29 de abril de 2007

ESSA COISA DE LER




A leitura é uma ilha cercada de incompreensão por todos os lados. A biblioteca, pública ou privada, é o lar do leitor abandonado
(*)

Nei Duclós

O livro leva o leitor ao teatro, ao cinema, ao circo, e não o contrário. Se você arma o circo para incentivar a leitura, é mais provável que o circo saia ganhando. Quase toda a produção audiovisual de qualidade é produzida a partir de livros. É lugar comum dizer que a palavra escrita costuma superar a obra transformada em imagens, pois, na maioria dos casos, não há substituto para a relação entre a leitura e o autor. A não ser, claro, que Richard Brooks resolva filmar Lord Jim, de Joseph Conrad.

Também implico com o caminho suave de pegar pela mão a criança até a intensidade maior de uma biblioteca. Não que o ideal seja mergulhar à força o pimpolho nas páginas árduas de uma narrativa. Isso provoca o deserto, basta ver no Orkut a quantidade de comunidades dedicadas ao ódio a livros obrigatórios da escola. Mas há um equívoco primordial. Você não acostuma alguém a ler superficialidades para depois cobrar complexidades. É melhor apostar no taco do futuro leitor: ofereça um autor completo e deixe que as descobertas nasçam naturalmente, assim como aconteceu com você, lembra-se?

É claro que não se pode ter esperanças num livro publicado em corpo minúsculo de letra, o que o torna ilegível para qualquer idade. Ou sem margens, o que evita a sintonia entre a mão que segura o trabalho para o conforto dos olhos. As margens largas dos livros antigos tinham a função de nelas repousar o polegar, como lembrava sempre o editor de arte e escritor Reginaldo Fortuna, leitor assíduo do pai da imprensa, Gutenberg. A coleção de capa verde de Monteiro Lobato é o melhor exemplo: letras grandes, entrelinhamento razoável, margens confortáveis, papel amigável e um peso que sugeria uma longa relação de amizade, pois o livro deve oferecer em excesso o que se busca na parcimônia.

Trata-se de uma armadilha: o hábito da leitura depende dela mesma, e não de expedientes externos que tateiam uma forma de fazer chegar o cidadão até as páginas impressas (ou luminosas dos e-books do espaço virtual). Lobato fisgava o pequeno leitor com o Reino das Águas Claras, uma brasileiríssima solução para atrair, pela identificação, um país que ainda estava muito próximo da roça. E depois o levava a viagens intermináveis pela mitologia grega, a geografia e a história do mundo. Não oferecia uma historinha qualquer para ludibriar as crianças. O reino citado ficava no fundo de um ribeirão do pequeno sítio e lá se desenrolava uma saga extraordinária de mistérios. Narizinho não fazia parte da auto-ajuda, era uma garota crédula que foi desafiada na sua percepção e na sua viagem cresceu, assim como aconteceu com os seus leitores. Mas essa é uma lição pouco adotada. Prefere-se cevar a historieta para depois estranhar que não leiam Shakespeare.

A leitura é uma ilha cercada de incompreensão por todos os lados. Você chega numa livraria e despencam trabalhos de luxos, com capas apelativas, sobre assuntos aparentemente interessantes. Se a procura for por algum autor definitivo, como Tchecov ou Conrad, há uma espécie de pânico em quem atende (depende da livraria, mas na maioria dos casos é isso o que acontece). Quando a dificuldade cresce, você recebe o conselho: compre pela internet. Isso expulsa o leitor que busca o óbvio, as obras que deveriam estar ocupando o lugar das inutilidades expostas.

A biblioteca, pública ou privada, é o lar do leitor abandonado. Lá ele encontra o que procura. Precisa enfrentar alguns trâmites burocráticos, além de se submeter a prazos de entrega ou mesmo ao espaço físico que convivem com as estantes lotadas. O melhor é a biblioteca na sala ou no quarto, ou, quando há compulsão pelos livros, em todas as peças da casa. Toda vez que um livro importante consegue enfim prender nossa atenção, é comum perguntar-se o que estávamos fazendo que ainda não tínhamos lido aquilo. Mas essa sensação, infelizmente, passa. Há apelos demais na televisão e no computador que nos fazem abandonar a leitura.

A frase mais impressionante que ouvi ao oferecer um livro meu para alguém desconhecido, mas que me parecia um leitor em potencial, foi essa: "Não sou dessa coisa de ler". Eles têm olhos e não vê, tem pulmão e não respira, tem pernas e não anda. Não é dessa coisa de viver. Vegeta, para escândalo de quem ainda acredita que na leitura existe a chave para resolvermos todos os impasses.


RETORNO - 1. (*) Crônica publicada neste fim-de-semana no caderno Donna DC, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: foto de Marcelo Min, que tem a seguinte legenda: "Milton, 14, com fé e garrafa e fotos nas mãos. Milton mora em Santos com os pais, estuda, sabe ler, mas de tempos em tempos vem visitar seus amigos no centro de São Paulo, e passa uma temporada morando nas ruas".

27 de abril de 2007

FOGO NA QUINTA DA CARNE

O supermercado Rosa, aqui na praia de Ingleses, em Florianópolis, mudou recentemente de sede, abrindo espaço amplo e limpo, com preços razoáveis para uma praia considerada cara. Sempre vamos lá. Ou melhor, íamos. Ontem, quinta-feira, um rapaz de sobrenome Pacífico, de família tradicional de pescadores aqui da região, funcionário subalterno, entrou armado num dia especial da semana. Toda quinta-feira tem (ou melhor, tinha) ofertas ótimas no açougue, com preços bem abaixo da tabela. Juntava gente e se você retirasse a senha só seria atendido meia hora depois e às vezes mais. Mas valia a pena a espera.

Pois no meio da tarde, quando 120 pessoas se aglomeravam no supermercado, o rapaz ameaçou todo mundo, espalhou combustível no setor de limpeza e ateou fogo. Depois apareceu com uma bala na cabeça. A tragédia deixou 32 feridos, sendo cinco em estado grave. Coisa só vista na televisão, há espanto geral na vizinhança. O que aconteceu, meu Deus?

Talvez toda a verdade venha à tona a partir de hoje ou talvez nunca saberemos ao certo os motivos do jovem considerado brincalhão e avesso às drogas. Diz-se que estava por ser demitido ou teria sido já cortado do quadro de funcionários. O certo é que ele passava por período de insegurança no trabalho. A pesca, por aqui, como no resto do Brasil, entrou em franca decadência. O extrativismo secou suas fontes devido à especulação imobiliária, em muitos lugares pela poluição ou ainda pela concorrência de grandes barcos e empresas que levam todo o peixe. Ainda há a fase da tainha, em que os cardumes que passam nesta época do outono acabam sendo apanhado em quantidades cada vez menores pelos que ainda vivem da pesca.

Não é correto especular sobre tragédias, mas algumas situações ficam evidentes. Uma família que tradicionalmente vivia da pesca hoje depende da população que migrou para cá, tanto para morar quanto para passar a temporada ou alguns dias dos feriadões. Pode-se imaginar o impacto que esta parte antigamente tão reservada (fica bem no extremo norte da ilha, a 35 quilômetros do centro da cidade) sofre com a população de outros lugares que chegam com seus dinheiros, carros, consumo, algazarra, presença. Estou entre os que ficaram e aos poucos fui sendo assimilado ao dia a dia da vila, que hoje conta com umas 40 mil pessoas fixas (na temporada vai para 300 mil).

Supermercado cheio de todos os produtos, gente comprando sem parar, e no outro lado da corda um salário pequeno, sofrível, insuficiente. Nada justifica a violência nem o gesto desesperado e suicida do rapaz. Mas a falta de planejamento urbano, de políticas públicas decentes, o que deixa populações inteiras à mercê de um mercado oscilante e muitas vezes predatório, são fontes e insegurança, pânico e violência. Os ilhéus são desconfiados por natureza, mesmo sendo cordiais a maior parte do tempo. Há um encanto em morar aqui, pois o hábito do convívio mostra a nós, adventícios, que apesar de inúmeras dificuldades, ainda resta aqui um espírito coletivo comunitário, em que as pessoas se identificam e, dependendo dos casos, te aceitam.

Mas há o conflito natural de um pequeno lugar que atrai gente de lugares maiores. Se lá é tão rico e maravilhoso, o que eles vem fazer aqui? De onde tiram tanto dinheiro? Por que compram sem parar? Afora isso, o supermercado Rosa também atraía massas de pessoas locais, pois competia duramente nos preços em relação a outros supermercados menores. Costumávamos oscilar entre o Rosa e outros pontos de venda, um pouco mais caros, mas mais confortáveis para comprar. O Rosa sempre estava apinhado de gente, especialmente nas quintas-feiras.

Hoje só existe os escombros do que foi um belo supermercado, que não pertence às grandes redes e se fez na ilha com competência e trabalho. Eu sentia um pouco de despreparo de alguns funcionários, mas no geral são muito gentis. Talvez não houvesse uma política eficaz de treinamento. Talvez isso tudo tenha ajudado a gerar ressentimento. Talvez, o que sabemos? A violência explode na vizinhança e ficamos de olhos parados e mãos amarradas. Você viu? O Rosa! Na quinta da carne!

RETORNO - Imagem de hoje: incêndio no Rosa, foto publicada no Diário Catarinense.

26 de abril de 2007

JORNALISMO CHAPA BRANCA

O jornalismo chapa branca cresceu e se multiplicou. Virou coisa fina. Hoje, o jornalista chapa branca diz que não vai permitir nenhum jornalismo chapa branca. É para esses jornalistas que dependem de salário (ha ha ha) aprenderem a respeitar a ética do Estado de Direito. Se os jornalistas resolverem ser chapa branca, ou seja, dar bandeira de que estão trabalhando para o governo no lugar onde estiverem, então cuidado. A caneta que libera um bilhão de reais por ano não vai ser condescendente com esses relapsos. É preciso prestar atenção ao puxar o saco. Basta que a puxação de saco vire reportagem, aí sim a coisa funciona.

Se você fizer uma denúncia e for condenado pela Justiça, não importa se sua defesa nem foi lida antes da sentença ser proferida favoravelmente ao chapa branca mor. Ele enfeixa hoje toda a credibilidade da ética do Estado do Direito, entende? Nem é preciso piscar para inocentá-lo das acusações. Ele é um cara que tinha a imagem excessivamente ligada ao monopólio, então deu uma passada rápida por outra rede para que sua imagem tomasse esse ar clean e ético tão necessário ao novo jornalismo chapa branca. E se você decidir fazer jornalismo mesmo, não dando bola para a cor da chapa, então ferrou. Você pode acabar indo abrir um restaurante ou se aposentar precocemente. Ou então o lugar onde você trabalha será transformado numa lanchonete.

É preciso respeitar o estado de Direito. Ele está sendo muito bem observado pelos guardiões da moral e dos bons costumes. O governo pode lamber as botas do Hugo Chávez como bem entender, baixar as calças para o Evo Morales, entregar de bandeja a Amazônia para os gringos. Se ele está garantindo um trilhão de dólares de lucros para os bancos no semestre, ele é confiável. Tão confiável que precisa de um super jornalista chapa branca, daqueles que falam com a boca mole e olham firmes e determinados para o nada.

Não seja implicante e vá sorvendo sua cervejinha no happy hour. Há uma limusine imaginária com chapa alva como a neve te esperando para levar para casa. Se você contrariar por ser um implicante, então você não é ético e não merece o estado de Direito. Eta povinho besta, como odeia a democracia que nós preparamos para ele. Vai entender. Temos uma constituição que faz água por todos os incisos, um judiciário que é um primor, uma elite política que não deixa margem para dúvidas, uma bandidagem eficiente e com pegada, uns banqueiros que são o fino, uns aventureiros do bem bom com sotaque de Massachussets. Para que mais?

O Brasil se levantará para tomar mais uma. É o que todos esperam.

23 de abril de 2007

UM CONTISTA NO LIMITE



Ricardo Peró Job apresenta seus personagens em várias situações limite: o velho que recebe uma indenização ao ser dispensado das suas funções na fazenda onde dedicou toda a vida; o produtor rural arruinado que encontra seu desfecho trágico num quarto sujo de hotel; o travesti apaixonado que se mata por desilusão amorosa; o guerreiro que poupa o inimigo porque este tinha a idade do seu filho, e acaba sendo vítima de sua própria decisão; entre outras situações, todas voltadas para o momento terminal de vidas endurecidas por uma lei oculta, que o autor não tenta decifrar, pois prefere reportá-la com a segurança dos escritores maduros.

A sereia do luminoso é um inventário dessa vida que reproduz, no espaço doméstico ou profissional, as grandes tragédias nacionais. É um livro trágico, que não abre mão da frieza do relato. A narrativa não lamenta a procissão funerária de elementos postos à margem do que é considerado normal. Prefere construir uma estante de fatos dolorosos, representados não só pelo perfil de existências jogadas no lixo, mas também pela disposição dos móveis, a descrição dos ambientes na cidade e no campo, as fachadas decadentes. As pessoas se defrontam com o Mal provocado em suas vidas e o impasse se reflete no abajur, no luminoso do cabaré, na festa corporativa. Tudo compõe uma não-sociedade, que não avança porque está travada em suas funções fundamentais, especialmente a de cumprir destinos.


Sem se iludir com o buraco onde estamos metidos, Ricardo prefere a lucidez pautada pela parcimônia. Nada explode em seus contos. Mesmo quando há suicídio ou despedida, as palavras que usa discorrem com solidez. É como se estivéssemos escutando um narrador veterano a contar causos que viu ou ouviu falar. Silenciamos, e deveríamos aguardar a água que sacia nosso vício, o final feliz. Mas parece que a roda prefere mesmo esse fluir de misérias, para justificar o próprio sofrimento. Saber que a dor impera na vida alheia é uma espécie de conforto mórbido, que nos mantém grudados na leitura.

Mas não parece ser esse o objetivo do autor. O que ele consegue é revelar uma porção do Brasil profundo, numa área determinada, a fronteira ( representação do limite), que nada tem a ver com a relação com estrangeiros, mas com esse cruzar permanente de umbrais cada vez mais assustadores. O cabaré, a guerra, a casa da infância, a relação complicada entre várias preferências sexuais são o mural humano que Ricardo Peró Job mostra com a segurança de quem escolheu um rumo para seu ofício e nele se aprofundou como quem planta para o futuro.

Pois, se os seus contos podem ser comparados a uma horta muito bem cuidada, a verdade é que Ricardo aspira ao latifúndio produtivo. Ele tem o manejo do produtor atento ao detalhe, mas aposta alto na sua vasta semeadura. É uma literatura ambiciosa, disfarçada por trás de um capão do mato. Lá se esconde um atirador primoroso, que mira o leitor desde a primeira frase. Não sabemos o que nos espera. Mas fatalmente será o estampido seco de uma tocaia, a do autor ainda submerso, que se manifesta pelo tiro quando tudo sugeria mansidão e quietude. A bala atinge o alvo: seu clarão de tempestade mostra o ermo de um país envolto na penumbra. Ela é capaz de resgatar a narrativa num galpão silencioso, criada na véspera de uma guerra.


RETORNO - Esta foi uma das minhas leituras citadas para o debate no próximo dia 3 de maio, no Circulo da Leitura, evento coordenado pelo poeta Alcides Buss, da editora da Universidade Federal de Santa Catarina.

21 de abril de 2007

DIPLOMACIA DE GUERRA NO CINEMA



É confortável ser politicamente correto. Se você fala em omissão da Igreja Católica diante do nazismo verá multidões acenando afirmativa e gravemente a cabeça. Ainda mais depois do filme Amen, de Costa-Gravas, de 2001 e que só assisti ontem. Especialmente se lembrarmos o trabalho do designer Oliviero Toscano, da Benetton, que fundiu as duas cruzes, a cristã e a suástica, no cartaz oficial da obra.

Mas o marketing, que causou tanto furor entre os católicos, e a projeção da idéia sem contestações de que a Igreja foi omissa e conivente com o nazismo, não fazem justiça a Costa-Gravas, que, assim como Richard Fleischer e Kinji Fukasaku em Tora! tora! tora! (1970), faz um filme sobre diplomacia de guerra. É mais complicado, mas abordar a complexidade desse tipo de trama transposta para o cinema não vai arrancar milhões de acenos afirmativos da cabeça. Pensar dá o maior trabalho.

Tora! tora! tora! é dividido em duas partes. A primeira, sobre a diplomacia, o jogo de gato e rato entre Japão e Estados Unidos, os conflitos internos nos dois exércitos, as reuniões, os recuos, as contradições, os erros, as personalidades em jogo. A segunda parte é sobre o resultado de tudo isso, ou seja, as cenas de guerra. Nada a ver com o quase recente Pearl Harbour da era Bush, em que os mocinhos enfrentam os vilões, desvirtuando assim um episódio que foi apenas um massacre e não uma batalha. O velho Pearl Harbour é para ser revisto. O filme está intacto, soberbo, profundo. Denuncia as burradas dos americanos e as indecisões e o oportunismo maroto dos japoneses. É falado nas duas línguas e os japs não são as caricaturas que costumavam manchar os filmes do gênero.

Mas eu estava falando de Amen. A igreja e a SS nazista são apresentadas por meio das ações de seus indivíduos. Há contradições nas duas instituições. A pressão que o padre jesuíta, alertado pelo oficial da SS (um técnico que viu o holocausto ao vivo) faz sobre o Papa é contra-argumentado o tempo todo. Se fizermos assim, seremos massacrados, pois o Vaticano não tem sequer uma divisão, diz a elite da Igreja. Se assumirmos essa denúncia, feita por um soldado alemão (quem garantiria a veracidade?) como ficariam os católicos sob os bombardeios? Ou seja, o tempo todo o filme apresenta as razões para que a denúncia sobre o massacre dos judeus não vire um tema oficial do Vaticano.

Na Igreja, havia os cardeias ultra-reacionários, como mostra o final do filme, em que um carrasco é encaminhado, claro, para a Argentina (Perón fechou com Hitler). Mas havia o padre jesuíta, que não desistiu de ser ouvido e acabou pagando caro. Havia o Papa, que raciocinava estrategicamente, levando em conta todos os pesos da guerra em curso. Quando acaba a carnificina, surgem os grandes heróis, os “isso até eu faria”, os grandes reis posteriores da cocada preta. Na hora do pega, o buraco é mais embaixo. Os heróis morrem, os sobreviventes resistem, viram a casaca ou negociam.

Amén é um filme estupendo, sob todos os aspectos. Tem uma narrativa consistente, pontuada pela urgência dos trens que levam as vítimas para os campos de concentração (o que serviu de deboche para determinado crítico, que comparou esse recurso ao velho truque de deixar a mocinha amarrada aos trilhos enquanto o mocinho corre em seu socorro, o que é uma metáfora de mau gosto atroz). Os atores estão perfeitos e a direção é segura. Nada a ver com a “espetacularização da política”, como disseram (0 cara tem que ser tosco para ser aprovado?) .Costa-Gravas é um cineasta sólido, que nos deu filmes inesquecíveis como Z e Missing. Em Amén ele manteve seu perfil de grande criador, que não se deixa levar pelas facilidades.

O filme é um desesperado jogo de xadrez onde se sobressai as decisões e dúvidas humanas diante de eventos absolutamente trágicos. É fácil deitar na sopa depois de 1945 e apontar milhões de dedos para o Papa. Queria ver lá, na hora H. Como aliás Costa-Gravas viu, de maneira lúcida e madura. Pena que seu filme serviu para a campanha anti-católica que assola o mundo. Falar mal de Papas é um vício internacional. São humanos, em contigências humanas, estão na mira das críticas. Mas isso não impede que sejam analisados em toda a complexidade das situações em que foram apanhados. Amén faz isso. É filme para ser percebido no que ele mostra e não no que a publicidade sugere que seja.

Aliás, amen é uma ironia: é dita pelo padre jesuíta diante do matador. Não é um "assim seja", seu sentido original. É um "se é isso que você faz, então a responsabilidade é toda sua, nem tente me convencer do contrário". O padre (que faz parte da Igreja, é bom lembrar) diz amen como denúncia, não como omissão ou apoio.

Um adendo importante: a cultura corporativa industrial, que maneja o conhecimento técnico desvirtuando suas funções originais, está na fonte do Holocausto, como mostra o filme. É um recado de Costa-Gravas à atual onda do discurso impessoal fundado numa pretensa eficiência sem limites, à custa do humano envolvido nos processos de produção.



20 de abril de 2007

A EXCLUSÃO DO INDIVÍDUO


Por acaso passei em frente ao Jornal da Globo de ontem, no momento em que os jornalistas lamentavam o desequilíbrio do sul-coreano que matou 30 pessoas na Universidade da Virgínia. Um evento que tem farto depoimento do algoz recebeu o enfoque granítico de que a culpa toda recai sobre o indivíduo. Não se trata de justificar assassino nenhum, mas tudo nesta vida precisa ser entendido a partir do entorno, do ambiente, das relações sociais. No seu instigante filme Elephant, Gus Van Sant expõe o mecanismo interno da vida dos adolescentes antes, depois e durante a tragédia de Columbine. Não se propõe a entender, mas a mostrar que o buraco é mais embaixo, que esses massacres precisam ser decodificados para que não se repitam, ou pelo menos possam diminuir de intensidade. No caso da Virgínia precisamos entender o indivíduo que parte para a ruptura depois de viver uma vida de exclusão no lugar onde procurava se integrar.

O sistema educacional americano é privatizado. O que eles têm de serviço público é precário, como demonstrou recente vídeo em que um entrevistador perguntava coisas óbvias para as pessoas nas ruas e elas respondiam absurdos, fruto da ignorância promovida pelas escolas. É um sistema que foi copiado aqui depois de 1964. Antes, tínhamos um ensino público de excelência. Como funcionava? Na base da disciplina, e não do terror da disciplina, como ocorria na República Velha (época da palmatória). A disciplina que respeita a diferença e inclui todos tem menos chances de provocar violência. Começava pelo uniforme. A mesma roupa para todos evitava a demonstração do fosso das situações sociais. Se não houvesse uniforme, os mais ricos poderiam exibir suas diferenças por meio de roupas melhores. O uniforme evitava isso.

O objetivo era punir a irresponsabilidade por meio da reprovação e da exigência do estudo e do incentivo à meritocracia. Quem não fosse um atleta poderia se destacar nos estudos. Quem fosse pobre, ou com problemas pessoais, estava incluído. Só havia expulsão no caso de transgressão radical, atos de vandalismo ou coisas assim. Escola paga, na época, era sinônimo de facilidade, o que não fazia justiça a excelentes colégios católicos e protestantes. No geral, a diferença era enorme: uma escola pública era a referência do ensino e para ela convergiam os melhores professores e alunos. Os resíduos desse sistema ainda sobrevive, aos trancos, em algumas universidades gratuitas, como a Usp, a Uerj, a Ufsc, a Ufrgs. Na Usp, segundo depoimento de alguns alunos, está faltando o básico, já que o espaço físico está sucateado.

O sul-coreano que estudava inglês na unversidade da Virgínia era excluído por ser estrangeiro, por ser pobre e por ser identificado com a invasão do resto do mundo à cidadela americana. O assassino tinha ódio dos alunos ricos, profissionais da exclusão. Refugiou-se então na pior porção da sua nacionalidade. Uma das fotos que ele distribuiu (reproduzida acima) mostrava um gesto copiado de um filme do seu país, de um personagem que sofreu injustiça e acabou se vingando de todo mundo. A nacionalidade é o refúgio dos exilados. Integrar-se em outro país é ser aceito e isso não ocorreu com o estudante que queria ficar na América.

Em Columbine, os garotos assassinos também se sentiam excluídos. Não eram cool, ou seja, não estavam in, não participavam dos grupos mais prestigiados. Se sentiam fora do sistema e acumularam tanto ressentimento que acabaram explodindo tudo. O debate, sempre que estoura um problema desses, é sobre a dúvida se devem vender armas a torto e a direito ou não. A essência do problema não é essa (apesar da facilidade, claro, contribuir para os crimes). O foco é o sistema de exclusão, que permite que hajam nichos hegemônicos nas instituições de ensino, tanto entre professores quanto entre alunos e funcionários. Criar um ambiente de meritocracia, inclusivo, atento ao acúmulo de ódio que possa existir, é a solução mais óbvia, e talvez por isso a menos lembrada.

Os Estados Unidos precisam se definir como nação. Invadiram e bombardearam o mundo enquanto continuam sendo uma terra de oportunidades para todos os povos da terra. Precisam trabalhar a xenofobia em seus sistemas institucionais e promover a integração antes que seja tarde demais. Vimos o que aconteceu em Paris, quando a garotada do Terceiro Mundo colocou fogo nos automóveis durante semanas. Você não pode posar de democrata e promover a ditadura interna. É difícil? Se fosse fácil, não seríamos o que somos, humanos em eterno conflito.

RETORNO - Lula recebe o PSDB e elogia FHC. Disse Tasso Jereissati no encontro: “Fazer oposição não é xingar, gritar, ameaçar. É estar contra no momento certo". Lembro o general Médici, que no auge da repressão disse: oposição é para se opor, se oponham. Ou seja, o velho esquema MDB/Arena, da oposição consentida (quem é mesmo de oposição acaba sendo eliminado) continua em vigor. Claro, a ditadura continua em vigor.

17 de abril de 2007

COMO CONSEGUIR EMPREGO




Depois de quase quatro décadas de redação, você fatalmente já ocupou cargos que te permitiram selecionar pessoas para preencher as escassas vagas da antiga profissão de repórter. Já passei por várias fases, como a dos estagiários, agora recebo os recém formados. Alguns veteranos também chegam ao redor, mas o espaço e a remuneração são limitados. Como acumulei alguma experiência em decidir quem deveria entrar, vou apresentar algumas sugestões para quem quiser se escalar para uma função dessas. São coisas óbvias, mas como não são levadas em consideração, resolvi abrir o jogo. Aqui vai um pequeno apanhado filosófico sobre atitudes e comportamentos diante da pessoa que poderá encaminhá-lo para um emprego.

1. Jamais sugira que você está a fim do cargo do entrevistador. Mesmo que seja esse seu objetivo, finja. Faça de conta que você se submete ao perfil do cargo. Não diga: posso também editar junto com você. Pega mal.

2. Converse sem impor suas falas. Não interrompa o entrevistador com expressões como “com certeza” ou aquele hã-hãm espichado e cantado que virou moda e que significa indiferença e falsidade em relação ao interlocutor.

3. Não se acomode na cadeira como se fosse dormir nela ou como se você tivesse todo o direito de se esparramar enquanto conta sua vida. No tempo em que havia cadeiras duras, filas para entrar e sair, orações no início e fim das aulas, as pessoas eram orientadas para a ascese, a compostura. Hoje são orientadas para o lazer, o lúdico. Esqueça essa formação e ajoelhe no milho na véspera da entrevista.

4. Não faça diagnóstico, nem oral nem escrito, sobre o veículo onde você pretende trabalhar. Não precisa elogiar descaradamente, pois sabemos que todo mundo acha tudo uma bosta. Mas também não precisa riscar as páginas impressas como se você fosse o mestre supremo do jornalismo.

5. Se você sua ou não embaixo do braço, jamais boceje e levante os cotovelos durante a entrevista. Fatalmente o sovaco úmido vai chegar até a cara do entrevistador, que, te garanto, encerra a entrevista no mesmo minuto.

6. Ao marcar a entrevista, não faça cobranças. “Mas eu te enviei o currículo ontem, ainda não viste?”, por exemplo. Não faça isso. Seja gentil. Contrarie sua natureza bruta. Não dê bandeira sobre seu desprezo ao seu ex-futuro colega de trabalho.

7. Se você está começando na profissão, não apareça com um currículo com mais de duas páginas. Falei uma vez que gente nova não tem currículo, o que causou profundo sentimento de ofensa em quem escutou. Ei, eu estava brincando! Ou melhor, dizendo que temos dois momentos na vida: um, em que não temos currículo; e outro, em que temos tanto currículo, que parece até mentira.

8. Todo entrevistador acima dos 40 anos é um conferencista. Tenha paciência, escute. Depois que conseguir a vaga, pode ignorá-la. Mas a entrevista é uma das poucas chances que ele tem de desenvolver uma palestra. Exerça a caridade.

9. A tendência é aproveitar quem foi indicado, mas costumo abrir oportunidades para quem chega só com a cara e a coragem. Nunca desista. Não ache que você não conseguirá nem ser recebido. Tem editor que é diferente. São raros, mas existem.

10. Se o cara for realmente aberto, e não um fingidor, não o teste, não faça provas, não o coloque contra a parede para ele provar que é mesmo legal. Não o force a agir contra a sua natureza. Se fizer isso, você irá para a danação eterna. Isso é maldade. E também tem o retorno: a pessoa se vinga e acaba se comportando bem como você quer. Depois não se queixe.
RETORNO - Crianças nos anos 40 festejam a céu aberto a dureza da vida escolar. Uma inspiração para quem gosta de se sentir muito confortável diante do entrevistador.

16 de abril de 2007

ABRIL COM LIVROS

Muitos contratempos me impediram de postar novos textos. Mas os amigos do Diário da Fonte podem agora ver o autor em público, junto com o amigo e escritor Tabajara Ruas num evento aqui em Florianópolis. Uma conversa informal numa sacada da Barca dos Livros, em pelno centrinho da Lagoa da Conceição. É minha estréia do you tube. Diz o texto de apresentação:

Na sequência do "Abril com Livros", promovido pela Sociedade Amantes da Leitura de Florianópolis, os escritores Tabajara Ruas e Nei Duclós falam sobre a trilogia infanto-juvenil "Diogo e Diana na Ilha da Magia", escrita por ambos e que será lançada pela editora Record em agosto/2007.

Obs.: Será o lançamento do primeiro livro "Meu vizinho tem um rotweiler (e jura que ele é manso)". O segundo, "A trilha da lua cheia" será lançado no Natal e o terceiro em 2008.

Para assistir a rápida edição da conversa, acesse o endereço:
http://www.youtube.com/watch?v=JyU1znKVKBo


13 de abril de 2007

AGONIA CIRCULAR DO BRASIL TERMINAL



Parece o verso de Nelson Sargento sobre o samba, agoniza mas não morre. É o caso do Brasil de Cláudio Assis em Amarelo Manga, o impressionante filme que só agora vi, depois de quatro anos do seu lançamento. A vantagem de chegar atrasado na resenha sobre uma obra é que isso economiza palavras sobre a crueza, a contundência, a denúncia, o desespero do filme e abordar meu tema favorito, o Brasil, tão fora de moda. Falou-se na danação humana desta obra feita no Recife que levantou inúmeros prêmios, dentro e fora do país. A falta de esperança teria a ver com a condição de sermos estômago e sexo, em que cai no vazio a máxima de que nascemos condenados a ser livres. Prefiro ver Amarelo Manga como o país zumbi que não encontra saída, e assume o pesadelo a que foi atirado.

Grande parte do tempo é dedicado a uma espécie de documentário sobre o Recife, especialmente o mundo do trabalho marginalizado, feito de esforço físico em ambientes podres, e que se confina em bares de suor, pinga e cerveja ou em poses estáticas de pessoas imobilizadas em sua miséria. Esse documentário articula-se organicamente com os personagens, amarrados a doenças, fanatismo, fé tristonha (católica), fé exaltada (evangélica), necrofilia, traição, deboche e desejos jamais consumados. Nenhuma parede está intacta, o lixo se espalha por toda a geografia urbana e o plano geral da cidade é a visão sinistra de um cartão postal do Apocalipse.

Costurando a tragédia, há a intervenção de frases definitivas, como a da santidade como a forma mais inteligente de perversão ou o lugar comum de que os brasileiros gostam de ser enganados. A denúncia sem o contraponto da esperança torna tudo viscoso, como se esse fosse o destino da nação que afundou definitivamente. O bizarro fica a cargo da composição visual, magnífica, de autoria de Walter Carvalho, baseada, numa interpretação livre, no trabalho de grandes fotógrafos brasileiros, com Walter Firmo à frente. É como se Walter Firmo filmasse, com a diferença de que o grande mestre dos fotógrafos brasileiros foi em busca da nação que clamava por justiça, enquanto Carvalho mostra o país que perdeu a batalha definitivamente.

A câmara colocada no alto empurra a trama para a pequenez das situações e conflitos e privilegia o espectador que se sente acima do que vê. É uma armadilha. Nós é que estamos lá embaixo e basta o close voltar a agir para sentirmos na carne e na pele que estamos presos no mundo aparentemente delirante de Cláudio Assis. Do close ao rodopio visual, o filme é a saga circular de quem se sente morto e vive como zumbi que nem sequer tem mais a companhia confortadora dos fantasmas. O Brasil não sobreviveu nem depois da morte, não existe nem como assombração. O que existe é o horror impregnando todos os gestos e falas e a morte de um dos personagens é apenas o desfecho provisório de um futuro que tarda: a completa aniquilação da ex-nação. A maldição é continuar se movendo, morto-vivo, num cenário de ruínas físicas e humanas.

Amarelo Manga se contrapõe à estética da maquiagem tão comum em tantos filmes da Retomada. É um passo além da denúncia, pois mostrar não basta, refletir é abster-se, se insurgir é inútil. Mas, paradoxalmente, pela sua força como obra autoral sem concessões, o filme é um exercício da descolonização do olhar, uma expressão que Walter Firmo pronunciou numa entrevista que fiz com ele nos anos 80 para a revista Senhor. Os atores contribuem de maneira decisiva para essa abertura. Todos estão excelentes: Dira Paes (a recatada subvertida pela traição do marido), Chico Diaz (o açougueiro que idealiza o espaço doméstico), Jonas Bloch (o transgressor que tenta gozar com a morte), Mateus Nachtergaele (o homossexual que apunhala a amizade em favor do seu desejo), Leona Cavalli (a narrador inconformada com sua função de mulher à mercê dos fregueses que odeia), entre outros.

Fiquei um tempo rodeando Amarelo Manga. Decidi ver, por curiosidade. Uma bomba, imprescindível para a cultura cinematográfica do nosso tempo. Talvez o filme se proponha a criar uma chaga na percepção do Brasil condenado. Talvez seja a ferida aberta por onde poderemos passar para uma fase que supere tanta demência.

RETORNO - Imagem de hoje: Chico Diaz, o açougueiro, em Amarelo Manga.

12 de abril de 2007

O CÍRCULO DE FERRO DO FODISMO




Não há perigo de melhorar, como diria o sambista. Uma passeada pelo noticiário nos deixa de cabelo em pé. Deputados vão aumentar suas verbas, Aloysio Nunes diz que não irá contra a CPI da Caixa (verbas publicitárias, o de sempre) porque sua turma não tem nada com isso. Se tivesse, colocaria obstáculos? Parece que a coisa vai feder para o lado do Serra. Durma-se com um noticiário desses. Madonna vai inaugurar sua fase mais popozuda, Alexandre Frota escolhe a mesa de chocolate mais saborosa, Clodovil inaugura programa chamado Por Excelência. Não há limites para o deboche.

Há escândalo porque um bordel na Inglaterra vai se chamar Brasília. Teme-se que haja a partir disso (parece que o pulguedo é um sucesso, cada prostituta atende 27 caras por noite) um rede de puteiros com o nome da nossa capital. Nós é que formatamos essa imagem, nós elegemos Brasília como a capital da prostituição de um país que é o rabo do mundo. Os estrangeiros apenas copiam o que é formatado aqui dentro. Brasília deveria deixar de ser capital. Não deu certo, nunca dará. Deveria ser tombada e transformada em cidade universitária e de pesquisa acadêmica e tecnológica. Uma cidade voltada para a inovação. E a capital voltaria a ser o Rio de Janeiro, que nunca deixou de ser o coração do Brasil.

O PAC nem foi aprovado no Congresso e já tem uma campanha milionária nas redes de televisão. O Brasil tem coisas que ninguém mexe: o caixa 2, a remessa de lucros para o Exterior, o mau uso da terra para o latifúndio e o monopólio, o intenso tráfico de influência e de drogas e armas pesadas, o massacre no trânsito, a podridão dos cárceres e a mídia a serviço de tudo o que não presta. A revolta vira mais um insumo para a ditadura, pois o povo clama por pena de morte, e sabemos no que vai dar: poderão continuar fuzilando mais ainda, agora a olhos vistos. Enquanto isso, parece que a popularidade do Lula está crescendo. Numa transformação profunda, as primeiras prisões deveriam ser as dos donos das pesquisas de opinião. Esse é o negócio mais rentável do mundo. O que mais escuto é: votou nele? Agora agüenta.

Há anos não voto em ninguém. Voto em trânsito. Já votei em todo mundo, menos na direita explícita, apenas na direita que se revelou depois (como o Lula). Assim mesmo, no segundo turno. No primeiro, meu voto sempre foi trabalhista. Agora o presidente do PDT virou ministro do Trabalho. Quer reforçar a CLT enquanto os outros ministros querem miná-la. Não é sério. Uma coisa não está em oposição a outra. Você pode fazer cumprir as leis trabalhistas e desengessar as empresas. O problema é que obrigam a empresa a arcar com custos altíssimos do emprego e a solução encontrada é fazer todo mundo de escravo.

Um trabalhador bem remunerado faz a economia andar, como ensina o fordismo clássico. Mas aqui o objetivo é matar todo mundo de fome. Aqui não temos fordismo, temos fodismo. Eles fodem mesmo.

A ferramenta usada é fechar cada vez mais o círculo de ferro. Ligue a TV: lá está a sacanagem de mãos dadas com a idiotia, ocupando todo o espaço disponível. Vote e veja seu deputado deputando em Brasília, agora nome de bordel no estrangeiro. Pegue o ônibus e verás as pessoas se destruindo por um lugar. Saia de carro e fique parado na falta de estradas e ruas decentes. Mas em compensação, nos avisa o noticiário noturno, os juros dos carros usados caíram, aproveite! Você aí ô da poltrona: quanto você tem no bolso? Se sobrou algum, passe para cá.


RETORNO - 1. Imagem de hoje: o trabalhador fordista, o que tinha condições de comprar o carro que fabricava, segundo a concepção clássica de Henry Ford. 2. Claro que o trocadilho já tinha sido usado. Mas a gente sempre se acha original, até fazermos uma checagem no Google.

10 de abril de 2007

O PARECISTA DA ALDEIA


Nei Duclós

Aos 16 anos, Magdo levou uma resma de papel almaço escrita em caligrafia caprichada para seu primo dar um parecer. O primo Louis, que virava a língua quando dizia o próprio nome, de origem nobre, dizia ele, era um especialista em destruir carreiras literárias. Tinha evitado o desenvolvimento precoce de uma chusma de aspirantes que o convocavam para opinar sobre a tosca literatura cometida por eles. “Lôuis” era inimigo do Padre Marcílio, incentivador de talentos e fomentador de desastres da poesia e da ficção.

Para começar, o parecista oficial da aldeia avisava que não emitia opinião sobre versinhos. Isso era coisa de retardados, dizia ele. Empilhar palavrinhas que se acenavam por rimas e consonâncias era um hábito feio que tinha tomado conta da humanidade sem luzes a partir do século 19. São duzentos anos de perda de tempo, dizia ele.

Restava aos pimpolhos que insistiam em passar pelo buraco da agulha do herege a sofreguidão de tentar chegar à glória. Pois, tamanha era a fama do pseudo francês beletrista que, se ele por acaso aprovasse algo, haveria reconhecimento e todos os leitores que restavam teriam de sucumbir à ingerência do Mestre. Mas sabiam: nada de poemas. O teste deveria ser feito por meio de texto muito prosa, muito metido. Era preciso impressionar o leitor número um e nisso se dedicavam os coitados que ainda sonhavam com um livro, uma carreira de escritor e talvez até um premiozinho.

Magdo tinha plena confiança no seu taco. Sabia que trazia embaixo do braço a renovação das artes literárias mundiais. Sonhara com o início, imaginara febrilmente o enredo e sucumbira a uma chave de ouro de arrepiar Dante. Mas, cuidado: não era poesia, nem nada poético. Era ficção, trabalhada em ouro, incenso e mirra.

Louis recebeu-o friamente, sentado que estava na cadeira preguiçosa do avô, lendo um novíssimo lançamento de três toneladas, talvez algum clássico russo desta vez traduzido diretamente da língua de Puchkin, cheio de expressões atualizadas, como "com certeza", como vira numa brochura de Crime e Castigo, de Dostoiweski.

-Estou sem tempo, Magdo. Aliás, teu nome não é de escritor. Parece erro de datilografia de escrivão ignorante.

- O que é isso, professor (Louis não chegara ainda aos 18 anos, mas obrigava a todos a tratá-lo como um diretor de escola). Quem me registrou foi o Febrônio, lembra dele, o maior cdf da cidade, aquele velhinho que passeia de manta de lã em dia de calor.

Com má vontade, o parecista deu uma olhada de soslaio (uma de suas palavras prediletas) na pequena resma de papel (ou deveria dizer pilha, só para contrariar quem adorava dizer resma?). Suspirou e emitiu seu decreto:

- Isso eu leio em três minutos. Volte na sexta-feira da semana que vem.

- Mas hoje é quarta! Vai levar quase dez dias nessa tortura?

Louis fitava o horizonte e depois devagar, como quem filmasse em câmara lenta, ia tornando os olhos gelados para o interlocutor. Era seu expediente mais corriqueiro. Sempre dava certo.

Magdo se conformou. Iria aguardar o Nobel até o prazo determinado. Mas depois, que não viessem esnobá-lo. Era certo que Louis iria exultar com a revelação daquela obra original.

Louis fingiu que sentia frio e voltou para dentro de casa, deixando o pobre escritor ao relento, obrigando-o a dar meia volta e cruzar o terreno que ficava em frente à casa do bobalhão letrado e ia até a linha férrea. Era assustador passar por ali, mas não tinha outro jeito. As aulas noturnas começariam em quinze minutos e se fosse contornar o parque, chegaria a tempo só para a segunda aula.

No meio do ermo, parou de repente. Junto a um vagão, uma sombra vestindo sobretudo e chapéu de feltro, fumando um cigarro, o aguardava.

- O que queres de mim, espectro? rugiu Magdo, que estava acostumado com aquele tipo de cena, tão comum na literatura policial que costumava devorar.

O Sombra desencostou do seu apoio e veio vindo devagar, com seu passo silencioso de Vulcabrás com sola de borracha.

- Vim te avisar, seu palerma, disse a aparição. E quem avisa amigo é.

- Dispenso os ditados e os lugares comuns. Desembucha logo.

- Nunca mais volte lá para aquele idiota do teu primo. Ele não sabe nada. E o pior é que não lê o que diz que lê. Sabe do que ele realmente gosta?

- Dos três patetas?

- Não isso, ele já tem de sobra em volta dele. Ele gosta é de ler as histórias miseráveis da pobre menininha que sofre com a perseguição das bruxas Alcéia e Meméia, que eram publicadas naqueles gibis da Luluzinha, lembra?

Magdo ficou branco de horror. Seu ídolo, o cara que iria encaminhá-lo para a vida literária, não poderia ser um troço desses.

- Pois é, sua besta. E ainda vais lá pagar mico para ele. Vê se te manca.

E o Sombra foi caminhando para trás, como um Michael Jackson cheio de estrias. Sumiu de um segundo para outro. Deixou um sabor de perda no ar.

- Pobre menininha, essa é boa, dizia Magdo, chutando as pedras que abundam por aquele lado sinistro da cidade.

Mas ler Luluzinha fazia parte da melhor porção de Louis, professor precoce e parecista literário da aldeia. No futuro, essa leitura favorita o levaria para longe do Padre Marcílio e o aproximaria, enfim, da poesia que ele negava porque tinha medo do escuro.

Magdo também seria beneficiado por essa paixão infantil do primo. Jamais o procurou novamente, e seguiu confiando no seu taco. Só se encontraram décadas depois, em Paris, numa conferência internacional sobre literatura. Foi quando se olharam por alguns segundos, muito compenetrados nas suas vestes de literatos. Mas a seriedade não durou muito tempo. Ao se reconhecerem, acabaram caindo na gargalhada, para espanto dos poetas, dos críticos e dos mestres do ofício.

É preciso dizer: Louis usava um sobretudo e um chapéu de feltro.

7 de abril de 2007

A OUTRA VIDA

Nei Duclós

Encontrei o Amigo inteiro, instalado na Outra Vida. Ele já estava por volta de 40 anos, apesar de ter sido assassinado aos 26. No sonho, ou visão, segurava um grande chapéu de abas exageradas. Colocava a mão no alto, com o braço bem espichado, impedindo que o vento levasse para longe aquela monstruosidade. Estava cercado, como sempre, de várias pessoas. Parece que o grupo ocupava um conversível de luxo. Ele me olhou com o rosto impassível. O olhar era límpido, claro, solene, mas ao mesmo tempo expressava certa indiferença. Era, talvez, seu recado de superioridade diante de tanto mistério.

Ele sempre foi assim. Jamais se deixou abalar por coisa nenhuma. Pelo menos, não por muito tempo. Era suscetível, mas se reaprumava logo. Um dia veio me tirar da minha catatonia no quarto onde morava. Esparramado na minha cama, num calor insuportável, eu dormia ao lado da caixa preta que encerrava um tesouro: a máquina de escrever Smith Corona herdada do meu pai.

Correra o risco de perdê-la, quando o namorado da dona do lugar – um sujeito retaco, gringo, grosso e canalha – me pediu para usar a máquina. Era para vender, mas foi proibido pela mulher que entrou em desespero diante da minha credulidade. Eu realmente acreditara que o sujeito iria escrever algo. Além do mais, o escroque tinha um olhar gelado, azul e uma boca torcida. Mas graças à proprietária que não queria perder o hóspede, mantive a prenda em meu poder.

O Amigo veio me acordar batendo na janela. Queria me mostrar o estrago que sua namorada, agora ex, tinha feito no apartamento. Rato, porco, estava escrito a carvão em letras garrafais. Era a separação, mais uma, do conquistador serial, que deixava um rastro de corações partidos pelo caminho. Foi nesse apartamento pincelado pela dor do amor não mais correspondido, que o encontrei pela última vez. Bati na porta, ele abriu a janelinha de vidro e fez uma cara de desencanto, que era a nossa maneira de nos cumprimentar (pois, caras da fronteira como nós, jamais dão o braço a torcer para quem quer que seja, especialmente os amigos do peito). Era uma espécie de “que gente mandou o governo!” que meu pai usava para seus companheiros de pescaria. Ou seja, estamos bem por aqui, o que você veio atrapalhar? Depois desse anti-cumprimento, sempre havia a alegria do reencontro.

Saímos pela cidade, que estava forrada de out-doors estampando uma pessoa muito próxima e conhecida. Era ele. Fazia a pose que usávamos quando nos tiravam a foto do colégio. Sentado, com um leve sorriso, as mãos para frente, depositadas em cima da mesa, o Amigo olhava para a posteridade como se fosse um superstar. Estou me despedindo daqui, disse ele. Nada melhor do que deixar meu rosto pelas ruas.

Soube depois da tragédia, de maneira fortuita, conversando numa lanchonete com nossa amiga comum, que me deu a notícia. Chocado, procurei mais detalhes na imprensa da cidade da qual o Amigo se despedira de maneira tão explícita. Havia pouca coisa. Um revólver, um suposto suicídio. Tanta vida para se jogar fora assim? Ainda mais ele, que tinha vida saindo pelo ladrão. A reportagem só dispunha da foto da identidade. E foi com ela, tomando conta de quase toda a página (para compensar a falta de informação) que travei contato com o Amigo pela última vez.

Com exceção, claro, da visão que tive, da cena do grande chapéu do quarentão rodeado pelo seu grupo no conversível de luxo. Descobri que o espírito mantém a trajetória da vida e vai em frente, como se não tivesse havido ruptura. O que terá vivido nestas décadas todas? Estivera na queda do muro de Berlim? Assinara, quem sabe, um grande projeto de arquitetura numa das porções ricas da África? Estaria mesmo vivo aquele que se foi cedo demais?

Se alguém de nós sobreviveu, dessa geração nascida para o massacre, foi para contar a história. Ah, a sina dos narradores sem esperança, os que permanecem à tona, frios como um candelabro no inverno de um romance de segunda. Quem dera não tivéssemos tanta perda e não precisássemos lembrar os amigos que se foram numa poeira de nuvem, que o tempo traga com seus pulmões de ferro.

RETORNO - Conto publicado neste fim-de-semana no caderno Donna DC, do Diário Catrarinense. Também foi publicado, com algumas modificações, na edição deste mês do Jornal Vaia, de Porto Alegre.

3 de abril de 2007

DESCONTROLE NO AR



As vivandeiras de quartel estão inquietas. Viram no episódio da punição, não consumada, aos sargentos envolvidos na greve dos controladores de vôo, uma brecha para indispor Lula com as Forças Armadas. Mas não é só Lula que está de costas para as Forças Armadas, é o regime que ele representa, e divide com a direita, o da ditadura civil que nos desgoverna. Jogar a farda no limbo não foi apenas um erro da falsa democratização, foi sua carta de apresentação. Instaurou-se a idéia de que era preciso afastar os militares, quando o certo era derrubar a ditadura. Esta, livrou-se dos militares, que serviram de estuário para todos os erros desde 64. Os velhos caciques de sempre, agora com o voto de cabresto, continuaram mandando e fabricando seus epígonos, sua farta descendência. O erro, portanto, é institucional, não pontual. Lula apenas trabalhou uma emergência.

Não havia muito o que fazer. A punição acarretaria mais estrago. O problema é que a crise mostra que o sol está alto demais. Perdeu-se a oportunidade de eliminar a histórica oposição dos militares aos governos civis. Ao contrário, o fosso foi aprofundado, com lances trágicos. Enviar tropas para o Haiti, onde servimos de polícia para os desmandos imperiais, é apenas um deles. Sucatear os equipamentos, como denunciou recentemente o ministro da Marinha, foi outro. Dispensar a meninada do serviço obrigatório por falta de dinheiro para o rancho nem se fala. Deixar que parte dos arsenais militares sirva de insumo para a o exercício da bandidagem, como já foi denunciado várias vezes, é mais um ponto desfavorável.

O mais grave foi tentar retirar os militares do imaginário nacional. Como faltou coragem de punir os torturadores (muitos deles no serviço civil) armou-se o circo contra as Forças Armadas, como se um país deste tamanho e com tanta gente dentro possa prescindir de um escudo para a cobiça internacional, que deita e rola, tanto, que até vizinhos medíocres como Venezuela e Bolívia resolveram colocar as manguinhas de fora. Como se fôssemos o circo do mundo, com macaco, palhaço e mulher pelada.

Não se trata de restaurar a patriotada, que faz tanto mal quanto o desprezo à nação. A patriotada é álibi da direita para denunciar o entreguismo, tão explícito em governos ditos de esquerda. São os mitos antigos de caserna, exacerbados, colocados à força na vida comunitária, como aconteceu depois do golpe de 64. O que vale é o patriotismo, que é outra coisa. Numa família, só você pode falar de seus parentes. Ninguém tem o direito de falar mal de sua casa. Assim num país: não me venham os de fora falar mal do Brasil, só nós poderemos lavar a roupa suja entre nós. Pois perdemos essa capacidade de ter o patriotismo (sentimento de pertencer a uma grande nação) dentro de nós. O que sobrou foram sinais exteriores, que sempre se desmoralizam, basta qualquer contratempo.

O patriotismo é reconhecer a grandeza do país instalada na nossa emoção e conhecimento. É ter noção das nossas fragilidades e visão clara de nossas forças. Não podemos nos entregar como bananas achando que tudo foi por água abaixo. Acabamos deixando assim caminho para as vivandeiras. Estas, bem fornidas pela mídia, começam a fazer água no porão, loucos para verem sangue. Mas os militares estão profundamente marcados pela injustiça que sofreram, pois os civis colocaram nas suas costas a responsabilidade de tantos crimes, quando sabemos que a ditadura desencadeada em 1964 começou na área civil e se sustentou na área civil em atividades fundamentais, como a política econômica.

O pior é que a situação não muda e mais crises poderão vir. Solução? Prestem atenção no prestígio dos nossos militares, conforme dizem as pesquisas. Eliminem os ressentimentos que esta longa ditadura gerou. Dêem voz de destaque para as reivindicações militares. Respeitem a farda e não façam besteira, deixando que uma situação como a dos controladores de vôo vire uma bagunça, só porque não quiseram resolver, empurrando com a pança o que deveria ser solucionado no primeiro instante.

Farda inquieta significa sofrimento à vista. Chega de ditadura, de qualquer porte e com qualquer vestimenta. De terno ou de botões dourados.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: o presidente Getúlio Vargas recebe os pracinhas vitoriosos da Força Expedicionária Brasileira. 2. Getúlio foi escolhido o "Maior Brasileiro de Todos os Tempos", segundo eleição promovida pela Folha. Votaram 200 intelectuais, políticos, artistas, religiosos, empresários, publicitários, jornalistas, esportistas e militares considerados referências em suas áreas de atuação. Na sua coluna na Folha, Carlos Heitor Cony diz que foi criado no ódio a Getúlio. Foi pesquisar o que ele considerava um anão e encontrou um gigante. Depois dizem que eu sou tendencioso, saudosista amrgurado e não sei mais o quê.

2 de abril de 2007

NOVOS CONCEITOS



Como vivemos numa ditadura batizada de democracia, toda a conceituação existente foi distorcida. Basta prestar um pouco de atenção para verificar que certas palavras adquiriram, pelo uso anti-ético, um novo significado, adequado ao atual estágio da vida nacional. Vamos ver algumas delas.


Reportagem – É a exibição de algum privilégio. Ô do sofá, agora vou provar esse chocolate folhado a ouro, que custa dez mil reais a unidade. Hummmm, está muito bom. Romário não sabe, mas estamos aqui no closet para mostrar os trinta mil pares de tênis dele.

Conteúdo – É o fruto da operação casada entre marketing e o que resta da redação. Exemplo: o grande grupo de comunicação (falido há décadas, mas isso não importa) faz convênio com poderosa instituição democrática patronal e mais um banco regional para prover conteúdo nos veículos impressos e virtuais. Imaginem o jornalista envolvido nisso. Precisa prestar bem atenção no que quer dizer conteúdo.

Guerreira – Mulher sem escrúpulos. Faz qualquer coisa para ficar com a bufunfa. Depois dá uma festa para as amigas socialites, que chegam com seus cachos marombados e dizem (produzem conteúdo) para a reportagem (que exibe o privilégio): “Ela é uma guerreira. Não se deixou abater e hoje é um exemplo para todos nós”.

Amigão – Pai ausente. O cara se mandou de casa ou vive na rua na happy hour (que ele chama de trabalho, porra) e de vez em quando acha que é pai americano e vai jogar algo como beisebol ou basquete com o filho. Aproveita a cena para fazer propaganda de margarina.
- Você me leva no zoológico, pai amigão?
- Claro, filhão campeão, o pai amigão leva você para o zoológico. Qual bicho você mais gosta?
- Da tua namorada, paizão. Aquela gostosa que dá de mamar aos macacos.

Ícone – Nulidade elevada ao patamar de paradigma. Ele é um ícone dos passeadores de cachorro da periferia das mansardas cevadas a dinheiro público. Fulana, ao ir à luta, transformou-se num ícone das mulheres brasileiras que querem um filho do Mick Jaegger. Num programão dominical, o apresentador rotundo (que se veste como magro) pergunta para a ex-BBB que acaba de se pelar sensualmente diante das crianças: “Você então foi à luta?” Os dois, apresentador e perigaça, são ícones.

Herói – Qualquer um que não tenha importância e possa substituir os heróis de verdade. O importante é desviar a atenção dos heróis para alguém escolhido para ser herói. Veja aqui o grande herói , o catchorro que detectou o pó da bandidagem. O cachorro pode ser eficiente como farejador, mas daí a ser herói vai um bom espaço. Enquanto isso, os nossos heróis dormem no pó das bibliotecas abandonadas.

Espetacular – É a notícia sem importância apresentada em tom grandiloqüente. Os caras que montam numa moto a 800 por hora e caem na pista, o piloto de provas que acaba com a festa se estatelando no chão, o cavalo que dá um coice no treinador, a interminável seqüência de perseguições policiais nas ruas e estradas americanas, tudo isso que não fede nem cheira, e ainda produz conteúdo redundante, é considerado espetacular.

Informação – Fulano tem a informação. Agora você vai ficar bem informado. Informação é a propaganda da capacidade dos jornalistas produzirem o que eles chamam de informação. Veja, eu sou capaz de te informar, ô do sofá. Depois do jogo, daqui a 50 minutos, vamos te informar porque o Maradona está na pior novamente. Aí você clica na internet e sabe imediatamente porque o jogador se deu mal, não precisa esperar o jogo acabar. A informação é o pãozinho quente da mídia da ditadura. A verdadeira informação está em outro lugar, jamais revelado.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: foto de Helcio Toth. Os dois garotos que aparecem de costas, em primeiro plano, é a informação excluída do evento (fora, Bush). 2. Minha resenha "O engenho como arte", sobre o livro "O ventre da baleia", de Javier Cercas, está publicada a partir de hoje, segunda-feira, dia 2 de março, na revista Cronopios.