26 de setembro de 2021

ENLACE

 Nei Duclós 


 Estendo os braços fingindo pegar alguma coisa Só que te abraço como quem não quer nada Noto que acusas o golpe e peço desculpas Mas me respondes com um beijo demorado Nunca sabemos quando funcionará a armadilha Se precisaremos fugir Ou deixar que aconteça Não é que você mereça perder o lance É que a mistura de chance e contingência Nos faz assim, amantes cheios de cuidados Ou serei só eu, tímido galante Homem antigo, antediluviano? Nei Duclós

QUINTAL

 Nei Duclós 


 Saio até o quintal para ver a primavera A realidade é cada vez mais distante do poema De mim, que queria mudar o mundo Aconteceu o contrário Muita pretensão mexer no já disposto Ascensão e queda, conforme as profecias Nossa filosofia Jamais entenderá Deus com seu verso e prosa Nei Duclós

VER

 Nei Duclós 


Enxergo com as mãos, elas me orientam Os olhos ajudam, mas estão presos A visões de outros mundos que se desfazem E mudam de lugar portas e janelas Continuo vendo com a memória A vida depende do balanço Bons momentos e o remorso Há quanto tempo não te vejo Há quanto tempo Nei Duclós

15 de setembro de 2021

CAPRICHO

 Nei Duclós 


Decidiste me amar

Sem motivo aparente

Talvez pelo que falo às paredes

Ou do que dizem de min

Sujeito de boa índole 

Ou talvez ainda pela estampa e o sorriso

Que não me custa um esforço 


Melhor investir em outro

Que não prometa tanto 

Alguém de confiança 

Fiel da balança

E não um artesão das letras e das rimas

Capaz de qualquer coisa

Menos de amar

Capricho dos deuses 

Quando fazem poesia 



14 de setembro de 2021

Não sei

 Nei Duclós 


Perguntam se vivo o que eu invento

Mil amores, sSituações de sentimento


Querem saber o que é real

O que é  republicano

Se herdo o saber ou consigo na marra


Não sei responder, minha bela

Acho que sonho o que me acontece

Inclusive tu, que em mim floresces

Naufrágio além da barra

13 de setembro de 2021

LOBO

 Nei Duclós 


Ando sozinho porque não sou de confiança 

Nenhuma conversa se anima a seguir-me

Nem mesmo quando fui criança 

Tive essa manha de viver em bandos 


Sou roupa branca de linho

Que ponho aos domingos que mão existem

Navio sem bandeira, redemoinho

Pego de primeira para fugir a tempo


Você tentou me salvar da sina

Preparou a cama para  um lobo bruto

Mas de uma janela pulei para o abismo


Por isso farejo todas as pistas 

Enquanto o sol doura tuas pernas

Em endereço desconhecido 


Não suporto companhia

Porque só de ti me tornei cativo



9 de setembro de 2021

JEAN-PAUL

Nei Duclós 


Todo artista força a barra 

Quer mudar tudo

Não se conforma com o mundo


Muitos conseguem romper o casulo

Rasgar o selo da gruta

Sair para a luz


Mas poucos tem a coragem

De enrolar a cabeça com dinamite

E explodi-la num filme insano  

Como fez Pierrot,  o Louco

Numa sessão antiga de matinê 


Poucos, não 

Só Jean-Paul 

Que hoje nos deixou


Corra, Belmondo 

Nesse road movie em preto e branco

E transborde colorido da tela 

Com teu carisma

Que ninguém imita

E  com aquele país

Que mora em nós 

A França que não se dobra


VERSOS NA AREIA

 Nei Duclós 


A palavra não tem lado

Obedece a quem dela se serve

 Mesmo no poema, 

que a tudo transcende,

mas vira cativo da ação imprudente


Anchieta escrevia na areia

Seis mil versos para a Virgem Maria

Só o mar lia


A poesia é o segredo

Da palavra que sobrevive


2 de setembro de 2021

BAGAGEM

 Nei Duclós 


Já vem vindo a primavera

E meu bem querer não cede


Boa noite, dona de mim

O que fazer com o sentimento?

Se ele está no mesmo lugar onde deixaste

Como um traste, bagagem sem serventia


O que fazer, além de poesia

sempre?