31 de outubro de 2019

ÂNCORA

Nei Duclós

Estávamos à deriva.
Quando nos encontramos eu lancei âncora.
Mas era alto mar
E continuaste à disposição dos ventos

Agora é cais
E me cobras posição
Não temos mais razão
Para aportar
Já me acostumei a te procurar
Em vão


27 de outubro de 2019

PERDIDO

Nei Duclós


Tantas vezes te perdi
Mudaste de identidade
Mas sempre foi o mesmo amor que desisti

Vai-te embora de mim disseste
Coração sem pouso cais submerso
Teto derrubado sítio sem cercas
Migrante no vento

Nada medra no teu áspero cultivo
Amante perdido sem memória



AMARRAS

Nei Duclós

É frágil o vinculo de qualquer matéria
Aço ferro ouro ou madeira
E nas amarras virtuais também se parte
O eterno amor ou o dom da arte

Tudo a morte iguala
Mesmo em vida decepção ou assombro
Existir é uma defecção sem norte
So se manifesta e por isso explode

Milhares de gerânios em tua janela
Enquanto eu for teu o mundo se move



CARIDADE

Nei Duclós


Tudo o que me falta eu reparto
Flor que não recebo
Beijo que me negam
Palavra que me escapa

De ti não quero nada
Amor que foi embora
Doçura hoje amarga



26 de outubro de 2019

FRONT BRUTO


Nei Duclós

Quebras quando chego ao limite
E me derramo, grama no granito
Rompendo o dique no risco da fronteira
Vocação amorosa que escolhe o crime
Volúpia de uma espera, flor que se demora

Não explico a fala que dói no entendimento
Peça socorro a quem te afastou, sorrindo
Enquanto eu ficava sério no front bruto e avesso



16 de outubro de 2019

LUGAR

Nei Duclós


Achei que aguentava
Que resistiria
O que é um amor
senão uma fantasia?

Mas me enganei
Fiquei onde estava
No lugar do adeus
Onde poderás achar
O que para sempre
Se perdeu



NÃO FAZ SENTIDO

Nei Duclós


Não faz sentido tanto desperdício
Por isso acredito no momento único
Tudo é simultâneo, virtude e vício
Ruas antigas cruzando edifícios
Avenidas em camadas, cidades nas nuvens
O tempo recriado em minutos paralelos
Convergindo para o mesmo núcleo

Onde existes e voltas para mim
Musa abraçada ao meu ofício



15 de outubro de 2019

SEM ARESTAS, A EXPOSIÇÃO 2


Ao longo de outubro de 2019 está exposta no Centro Cultural de Uruguaiana, RS, um trabalho feito a quatro mãos: fotos da artista plástica, escritora, poeta e fotógrafa Marga Cendón, com poemas meus feitos especialmente (com exceção de dois, já publicados em livros) para estas imagens. A seguir alguns exemplares da mostra. 


SUDOESTE

O sol se despede a sudoeste
Sob a bênção das águas e dos bichos
Acena, terminal, sem a fronteira
Que a terra impõe como destino

Ele mergulha em nuvens e pintura
No convênio entre a hora e a criatura
Pois se há um Deus Ele confessa
Sua vocação de artista e de poeta

Nei Duclós
Sobre foto de Marga Cendón
Da exposição SEM ARESTAS
NO Centro Cultural de Uruguaiana.




CAMPANHA 

O brete acompanha o campo
Perdizes ficam atentas
O medo aos solavancos
Atiça o voo rasteiro

Memórias marcam encontro
Antes que chegue a tormenta
A cerca divide o mundo
A solidão se concentra

Nei Duclós
Sobre foto de Marga Cendón
da exposição SEM ARESTAS
no Centro Cultural de Uruguaiana


SOSSEGO 

O quintal da casa é o Continente
Território próprio de São Pedro
O gado e a mata são extremos
Extensões do braço e do sossego

Não está perdida esta presença
No centro do mundo fica o ermo
Quem vive ali tem companhia
A obra do amor com a natureza

Nei Duclós
Sobre foto de Marga Cendón da Exposição SEM ARESTAS no Centro Cultural de Uruguaiana

SEM ARESTAS, A EXPOSIÇÃO 1


Ao longo de outubro de 2019 está exposta no Centro Cultural de Uruguaiana, RS, um trabalho feito a quatro mãos: fotos da artista plástica, escritora, poeta e fotógrafa Marga Cendón, com poemas meus feitos especialmente (com exceção de dois, já publicados em livros) para estas imagens. A seguir alguns exemplares da mostra. Segue no próximo post. 


ROMPANTE

Flor é penugem do campo
Amacia o rosto bruto
Parece água à distância
Diante do céu se maquia

Um outro cheiro cavalga
O dorso do pasto pobre
Cobre de luz a moldura
De uma paisagem sem nome

Fico perto porque assoma
Algo maior nestes ermos
Um rompante feminino
Na garupa de um perfume

Nei Duclós
Sobre foto de Marga Cendón
Da exposição SEM ARESTAS
No Centro Cultural de Uruguaiana.

Nei Duclós
Sobre foto de Marga Cendón da exposição SEM ARESTAS





QUERÊNCIA


Imenso, é a palavra do campo
Sem limites no seu corpo verde
Cabe nela o tesouro vasto
Feito de amor à primeira vista

Percorro sua luminosa especiaria
Querência, torrão de sentimento
Nenhum ouro vale tanta herança
Pertença por nascer em seus domínios
E morar em sua essência todo dia

Longe, como alguém que vai embora
Próxima para todos os instantes
Chego em ti quando respiro fundo
Sou tua voz que escuto em boa hora

Nei Duclós
Sobre foto de Marga Cendón da exposição SEM ARESTAS



BARCOS NA MARGEM nei

Não é preciso muito para a travessia
Remos ocultos no chão das chalanas
Dar as costas para a arquitetura

E esperar a noite, quando a ponte dorme
E sua sombra não reflete a lua
Cruzar no remanso a favor da correnteza
Levar no dorso o que a pesca desconfia

A margem do rio tarde se acostuma
Aos barcos imóveis imersos e duros
Mas eles escapam e cruzam a aduana
São ligeiros como piavas na linha

Nei Duclós
Sobre foto de Marga Cendón
Da exposição SEM ARESTAS
no Centro Cultural de Uruguaiana

14 de outubro de 2019

QUALQUER COISA

Nei Duclós


Qualquer coisa pode substituir um poema
Um encontro uma lembrança um emprego

Palavras sonoras não são necessárias
Versos estrofes sonetos
Essa é uma arte obsoleta

Exerço porque assim me expresso
Sonho de Arlequim dominando a cinza


POEMA SEM RETORNO

Nei Duclos


Arrisco a obra que de obra não tem nada
Já que não me cobra a majestade do espólio
E se oferece na feira sem os valores canônicos
Nem por isso deixa de ser o acervo que cultivo
Com o piso do mercado ou seja nada
Pois o poema está vivo e recusa o vicio
De ser um caso especial no mundo dominado por mendigos

O fato é que a poesia é como batida metáfora
Flor selvagem nascida nas fendas do martírio
Que medra livre ante os pontapés da fúria
Não por ter perfume mas por ser o que não morre
Composta do risco de criá-la em sacrifício
Sem dar retorno a não ser dizer que existo




ANTES DO VERBO

Nei Duclós


Antes de alguém escrever o Gênesis Deus não existia
Ele passou a Ser a partir do primeiro testemunho
Mesmo que o texto reporte os primeiros atos divinos
a existência de Deus não é retroativa

Deus disse faça-se a luz e a luz foi feita
Significa Deus só agora passa a existir
porque temos consciência disso pelo relato

O que era feito de Deus antes das primeiras linhas da Biblia?
Falar de deidades ancestrais não vale
São outros deuses
Não o Uno onisciente e onipotente

Terá ele poder sobre a literatura da sua origem?
Há controvérsias. Disso se aproveitam os ateus
E os poetas



8 de outubro de 2019

A VIAGEM DE AFRODITE


Nei Duclós



Vieste do mar a bordo de um naufrágio
E no cais de Nápoles oficiais te carregaram
Os homens de joelhos diante da tua beleza
As mulheres pediram flores do teu regaço

Foste conhecer os templos e monumentos
Que sustentam Veneza e Firenze
Ardias mais do que o sol da Sicília
Os príncipes duelaram até o ferimento

Mas partiste para paisagens nórdicas
De ombros cobertos e proteção na cabeça
Teus cabelos não mais esvoaçam em Roma e Milano
Teu ano sabático quase nos partiu ao meio

Estás voltando, deusa que o amor inventa
Na garupa de um poema que riscamos na bandeira
Desta nação que te ama e te pertence
Itália, que abraça a Deusa
E celebra tua cama ornada de ouro
No Olimpo eterno, nossa devoção sacrossanta