pues yo nací un día
que Dios estuvo enfermo.

Todos saben que vivo,
que mastico... y no saben
por qué en mi verso chirrían,
oscuro sinsabor de ferétro,
luyidos vientos
desenroscados de la Esfinge
preguntona del Desierto.

Todos saben... Y no saben
que la Luz es tísica,
y la Sombra gorda...
Y no saben que el misterio sintetiza...
que él es la joroba
musical y triste que a distancia denuncia
el paso meridiano de las lindes a las Lindes.

Yo nací un día
que Dios estuvo enfermo,
grave.

Uma força grande pro vestibular da Ida.
Agradeça por mim ao Moacir Amâncio a publicação da entrevista, e diga que to esperando a Estação dos Confundidos. Falar nisso, pedi ao Mangarielo que te levasse um exemplar das Pedras. Levou? Se não levou, dede ele pra mim.
A pontada na cabeça continua. Não consigo parar de escrever. Ocê me agüenta mais algumas laudas? Podia ser assim:
Yo naci um dia
que Dios estuve loco,
despelotado

Produzindo (é a palavra) as páginas pra Folha, veio um lado bom – não-ir à redação – e um lado mau, me esgotar pra parir textos imbecis praquele jornal imbecil. Veja só: fui escrever mau e escrevi meu : lapso freudiano, típico.
Sandra e Gui chegam, semi-demolidos, foram assistir “Face to Face”...

Às vezes tenho vontade de dormir até 1º de janeiro de 1978. Andei tão mas tão paranóico que parei de fumar e de beber. Fiquei inteiramente careta. A última vez que fumei, me deu um nervoso tal que mudei de lugar todos os moveis do quarto e fiz uma puta faxina: eram cinco da matina quando terminei. O que eu diria dessa coisa que não dá mais pé? Nada: em boca fechada não entra mosca. El Zwetsch mandou o “Vício da Palavra”, que distribuí por aqui, preciso escrever a ele, pero no hay saco, fiquei coma puta rejeição do livro- guardei um exemplar pra mim sem conseguir ler nada.

Aristides Klafke passou por aqui, ficou uns dias aqui em casa, foi bom, uma cuca nova! acho que sou meio vampiro de cucas, depois se mandou pra Montevidéu pra ver dois amigos. Sábado chegou um cartão dele: os dois amigos estão presos há três meses, sem perspectiva de serem soltos...Soube pelo Julio que ocê teve no Rio, pro lançamento do Torpalium. Ele vezenquando escreve cartas dementíssimas, ótimas, e eu fico pensando que podia ter sido diferente, se ele não fosse assim como é e se eu não fosse assim como sou, estás a ver que já parto de uma premissa impossível. Mas.

Pifa voltou de Vitória pra pegar no meu pé. Vai ficar aqui até o fim deste mês. Transei um pouco, depois destransei, cansei, bodiei. Detesto a sensação de “ter compromisso” com alguém. Mas a solidão rói, dói, mói, como diz a Lara de lemos. Estou tentando me organizar para ir embora: decidi (teoricamente, até agora) dar uma injeção de adrenalina na minha Caderneta de Poupança (por enquanto tenho 50 pilas!), mas sofro ataques cotidianos fortíssimos de bundamolismo. Magliani voltou triste. Bem, Magliani é triste, mas voltou mais ainda, dizendo que a barra do desemprego tá pesada . Me cansei, desisti, se há sorte? eu não sei, nunca vi. Vontade de ver um filme de vampiro. Você tem a “Vaca e o Hipogrifo?” Se não tem diz,que te mando. O Mario Quintana lá pelas tantas diz que adora filme de vampiro. Quando eu tava autografando as “Pedras” ele entrou na fila para apanhar um autógrafo. Eu abanei o rabo de puro contentamento, e disse: “O título do livro é de um poema seu”. Ele agitou as asas de borboleta, fixou em mim os olhos de dinossauro e soltou: “Eu sei. Foi só porisso que comprei”. Achei marioquintanamente ótimo.

Você tem alguma receita pra gente mudar de vida? E pra tomar decisões? E para mudar de personalidade? E para flagrar-se? E para pagar o karma em suaves prestações? E pra desorientação aguda, você tem? Se tiver, me passa que eu preciso. Se não tiver, me escreve e me dá um corte. Vontade, também, de tomar uma Brahma contigo e ouvir Carmélia Alves. Anyway, um beijo. Segura as pontas daí que eu seguro as daqui. E não se preocupe: Deus estaria conosco até o pescoço, se não estivesse na divisão Melanie Klein.
Te gosto.
Sempre. Caio

RETORNO – 1. A foto maior, de Caio, é de autoria de Juarez Fonseca, meu maior incentivador no início da carreira, pessoa fundamental da agitação cultural no sul e do jornalismo cultural brasileiro 2. Mario Quintana: gosto de contar a história desse poema que fiz para ele e que contém forte dose de Caio, que trabalhava conosco a edição do meu livro de estréia Outubro. O poema é este: Olhem o antípoda/ olhem o animal da palavra/ É um dinossauro na cidade de vidro/ borboleta branca na floresta queimada/ Respeitem seu andar/ e desconfiem com temor/ de sua conversa fiada/ Ele é o flagelo do Senhor/ e vocês não sabem”. De que se trata? perguntou Caio. É para o Mario Quintana, falei. Mas então por que você não põe o nome dele no título,para ficar claro?. 3. Pedras é Pedras de Calcutá; O ovo, O Ovo Apunhalado 3. Na borda da lauda, um recado a caneta: “Teu aniversário passou: eu não esqueci: Parabems" (com o m imitando o símbolo de escorpião).

JACK O MARUJO NA ILHA DE SUMATRA



Nei Duclós


"I´m at ilha Sumatra" (Jack o Marujo)

"Corsários sequestraram irlandeses here in Sumatra. Negociei com minha carga de rum. Agora só bebo chá de losna. Jack ( via pombo correio)

Pombo correio chegou com a perna quebrada, disse o Grumete. É um recado de Jack, disse o Imediato. Ele tomou Sumatra!

A caixa postal do pombo correio está lotada, disse o Grumete. Maldita geve! disse Jack o Marujo. Demorou demais

Aquele navio está nos seguindo,disse o Imediato. Vamos retuitá-lo para disfarçar e depois pô-lo a pique, disse Jack o Marujo mirando a proa

Foi bem lá em Sumatra? perguntou o Almirante. Sim, disse Jack o Marujo, aproveitei as manifestações para saquear alguns bancos

Por onde o Sr. passa deixa um coração partido, disse a viajante. São elas que escolhem, disse Jack o Marujo

Belo dia de verão. Vamos atracar? perguntou o Imediato. Já atracamos, disse Jack o Marujo. Há uma hora

Fez uma longa viagem, precisa descansar, disse a Sereia. Só durmo se o amor ficar de guarda, disse Jack o Marujo

Liberei o barco, disse Jack o Marujo. Enquadrei o fiscal. Inventei a prancha a domicílio


CARTAS NA GAVETA

O que faço com cartas antigas que estão lotando gavetas? disse a Sereia. Nenhuma era para mim, disse Jack o Marujo. Eu ainda não te conhecia

Vocês estão acordados há muito tempo? perguntou o Imediato para o capitão e Sereia. O amor começa cedo, disse Jack o Marujo

Achei que aquele enxame de abelhas iria pousar no barco, disse a Sereia, abraçando o capitão. Já temos mel suficiente, disse Jack o Marujo

Deixei o uniforme tinindo para o sr. usar na cerimônia amanhã, disse a Sereia. Obrigado, disse Jack o Marujo. A Pátria precisa de elegância

Deu meia noite, capitão, disse a sereia. Hora de zarpar, disse Jack o Marujo. Vou contratar o vento

A sucessão dos dias fazem sentido para o sr.? perguntou o sacerdote. Nenhum, desde que escoltei o amor até o exílio, disse Jack o Marujo

Se eu for embora o que pretende fazer, capitão? Legião Estrangeira, disse Jack o Marujo. Só o deserto seca um coração ferido

Vou matá-los desta vez! gritou Jack o Marujo na alvorada. Calma, foi só um pesadelo, disse a Sereia. Vou matá-los igual, disse o capitão

Hoje tem Lua, disse a Sereia. Sim, disse Jack o Marujo. Só notei agora, quando ela se aproximou de ti

Onde você estava? perguntou, aflita, a Sereia. Se um dia provarem que te abandonei, tenha certeza que Deus mentiu, disse Jack o Marujo

Domingo é dia de promessa, disse a Sereia. Peço pelo amor, que não me esqueça, disse Jack o Marujo

A noite nublada tinha um clarão estranho. É você, Lua? perguntei, sem obter resposta. Estava em reunião, negociando tempo firme, talvez

Os poetas estão em greve! gritou o Grumete. Não vai durar, disse Jack o Marujo. Ninguém vai correr o risco de ter sereia brava no alto mar


NA LATA

São seus olhos, disse a suspirosa. Não, são suas curvas, disse Jack o Marujo

O que você faz o dia inteiro em frente ao micro? perguntou o papagaio.Não estou em frente ao micro, mas em frente a pessoas, disse o Grumete

Hoje é sexta-feira, disse o Grumete. Preciso sair mais cedo. Não esqueça de levar a gentileza, disse Jack o Marujo.Precisa-se por toda parte

Achei que o Sr. fosse alguém, mas é um velho! disse o invasivo. Ande sobre a prancha que tem uma surpresa no final dela, disse Jack o Marujo

A idade deixa as pessoas rabugentas, disse a metida a interessante. Verdade, disse Jack o Marujo. Levamos a vida toda para nos livrar disso

Quero ser como o sr. quando chegar à sua idade, disse o invasivo. Talvez não chegues a lugar nenhum, disse Jack o Marujo alisando a garrucha

Estou com medo, disse o Grumete. A madrugada é sempre sinistra. Verdade, disse Jack o Marujo. Fique de prontidão. O escuro anda armado

Arruaceiros querem abordar o barco, disses, assustado, o Grumete. Deixa vir, disse Jack o Marujo. Eles estão implorando por uma guerra

Meu avô disse que o Tempo não existe, disse o garoto. Que é pura ilusão. É um sábio, disse Jack o Marujo. Sou ainda seu Imediato

Por que chamam a alta madrugada de manhã? perguntou o garoto. Sempre achei que manhã tinha sol. E tem, disse Jack o Marujo. Mas ainda dorme

Já passa da meia noite, avisou o fiscal.E daí? É o fim do mundo? Está ouvindo por acaso alguma trombeta do anjo? disse Jack o Marujo

RETORNO - Imagem desta edição: tirei daqui.

18 de outubro de 2011

O SARGENTO DA LEGIÃO ESTRANGEIRA E OUTROS TUITS


Nei Duclós

Amiga do Twitter, Bruna Mello, diz: “Dá vontade de dar um retweet no conjunto da obra do dia!!!! estou rindo semparar! kkkkk". Vou então reunir aqui no blog o que aprontei recentemente. Um pouco da canja frasística na grande mídia escancarada, autoral, e altamente explosiva. Há novidades seriais: o início nervoso do emprego, o horário de verão e o aparecimento, assim do nada, de um certo sargento da Legião Estrangeira.

Aqui é o pior deserto do mundo, disse o sargento da Legião Estrangeira para os recrutas. O mijo seca antes de você beber água

Jamais se separe do seu companheiro, disse o sargento da Legião Estrangeira para os recrutas. Ele sempre será uma alternativa para os lobos

Esse é o mosquetão, arma perigosa de um tiro só por vez, disse o sargento da Legião Estrangeira para os recrutas.Dá um coice de dez camelos

Não pense que é fácil trucidar o inimigo,disse o sargento da Legião Estrangeira para os recrutas.É preciso anos de experiência em vídeo-game

Recruta, vá buscar mantimentos, disse o sargento da Legião Estrangeira. E não deixe os gafanhotos torrar demais


HORÁRIO DE VERÃO


Ao adiantar uma hora,o horário de verão engoliu todos os participantes das mídias sociais,q estão presos no passado.Tirem-nos daqui, gritam

O bom do horário de verão é que economiza energia de 0 lâmpadas de parque de diversões do subúrbio de Cobrobó. Comprovado por estatísticas

Já tocou a trombeta? Por que? perguntou Deus para o anjo do Apocalipse. Disseram para eu adiantar uma hora, disse o subalterno

Horário de verão é quando chega a hora de dormir mal rompe a manhã

Se você continuar por mais cinco minutos aí no micro, amanhece

Tá bom, vou aceitar. Mas ninguém me tira da cabeça que são ainda e cinco

Ninguém cumpre horário no verão. Nem o horário, que chega uma hora antes

Você esqueceu de me buscar no aeroporto? Quando me dei conta, já era hora de você embarcar de novo

A madrugada passa rápido no horário de verão. Já é meia-noite, digo, cinco da manhã

Perdemos uma hora por hora

O horário de verão desmoraliza a meia noite

No horário de verão, basta sair para trabalhar que já é seis da tarde

Corte de luz programado previsto par voltar às cinco horas, informaram. Sorte que é horário de verão e passou rápido.

Vamos atracar? perguntou o Imediato. Já atracamos, disse Jack o Marujo. Há uma hora


INICIO NERVOSO NO EMPREGO


Início nervoso no emprego: Aqui somos uma família. Foder uns com os outros é incesto

Início nervoso no emprego: Saí do emprego anterior porque quis enfrentar novos desafios.Agora que estou aqui vou deixar essa bobagem de lado

Inicio nervoso no emprego: Boa tarde a todos. Vim aqui para somatizar

Inicio nervoso no emprego: Precisamos nos conhecer melhor. Fulano, lustre o meu sapato

Início nervoso no emprego: Vamos eliminar os cargos intermediários para cortar custos. Amante de diretor agora é terceirizada

Início nervoso no emprego: Sempre trabalhei em equipe. Eu mando e o resto obedece

Início nervoso no emprego: Gostaria que vocês me dissessem tudo o que está havendo. Preciso saber em primeira mão os resultados da mega-sena


PAU PURO

Muito prestigiado. Era um autor de trabalhos acanêmicos

Esquerda e direita são defeitos físicos que exigem denominação politicamente correta. Sugiro bombordo e estibordo

Muito importante: ministro conta como deixou a garagem aberta

Muito importante: Presidente desce do camelo em Swali e pede rigor na punião dos tuaregs do Azarquistão Meridional

Moralmente, a classe política brasileira é formada em grande quantidade por animais de pequeno porte

Vou abrir franquia para vocês e cobrar roialties. Mas,vejam lá,não vão se deixar apanhar, disse Ali Babá na cerimônia de posse dos 40 ladrões

Mas isso é anti-ético, excelência! Ora, é só um jogo. Fazemos isso por esporte

Assaltantes que agiam na Marginal Tietê são presos na Grande São Paulo. Nicho esgotou, donos precisam mudar para novo empreendimento

Clube do vinho vira negócio milionário. Só cheirar o bouquet custa uma nota

E se estiverem falando a verdade? pergunta o tuiteiro aparelhado. Consulte o Manual, diz o orientador. Lá ensina que toda verdade é mentira

E se nos pegarem roubando? perguntou o assessor. Meto-lhes um processo, respondeu a otoridade

Orlando Silva é um cantor de garagem

O sr. está preso. Foi flagrado roubando, diz o delegado. Se houvesse mais rigor com as ONGs não haveria isso, diz o suspeito.



DINHEIRO EM GREVE


Mas você mudou! me diz o sujeito que não me via há 40 anos. Impressão sua, digo.Sou o mesmo.Para velhos amigos sou representado pelo meu avô

'Rivaldo não é mais o mesmo'. Isso acontece quando atingimos a terceira idade. Mudamos muito

Liquidez imediata é venda de droga. Todo o resto é inadimplência

Atriz se apaixona pela câmara. Acontece. O melhor da vida é o inesperado, diz, abraçada às lentes

No futuro, quando as tartarugas multiplicadas ameaçarem a sobrevivência humana, nos defenderemos com golpes de capoeira

Bancários voltam ao trabalho hoje. O dinheiro continua em greve

Delegue tarefas para se dar bem no trabalho, diz portal. Peça para servirem um cafezinho, por exemplo

Existe coisa mais cretina do que encurtador de link? Por que os links já não vem curtos?

Se você não souber responder as questões o Steve Jobs vem te pegar

Pendrives devem ser ipods que dirigem canetas tinteiros

Abrace minha causa. Que daqui a pouco eu volto

Estar de bem com a vida é visitá-la aos domingos

"Ocupe Wall Street" completa º mês com US$ 300 mil em caixa. Isso rende uma nota na aplicação

O sr. tomou alguma providência para evitar que a inundação destruísse sua casa? Sim, passei o mouse mas não adiantou

Quando o narrador esportivo anuncia, pela milésima vez,que a jogada foi ensaiada,é p/ mostrar que conhece o trabalho do técnico como ninguém

O gesto é a linguagem do jogador. Repórter que obriga atleta, já sem fôlego, a atropelar falas, deveria ser punido com cem embaixadinhas

Olá amigo, há quantos tuits não te vejo

Sai da frente que dou um tuitaço, disse o peão para o capataz

Vou tuitá-lo, disse o subalterno para o gerente ameaçador


RETORNO - Imagem desta edição: O Gordo e o Magro em Dois Birutas na Legião Estrangeira.

PULO


Nei Duclós

Volta meu amor, deixe que role
a maledicência em seus costados
os ditos do Mal já fazem parte
do abraço amante e sua prole

Sentir é o limite do sagrado
gávea cega no quintal do forte
nascemos lá, entre lama e ódio
jogo mortal do humano território

Vida é a ressaca que se embola
no minuto seguinte ao gozo eterno
Sem essa solidão sofremos perda

Aprendemos na dor, funda retórica
porque assim fez-se Deus ao pé da letra
Pulo no abismo preso à sua glória



RETORNO - Imagem desta edição: Marilyn Monroe.Tirei daqui.

O ADEUS DO HUMOR CLÁSSICO


Nei Duclós

Fica feio cair na tentação do moralismo se formos comparar o humor clássico de José Vasconcelos, que morreu no dia 11 de outubro, aos 85 anos, com o do jovem Rafinha Bastos, que caiu em desgraça depois de uma sucessão de baixarias, culminando com a piada de maus gosto sobre mulher grávida dita ao vivo na televisão. Fica feio porque José Vasconcelos, que dominou a cena humorística nacional nos anos 50 e 60 com seu grande show Eu Sou o Espetáculo, não tem nada de naif, ingênuo ou de comportamento correto. Ao contrário. Sua graça é exatamente a transgressão, como prova seu deboche em O Locutor Gago, sob todos os aspectos um momento antológico da cultura pátria, em que ele imagina um narrador esportivo prejudicado na fala, como se diz hoje.

Fosse hoje, Vasconcelos não teria chances de mostrar essa sua performance, que arrancou urros de risadas de imensas platéias quando estava no auge. Aliás, era triste ver, ultimamente, o veterano humorista se apresentar em alguns programas de TV, onde era sempre bem recebido e homenageado, mas com aquela falsidade que coloca as pessoas no passado e de lá ninguém tira. Mas o que deve ser destacado é que o humor de Vasconcelos é uma arte em sua plenitude, cultivada no rádio, onde um só profissional podia fazer todas as vozes conhecidas, já que o mundo era uma soma de falas e não tanto de imagens, que estavam confinadas ao cinema e ainda engatinhavam na TV em preto e branco.

Ao contrário de Rafinha Bastos, que representa a má vontade dos egos inflados com o mundo em ruínas que o cerca, Vasconcelos era o auge de uma arte de grande importância no Brasil, a chamada anedota. O artista múltiplo transcendia a mera piada de salão ou escabrosa, pois sua obra foi capaz de mergulhar no espírito da época e fazê-la ascender. Chorávamos de rir com suas grandes e geniais cenas como a conhecida imitação de Ari Barroso, furioso com um calouro, o Sr. Chiado, que foi cantar um “sambinha”, exatamente a obra-prima Aquarela do Brasil.

Toda vez que vinha a piada reproduzida na rádio e nos sistemas de som das lojas de discos (já que seu show virou um LP de grande sucesso) todos riam como se escutassem pela a primeira vez. “Para burro só faltam as penas, Sr. Chiado. Mas burro não tem pena. Então não falta nada”. Hoje parece batido, como realmente foi, mas na época, no fragor do tempo presente, era um estrondo. Como as autoridades, os grandes artistas, atores de teatro e cinema, se manifestavam por suas vozes, mais do que por suas estampas, José Vaconcellos deitava e rolava sobre o mundo conhecido. Cada brasileiro era um contador de anedotas e não faltavam, nas rodas, as atrações do humorista maior.

Não queremos que Rafinha se comporte, mas que seja de fato engraçado. Tem gente que gosta, mas estamos longe de uma unanimidade nacional, como o grande artista que se foi e levou junto o tempo em que, impossível negar, éramos bem mais felizes. Tempo do Brasil soberano, de uma nação ainda inteira, e não repartida como hoje, em pedaços que não fazem mais sentido.


RETORNO - 1.Imagem de hoje: José Vasconcelos, no auge. 2. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana.

17 de outubro de 2011

FORJA


Nei Duclós

Poesia como ofício
cantochão com meio dia
jogral de corais avulsos
um refrão em carne viva
anjo lavado em cacimba
tecelã vem de visita
solidão pescada hoje
peças de companhia

Uma sesta de sonetos
uma tarde de elegias
mexilhão de verso arisco
epopéia na tardinha
happy hour de Leminski
Garcia Lorca e Cecília
comando Camões na lira
procissão Jorge de Lima

Termina tudo no riso
mestre com aprendizes
o poema fica pronto
para o desfile seguinte
verbo sem dobradiça
consoante em ferraria
cores vogais bailarinas
palavra beijando sílaba

Na praça com meteorito
artes de serpentina
recital de microfones
passeata até a esquina
tela ostentando brilho
jamegão na cartolina
Vulcano diante da forja
Vênus soprando brisa



RETORNO - Imagem desta edição: Venus na forja de Vulcano, de LeNain.

16 de outubro de 2011

DOR DE AMOR


Nei Duclós


Não quero que você sofra.
Só o sofrimento delicioso
do sentimento
que arrebata
e se derrama.

Mas tudo é ilusão
neste deserto.
O que nos salva
é o rescaldo
do que sentimos,
essas obras
tão fundas
que todos olham
e dizem: nossa,
como você conseguiu?

Ao que respondemos:
-Estive na guerra.
Abra aquele vinho



RETORNO - Imagem desta edição: Bacante, de William Adolphe Beaugereau

15 de outubro de 2011

POESIA NA NOITE ALTA



Nei Duclós

Morar é escolher um lugar para não ser nada

Você é alguma coisa da porta para fora. Dentro, nos misturamos aos alumínios

Somos irrreconhecíveis quando enfim saímos para o mundo. Onde estiveste? perguntam. Estava no quarfo de badulaques, dizemos

Os pássaros te avisam sobre o tempo transcorrido, mas não prestas atenção. Que horas são? perguntas. É tarde, dizem as árvores

O quintal é tão pequeno que há tempos não existe, mas você insiste em acordar da sesta e procurá-lo. No lugar dele, medrou um dinossauro

Cansamos dos mistérios e queremos uma taça de café mal rompe o dia. Ao nosso lado, no balcão, um casal de anjos

Reencontramos conhecidos mas eles estão desatentos.Sou eu,dizes para as paredes. E elas respondem, ostentando quadros de pintores esquecidos

No canto, todas as medalhas. Valeram pelo momento da outorga. Mas de tudo fica apenas um clarim,que um guarda moço sopra rodeado por sereias

Venha dormir, diz o Destino.Você finge que obedece.Mas na madrugada, abre a janela para o mar e lá está Deus, de rosto imóvel diante do luar

O que me dizes não me fala, diz o indiferente, embrulhado em celofane de prata. Mas teu papel é outro: pardo, desses que abrigam pães

Não serás lembrado, dizem todos. A não ser pelos beija-flores, que aprenderão a cantar com tuas palavras penduradas como estrelas

Chega! avisa o contra-mestre. Pegue sua mochila e suba a bordo. Antes, uma última olhada. As folhas secas vieram se despedir


RETORNO - Paris, França, foto de Daniel Duclós.

14 de outubro de 2011

SAGARANA 45: UM NOVO BANQUETE CULTURAL


Como é tradição aqui no Diário da Fonte, publicamos hoje a carta da redação da melhor revista cultural do mundo, a Sagarana, editada na Itália pelo escritor Julio Monteiro Martins. O número 45 (onze anos de revista), como sempre acontece a cada nova edição, está um assombro.

Caros amigos e amigas,

É com satisfação que anunciamos a presença on-line, a partir de hoje, do n° 45 da revista Sagarana – a edição que comemora o seu 11° aniversário – em língua italiana, no endereço telemático www.sagarana.net . Esta edição, dedicada à escritora “migrante” húngara-suíça Agota Kristof, falecida há pouco mais de um mês, apresenta três de seus contos e um trecho do seu romance Trilogia dela città K., com o título Campo minato.

Neste novo número publicamos diversos ensaios e artigos inéditos, I migliori tra di noi di Chris Hedges sobre os “indignados” e o movimento de ocupação de Wall Street; Sono Troy Davis e sono libero!, uma carta emocionante de um condenado a morte nos USA, além de ensaios recentes de Eli Pariser, Franco Moretti, Juan Goytisolo e de ensaios antológicos de Robert Musil e de Robert Walser, entre outros.

O Editorial desta edição, de Julio Monteiro Martins, La raccolta dela luce, propõe uma reflexão sobre o futuro da Itália, a gravidade das transformações das últimas décadas e a possibilidade de resgate e de mudança radical desta sociedade, inclusive na esfera cultural e literária. Em Narrativa temos a tradução inédita de um conto de Machado de Assis, Mariana, além de contos de Jack London, de Borges, o Incontro com la Hitlerjugend, de Marcello Venturi, Bahain, de Valerio Evangelisti e trechos de romances de Heirich Böll, Ascanio Celestini, Raffaele Taddeo, Jerzy Kosinski, além de uma passagem de um romance inédito na Itália, vencedor do Prêmio Pulitzer deste ano, Una visita dalla squadra dei picchiatori, de Jennifer Egan, com o título Objet Trouvé, numa tradução de Pina Piccolo, e aos textos já mencionados de Agota Kristof.

Em Poesia, uma tradução inédita de calendario lagunare, de Aimé Césaire, Parigi Ottobre 1936, de Cesar Vallejo, Tracce, do Prêmio Nobel de Literatura 2011 Tomas Tranströmer, uma poesia inédita di Kenneth Patchen e uma pequena antologia poética, La stella “op” organizada por Tomaso Pieragnolo e Rosa Gallitelli para este número de aniversário de Sagarana. Apresentamos também poesias inéditas de Ndue Ukaj, Hasan Atiya Al-Nassar, Jarmila Očkayová, Mia Lecomte, Božidar Stanišić, Omar Lara, Will Alexander e Carlos Barbarito. E temos ainda as poesias dos novíssimos autores presentes na seção Vento Nuovo.

Neste mesmo endereço telemático encontrarão a atualização da seção Il Direttore, com o conto Smafiamenti vari, de Julio Monteiro Martins. Esperamos que os ensaios, os contos, as poesias e os trechos de romances selecionados possam oferecer-lhes muitas horas de agradável leitura.

Cordialmente, A Redação de Sagarana.

RETORNO - Imagem desta edição: ilustração do artigo I migliori tra di noi, di Chris Hedges sobre os “indignados” e o movimento de ocupação de Wall Street

TRÓIA


Nei Duclós

O amor é eterno, o que morre
é o improviso melódico no fole
o pio que vira porre, o vocábulo
de luz mofando o protocolo

Perde-se a condução do espólio
batismo de água sem controle
palavras ocultas como Tróia
invadida pelo dom da traição

Fica a ressaca, ruga do fórceps
parto no pêndulo do relógio
Espécie de rebento em supernova

Dossel aos pedaços no depósito
cortinas que o coração dobra
fim da paixão, prisão no Pólo Norte


RETORNO - Imagem desta edição: A Procissão Do Cavalo De Tróia, De Giovanni Domeni.

OPINIÕES PÚBLICAS


Nei Duclós

Opinião é a argumentação alheia enquadrada como manifestação da vontade. O truque é simples: você desmonta as provas apresentadas pelo interlocutor do debate batizando-as de opinião, o que lhes tira completamente o valor. Sem força, elas não conseguem mais se impor. Podem, portanto, ser “respeitadas”, ou seja, desprezadas, pois se você realmente respeitasse a opinião alheia a adotaria. Ou, pelo menos, não exibiria esse ar triunfal de vencedor da conversa.

A essência do truque é confinar a argumentação alheia ao individualismo inconseqüente. Isolada, não pode fazer parte da opinião pública, que é o agrupamento de linguagens identificadas, em torno de objetivos comuns. Marcha contra a corrupção, por exemplo. São falas individuais que conseguiram se reunir em torno de metas e aparecem como um feixe forte de manifestação. Ainda está no começo e todos sabem disso, menos o Eduardo Suplicy, que é tanso, e tentou se apropriar do o movimento sem antes deixar que medrasse.

Nas Diretas-Já vimos como funciona. O movimento começou timidamente em Curitiba, por iniciativa de lideranças isoladas como a de Brizola e era mais a representação de uma pressão coletiva que procura uma brecha no sufoco da ditadura. Só depois quando tomou as praças é que apareceram Tancredo, FHC e tudo o mais, para fazerem as vezes de cereja do bolo e empalmar seus lucros. Conseguiram. Tancredo foi marcado pela tragédia, Brizola foi anulado mas FHC brilhou por dois mandatos. E o movimento ficou forrado de bandeiras com a foice e o martelo, como se aquilo fosse uma iniciativa socialista, quando era apenas fúria da massa pura e simples. Mas o aparelhamento prevê a indébita apropriação das insurreições.

O ser coletivo é uma soma de vetores da opinião pública (aqui opinião como soma compacta de percepções e argumentos consequentes, e não, como nos debates dispersos, voluntarismo) . Há diversidade como em qualquer manifestação humana. Nesta época de mídias sociais, ela consegue manter fóruns permanentes para agrupar as falas e fazê-las funcionar politicamente. Tanto o movimento anti-Wall Street quando as insurgências de massa do Oriente Médio ou a citada marcha contra a corrupção fazem parte desse novo rosto do ser coletivo, que é confundido como uma criatura digital. Não é. O meio apenas é a massagem mas não a mensagem. Serve como estímulo e nicho de confluências, mas a fonte não está aí.

O que pega é a percepção cada vez mais clara de que somos tungados pela falsa diversidade política, que é uma coisa só, e se agrupa em torno da indústria financeira internacional e seus laranjas nacionais. Proibiram bandeiras de partidos e figuras carimbadas nas passeatas e isso deverá permanecer como cânone se o movimento não quiser servir de massa de manobra para os raposões políticos. O problema é que o agrupamento de falas em forma de ser coletivo precisa de um passo adiante quando se consolidar, pois não pode compor o bolo e não usufruir quando ele estiver pronto.

Ainda é cedo, pelo menos no Brasil, quando as pessoas estão aos poucos conseguindo se livrar das falsas divisões de esquerda ou direita, de PTs ou tucanos, para dar o novo passo. O que deveria acontecer são os trend topics das mídias sociais em movimentos de massa com alguma repercussão prática. Não vejo como isso deverá virar realidade pois o país está dominado pelos facínoras, que são o crime organizado dentro das instituições, quando não totalmente no comando delas. Mas deve haver uma brecha nesse sistema aparentemente indestrutível.

E parece indestrutível porque funciona como a cidade mundéu de Os Sertões, de Euclides da Cunha, tantas vezes citado aqui. Você ataca a cidade e acaba enredada nela. Não consegue vencer. A luta exige fôlego, percepção clara, decisão contra as tradicionais armadilhas. Em Wall Street já estão baixando o sarrafo. No momento em que o movimento crescer aqui no Brasil, vai acontecer o mesmo. Aí veremos como é bom a democracia fajuta que eles nos impuseram. Será como a ditadura de sempre sem tirar nem por.

Não podemos esquecer a experiência do anarquismo, quando os movimentos de massa de insurgência anti exploração foram parar nas mãos de uma esquerda aparelhada. Foi tudo por água abaixo, claro. Isso não pode se repetir.


RETORNO - Imagem desta edição: tirei daqui.

13 de outubro de 2011

MAJESTADE


Nei Duclós

Parto, meu amor, deixo-te a rosa
colhida no ardor de uma campanha
missão de viver refém da cama
e paz do sabor que levo embora

Perdi a vez na valsa sem orquestra
ensaiada na última batalha
Rainha de um império que desanda
legião embalada no mistério

Fui apenas o ombro em tua pétala
o cisco no olhar da majestade
braço que amparou na tempestade
teu castelo varrido para a queda

Quebrou-se o encanto dessa história
quando voltaste recebida pela glória
o avanço da maré sobre o exército
confirmou o trono na miséria

Sou o último sopro rumo ao Leste
lá onde nasce o sol, luz que desvela
as vestes do destino, torre da sorte
no exílio do poema e da memória


RETORNO - Imagem desta edição: tirei daqui.

12 de outubro de 2011

INFÂNCIA DO MEU CORAÇÃO



Nei Duclós


Quando criança, queria tocar o céu com a mão.
Lembro como fiquei impressionado
quando me dei conta que as nuvens
não eram grudadas no forro azul do dia.

Perguntava qual era o mistério da Lua
que estava sempre visível,
por mais que sumíssimos
pela estrada afora.

De vez em quando, uma estrela
se desprendia do vestido da noite
e caía numa explosão muda de luz
por trás do colégio.

O rio era um só, mas ganhava
muitos batismos.
As corujas dormiam de dia
e ficavam postadas nos grossos moirões da cerca.

O tempo alisava o campo, como um vento
que a idade aprendeu a amar.
Hoje quando sinto a brisa, vento mulher,
pergunto: é você, musa, natureza?
Infância do meu coração.


RETORNO - Imagem destra edição: Desconfiado, foto de Anderson Petroceli

DESEJO


Nei Duclós

Bico durinho de seio
vibra no toque trêmulo
língua em redoma de cheiro
beijo que rompe o selo

Rosto ligado no peito
barba que roça o desmaio
curva repleta de dengue
tarde de labaredas

E dizer que ainda tem gente
que prefere a guerra ao recreio
trincheira nas vezes do leito

Nós pensamos diferente
eu sou mau, és uma deusa
quem poderá com o desejo?


RETORNO - Imagem desta edição: Brigitte Bardot

INDÚSTRIA FINANCEIRA, O VERDADEIRO INIMIGO


Nei Duclós

Com a ajuda da Rede Globo e do governo, a indústria financeira quer endividar todos os microempreendedores do Brasil. Já fizeram isso com os idosos. Lembram das propagandas para velho tirar empréstimo? Eu lembro. A idéia é tirar os microempreendedores da informalidade para jogá-los na inadimplência via credito facilitado impagável. O truque foi desmascarado na crise de 2008: gerar pacotes de créditos podres e especular como se fossem receita.

É assim que a indústria financeira faz: por meio da facilidade da expansão artificial dos meios de pagamento acaba prendendo todos na soga. Trata-se de uma chantagem, pois o objetivo é contaminar a economia real com a economia artificial especulativa,transformando a real em refém. Ao provocar a bancarrota geral com suas armadilhas, a especulação ameaça levar junto todo o sistema financeiro e os recursos da nação.

A partir daí então opera-se os salvamentos em rodízio (é a vez da Grécia, depois Portugal ou Italia, tanto faz), em que aumenta-se o endividamento e corta-se benefícios para que não haja obstáculos ao lucro. O esquema é garantido por uma vasta rede de apoio que inclui governos, universidades e midia, que também fica na mão da indústria financeira. O importante são os cargos federais da economia, como ministérios e bancos centrais (e até presidentes da República) e as lideranças nas instituições internacionais como o FMI. Essa rede multinacional impera.

O truque mais eficiente é convencer a opinião pública de que o esquema não existe e tudo é culpa das sociedades que gastam demais. Qualquer análise que contrarie esse cânone é chamada de teoria da conspiração. Mas foram longe demais e depois de tungarem em trilhões os cofres públicos das nações a indústria financeira volta a ameaçar. É por isso que surge um movimento de massa, apartidária e sem ideologias de esquerda ou direita para peitar poderes da indústria financeira

O sistema globalizado é uma rede de expropriação de recursos de populações inteiras, que perderam suas moedas nacionais e a auto-determinação. Chama-se ditadura e usa laranjas de qualquer ideologia para imperar. Não importa quem ocupa o Planalto, quem manda são eles. Com o fim das economias nacionais, perdeu-se a pista dos envididamentos, que hoje é um bolo só de recursos subservientes ao esquema. É por isso que "emprestamos" ao FMI, “zeramos” a dívida (que está quase dois trilhões, somando as dividas interna e externa) e fingimos socorrer países ricos. Somos apenas um dos guardiões da grana especulativa que roda o mundo e que não pertence ao país.

Com a pressão popular, governos e mídia começam a esboçar uma mudança de posição, mas estão envolvidos demais com a falcatrua. Atual estágio de revelação põe por terra a pseudoelegância de analistas econômicos tradicionais coniventes, de lápis na mão e rugas na testa. Como a economia é uma ciência humana complicada, estabeleceu-se o cânone da pose em oposição à obviedade do bom senso. Sabichões imperam. Não devemos temer o deboche de quem se acha especialista e vem pontificar suas arengas que há tempos fizeram água. Perderam, calem-se.

Um adendo importante: transformar todas as terras aráveis em território de insumos para a especulação é o maior crime ecológico da História. Chamam de sustenbilidade, ou seja, produzem “alimentos” com políticas de subsídios e falsidades ambientais.



RETORNO - Imagem desta edição: mobs em ação. Tirei daqui.

11 de outubro de 2011

PÓRTICO


Nei Duclós

Sinto falta de ti, musa do mal
que marcou o coração a ferro
Caio no porão da catedral
empurrão de anjo de trombeta

Sentimento em fase terminal
comete suicídio mas não berra
pinta o pórtico de cal
repele falsidade de profeta

Peço audiência ao maioral
tenho um recado das Aleutas
vim numa nave de metal
pouso na praça repleta

Encerro as chances do sinal
que trazes grudado na testa
Lavo com sangue e sal
os perigos que me cercam

Livre assim desse ritual
derroto a Hidra da Lerna
basta seres a vestal
que me brindam na colheita

Ganho a batalha campal
desato o inútil aperto
levo na garupa a serviçal
do amor que me completa



RETORNO - Imagem desta edição: Rapto das Sabinas, de Rubens.

O SÁBIO, O DEDO E AS ESTRELAS


Nei Duclós

Um dos lugares comuns da auto ajuda é chamar de idiota quem presta atenção no dedo do sábio quando este aponta as estrelas. O objetivo é provar que o alvo é o protagonista e não a flecha, que o conhecimento vale e não o método para se chegar a ele. Pois é exatamente o contrário. Não existe conteúdo (as estrelas) se não houver o dedo (a ferramenta) para apontá-las. Noto estudantes de literatura se preocupando com temas (a paz, o amor, a amizade, as flores) quando deixam de lado o fundamental, que é a palavra.

Uma formação universitária básica e séria, coluna mestra de qualquer nação que preste, ensina metodologia em vez de colecionar conteúdos. Uma escola deve ensinar a aprender e não a fritar hambúrguer para a ”atender o mercado”. Em São Paulo, soube que diminuíram a carga horária de português e matemática para colocar outras matérias. Sugeri que ensinassem Celebridades ou Domingão para que os estudantes se sintonizassem com a chamada “realidade”. Ou você aprende a ler, escrever e fazer contas ou será uma folha ao vento dos fatos e do conhecimento.

Isso diminui e aprofunda drasticamente o espectro do ensino. Se você foca o dedo (tabuada, gramática, leitura, escrita) as estrelas virão a reboque. Não precisa inventar 500 disciplinas para ficar girando em torno do Mesmo. Assim é na literatura. No lugar de o romancista estreante atacar o universo, sua geração ou a memória, ele poderá, fundado no que aprendeu, quebrar a estrutura narrativa com uma obra que saia do leito normal e palmilhe outros territórios (mesmo que se refira a obras anteriores que o inspiraram) . Quando Glauber Rocha, aos 22 anos, vendeu o Volks que ganhara da família para comprar uma câmara de filmar, ele procurou uma linguagem própria, mais do que um tratado sobre os assuntos.

Glauber era do ramo e sabia que toda ruptura precisa se reportar a uma tradição. No caso dele, artista de uma arte ainda emergente, o cinema, seus paradigmas eram de transgressão visual proporcionada pelos grandes mestres. Nele vemos Visconti (Barravento) Fellini e , Bergman (Deus e o Diabo) entre outros cruzamentos. Não se cria do nada. É como música: você compõe a melodia original usando as mesmas notas de sempre. Isso enterra a idéia de que a criação é invencionice, ou que o passado deve ser totalmente enterrado e que vivemos num eterno presente.

O tempo é uma mercadoria como as outras, nos ensina Guy Debord no seu clássico sobre a sociedade do espetáculo. Ou o desvinculamos do balcão ou seremos vítimas precoces da sua manipulação. Quando a cultura foi tirada dos redutos da educação em 1985, a criação caiu no colo do mercado do entretenimento. É o que vemos hoje, quando megashows milionários são cacifados por dinheiro público. E não adianta atacar os maganos e tubarões da política. Eles tem todos na mão para acusar os artistas de coniventes, mesmo que não sejam nada disso.

Ou se queima os navios e parte-se para uma perspectiva artística de verdade, fundada na ética humana, ou seremos todos culpados por existir escolas aos pedaços e macdonaldização educacional.


RETORNO - 1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: o monolito de 2001, Uma Odisséia no Espaço.

10 de outubro de 2011

FERA


Nei Duclós

Preciso tua pele no arrepio
ofício que exerço como bruto
penugem ondulada pelo frio
voragem em lugares úmidos

Teu corpo arrisca o exercício
coberto por lençol escasso
retoço arisco faz espuma
moldura digna de um palácio

Gozo na condução do grito
grude garantido na mistura
suspiro no ar da maravilha

Sou fera quando estás no jugo
espaço de amor e de conflito
agarro enquanto solto um urro



RETORNO - Imagem desta edição: Ava Gardner.

SONATA


Nei Duclós

Acordas toda vez que me aproximo
pressentindo o sopro da viagem
velas de partir que se anunciam
vigília no embarque do naufrágio

O barulho do adeus atiça a porta
joga sal na doçura que se forma
tempestade do mar ainda na corda
tocaia de rancor na outra margem

Preferes fingir que o corpo dorme
enquanto a maré alta tenta a sorte
és uma âncora, saudade feito carne

Perto da gávea ouvimos a sonata
do meu coração, som de virtuose
doloroso cais que enfim me solta


RETORNO - Imagem desta edição: cena de E la Nave Va, de Fellini.

9 de outubro de 2011

EXÍLIO


Nei Duclós

Fui expulso por ti, minha sereia
do mar, onde costuro a odisséia
No exílio componho a criatura
de barco ancorado numa estrela

A terra firme é o sonho do marujo
só quando decide o fim da lida
ser obrigado a abandonar a vida
nem amor paga o preço da loucura

Eu me submeto à ordem da rainha
timbrada em sóbrio pergaminho
e entregue no deserto por recrutas

Aguardo com a espada na bainha
e um pouco de ferrugem na garrucha
Mas a guerra é certa e serás minha


RETORNO - Imagem desta edição: tirei daqui.