13 de junho de 2021

TREMOR

Nei Duclós


Quando falo contigo digo flor

Palavra escrita que sobrevive à tradição 


Flor  mantém o prumo do que sinto, amor 

É  perfume, sonho, tremor

Parece despetalar-se, só que não 

Verga sob um beijo, monta em fogo


Só falta voce existir

Para eu dizer: sou teu desde que nasci



PERDER

 Nei Duclós 


Amor é  medo de ficar sozinho

É perder

Porque esse é  o único caminho


Amor é ver 

O que não tem remédio 

Sair de si

Para encontrar-se dentro


Amor é  vento 

Que para de soprar 

Quando acaba o sentimento


E recomeça a dor 

De não ser inteiro



COMBOIO

 Nei Duclós 


O mundo anda e não te inclui

Moras na solidão vista de longe

Quando na estrada o carro passa

Com a janela aberta de um olhar perdido

Dirige-se ao destino remoto de viver

Fora do circuito onde habitas

Isolado réptil a fechar-se em copas


Bebes o amargo licor da saudade

A não ser que desças a tempo

E acenes decidido

A embarcar no comboio que evitaste por teimosia

A vida toda



FLOR MÍNIMA

 Nei Duclós


No espaço pequeno do jardim

Nos confins da grama perto do muro

Brota a microflor, roxa e austera

Com sua família, como pó que desce à  terra 


Dura dias até que o clima,  

sol ou chuva, ordena que desapareça 


Ninguém vê o desenlace 

Fato fátuo sem registro 

Que escapa ao olho mais ativo

E fica fora da paisagem oficial


Sabem dela os passarinhos

Permitindo que ela viva

Os insetos, múltiplos zumbidos

É é claro, a poesia 

Que de flor, tanto maior ou  mínima 

Dela se alimenta

Sem lhe fazer mal


11 de junho de 2021

ESFORÇO

 Nei Duclós  


Eu sabia que não podia

Mas tentei

Apostei numa surpresa do destino

Que não aconteceu


Quem me vê hoje deitado 

No exercício da fantasia

Não sabe o quanto chorei

E não devia



10 de junho de 2021

DEUSA ANTIGA

 Nei Duclós


Toda vida virou  pedra 

De inacessíveis  montanhas

Altares de deusa antiga

Quedas de  água infinita 


O que foi não adivinho

Desta arte incompreendida

O vento sopra ruídos 

Sagrada língua de enigmas


O que vejo eu imagino

Moro no mundo perdido 

Gigantes da terra lisa

Olham a perder de vista


A lua sabe de tudo 

Mas cai no mar  num mergulho 


TOQUE

 Nei Duclós 


Escondido na coberta, um toque misterioso na tua perna. Ficas quietinha. Faz de conta que é o inverno.


Prendam o poema, disse o tirano.  Ele invadiu o quarto da rainha!


Como consigo adivinhar teus pensamentos? Leio as notas dos duendes que te assediam.


Sei porque partiste. Me distraí por cinco minutos.


Pessoas muito bonitas pertencem a mundos paralelos que se encontram no infinito.


Não aceitaste o convite. Paciência, embarco hoje para Vênus.


Dez milhões de versos, nenhuma baixaria. O poema civiliza. Aprende contigo, maravilha.


É maroto esse truque do contato. Parece normal, mas é bizarro. Corpos conversam distraídos. De repente um olhar escorre o mel que tinhas esquecido.


Tudo o que disserem contra tua estima se esfuma no primeiro sorriso.


Deste as costas para o mal que perseguia. Foste plantar flor, peregrina. Depois voltaste, de vestido ao vento, cantando canções de primavera.



6 de junho de 2021

REPETIR

 Nei Duclós 


Repetir sem cansar

Até a ruptura

Quando o casulo desiste de fechar

Sair então no atropelo

Com asas ainda sem estrutura

Para voar


DIGO

 Nei Duclós 


Digo em  poesia

O que silencio

Dores guardadas

Amores brutos 


Quem me vê não adivinha

Só os que me escutam



CONVÉS

Nei Duclós 


O amor não é  tudo 

É só uma porção da noite 

No convés sob a lua

Onde pego tua mão 

E o coração  se incendeia

Levando o resto do corpo

Juntçźo

TENTAÇÃO

Nei Duclós 


Palavra como tentação  de ser dita 

Só pela superfície se expressa

A não ser que algum poeta

Revire suas águas profundas

E extrai  não o sentido

 sempre oculto

Mas a sonoridade, eco do ruflar de asas

Dos anjos