31 de outubro de 2006

ACASO, COINCIDÊNCIA E NARRATIVA





Por pura coincidência (ou seriam os deuses do Acaso?) vi dois filmes seguidos sobre o mesmíssimo tema, apesar de, nos créditos e no Google, não existir ninguém que tenha falado que haja ligação entre eles. Um é A Ponte de San Luís Rey e outro Eterno Amor. Cada um é baseado num autor diferente. O primeiro, no ganhador do Pulitzer Thornton Wilder, que lançou seu livro em 1927. E o outro no livro de Sébastien Japrisot. O argumento é idêntico: cinco pessoas condenadas se encontram juntos no mesmo lugar para morrer. Quem são elas e por que estão lá? pergunta o narrador/investigador da Ponte de San Luis Rey, um padre que está sendo julgado pela Inquisição. Quem são essas pessoas e será que uma delas sobreviveu? pergunta a narradora/investigadora de Eterno Amor. Destino é a chave para decifrar a charada. A trama é a busca de respostas, que surgem a partir do resgate de cada uma das cinco vidas.

TRINCO - O que é uma coincidência? Você coloca a mão no trinco e sente que a porta tem vida própria. Ela está se abrindo praticamente sozinha, impulsionada por uma força fora de você. É que no mesmíssimo instante, alguém colocou também a mão no trinco, do outro lado da porta e as duas pessoas se vêem uma diante da outra, a se perguntar: porque ela teve a mesma necessidade, a mesma idéia e o mesmo impulso no mesmo exato momento? Bem, isso tem que acontecer de alguma forma, diz o Calculador de Probabilidades, que nada mais é do que o Inquisidor Científico Anti-Acaso. Magia, sinal, destino, dirá o Esotérico, que nada mais é do que o Procurador de Coincidências Reveladoras. A coincidência é isso mesmo: a porta entre os mundos, quando o caos encontra um ponto em comum e, a partir daí, uma saída. Foi Deus que decidiu punir as cinco pessoas que caíram da ponte? O noivo da mulher que vai atrás de respostas está realmente vivo? Por que ele deveria sobreviver e os outros, morrer? Por que as cinco pessoas, de vidas tão distintas, estavam juntas naquele lugar?

FRANÇA - Eterno amor foi incendiado pela crítica brasileira, a Demolidora Genocida. Por uma simples razão: o diretor, Jean-Pierre Jeunet, repetiu a dose do seu mega-sucesso Amélie Poulin, ao escolher a atriz Audrey Tautou e optar também por um filme quase todo narrado. É o seguinte: o cara pegou todo mundo de surpresa com um filme maravilhoso, encantador, um anti-blockbuster total, feito de emoção, amadurecimento, poesia, tudo regado com a música (sumida) e essa língua sem igual que é o francês. Aí as massas acorreram ao cinema. A crítica brasileira ficou mordida. O cara estava fazendo muito sucesso. Esperou o passo seguinte.

OBRA - O sujeito repetiu a dose, quer fazer o mesmo sucesso, repetiu-se? Ódio em cima dele. E essa negação não passa de uma bobagem. Jeunet é um autor com uma obra, tem o direito de fazer uma seqüência de filmes do seu jeito, como acontece com todos os grande cineastas. Era só o que faltava: os sem-noção quererem ensinar cineasta a fazer filme direito! Eterno amor é magnífico, inacreditável de tão bom. Tem performances estupendas, desde Audrey até a ponta feita por Jodie Foster. Só vendo para crer.

CAOS - Em a Ponte, até que o canastrão Robert de Niro está bem, talvez porque faça um arcebispo histriônico, que é bem do seu feitio. Mas lá estão Kathy Bates, arrasadora como sempre, e Harvey Keitel, um ator didático, que descreve seus personagens enquanto atua. O filme é de Mary McGuckian e parece confuso no início, difícil de entrar nele, pois não sabemos as intenções dos autores. Mas a idéia é essa mesma: ao resgatar a vida das pessoas que caíram da ponte, o narrador pontua um tribunal com sua narração fragmentada, caótica. Aos poucos, a história vai se afunilando até fazer sentido completamente. O padre queria saber os desígnios de Deus no episódio, para reforçar sua fé; a noiva queria saber se o noivo estava vivo, para continuar vivendo.

NÓ - A presença de cinco pessoas diferentes no mesmo local e hora é o ponto nodal de narrativas que se desdobram ao infinito quando vão para o passado, e resultam numa síntese no desfecho. Foi o acaso, a coincidência que decidiu a parada, ou há algo maior e mais complicado por trás de tanto mistério?

RETORNO - Imagem de hoje: a magnífica e encantadora atriz Audrey Tatou em cena de "Eterno Amor".

29 de outubro de 2006

DEMOCRACIA DE CONSUMO





Se houvesse democracia, não seria preciso fazer tanto marketing sobre sua existência ou benefícios. Seria real, de baixo para cima, e não essa outorga do Estamento, os donos do poder. Democracia é um produto publicitário cacifado pela ditadura. Custa uma nota, todo o dinheiro arrancado do nosso suor. Como ninguém rasga dinheiro, todos são obrigados a votar, pois imagina se ninguém aparece depois de um esquema desses que o noticiário gosta tanto, em que o eleitor pega um burro, depois um barco, anda mais 80 quilômetros a pé, sobe na árvore, dá três pulinhos para o lado oeste, só para cumprir com seu dever cívico.

POLTRONA - O recado é claro: você está aí na poltrona, na mordomia, precisa apenas dar alguns passos ou pegar um só ônibus para teclar a urna eletrônica, caixa preta fechada que ninguém sabe o que pode fazer. Veja esse cidadão ou cidadoa que cruza a floresta para apresentar seus pés descalços em frente às câmaras. Isso sim é democracia. A selva vota quase cem por cento no governo e ninguém desconfia, todos acham que isso sim é competência democrática. Acabou a fase do famoso voto dos grotões, tão querido pelos jornalistas áulicos da pseudo-esquerda. Agora o grotão é in. Nos grandes centros urbanos, o candidato do governo leva uma surra e a desculpa é que a imprensa está contra os analfabetos. Haja.

CADEIA - Todos vão para a urna conscientes de que o governo vai ganhar de lavada, pois assim definem as pesquisas. A diferença de pontos é impressionante. O candidato oficial leva uma tunda no primeiro debate e de repente o adversário rola ibope abaixo. Isso é considerado normal. Nas denúncias de corrupção, a cadeia de meliantes segue o aparelhamento de estado, em que todos são do partido do poder. Sim, sim, existem as denúncias de corrupção do lado oposto, verifique-se tudo. Mas por existir corrupção no adversário não quer dizer que o governo deva ser inocentado a priori. Tudo não passaria de perseguição, já que há ressentimento contra a ascensão social da miséria, verificada pela propaganda oficial. Crescemos só mais do que o Haiti e estamos no lugar 75 em educação e existem melhorias? Então, tá.

QUADRILHA - Você pode optar entre uma quadrilha ou outra. A quadrilha que vai beneficiá-lo mais ou menos. Você vota obrigado, de cabresto (voto útil), assiste à propaganda sobre a democracia de consumo, vê na sua vida diária como o analfabetismo grassa em todas as profissões, se assusta com o que o crime organizado é capaz de fazer, nota a quantidade de favelas que avançam sobre as outras áreas urbanas, abre o jornal todo o dia e tem essa campanha difamatória contra nossos políticos e chega à conclusão que estamos numa verdadeira democracia. Claro, democracia é assim mesmo, não vê? O que você quer? A volta da ditadura? Pois se você discordar da democracia de consumo, então você está a favor da ditadura, dizem os ditadores. Tudo melhora, as famílias ganham esmolas de cem reais para viver o mês inteiro (mas é claro que dá!) e se isso acabar será o caos. Tem que vencer, pois assim dizem as pesquisas.

HORROR - E se perder? Deus nos livre, assim ficaremos, nós o povo, sem nosso paizão, tão convincente quando mente sem parar todos os dias e a toda hora. Ficaremos à mercê dessa súcia que está há 500 anos sugando o país. Esses horrorosos que não vêem que nunca antes neste país houve um país, só agora temos um país neste país. Aquiqui ou lalá(drão), sem medo de ser perdiz. Digo, Paris.

RETORNO - 1. É uma pena que esta bela data, 29 de outubro, em que completo 58 anos, seja dedicada ao voto obrigatório e útil. Mas hoje é dia do livro também. Viva o livro! 2. Imagem de hoje: cena do filme Lavoura Arcaica.

28 de outubro de 2006

SUCATA DE PESSOAS E NAÇÕES





O bom de ver filmes em dvd é que podemos assisti-los sem nos preocupar com o gênero a qual deveria pertencer, nem com os prêmios que ganhou ou perdeu. O disco caseiro te deixa livre dos festivais ou das noites de gala. Te devolve o gosto de ver sem que interferências variadas digam qual o tipo de percepção que deveríamos ter. Gosto principalmente de filmes fora dos grandes centros. Nesses, seja qual for a nação que produziu a obra, um tema é recorrente: a destruição de pessoas e nações promovida pela globalização. Esta, é o esplendor do velho imperialismo. Conseguiu acabar com as economias nacionais, tungando-as de seus recursos e estabelecendo um vínculo permanente de dinheiroduto que corre pelas veias abertas do sistema financeiro virtual e real. Destruiu identidades nacionais e desmoralizou o passado, já que a memória (não a saudade) é a grande concorrente da atual situação de miséria cultural a que fomos reduzidos. Seja na Argentina ou na Finlândia, esse é o tema dos filmes que nos encantam e nos fazem ter esperança de que há consciência desse massacre, primeiro passo para tentar reverter o pesadelo.

METÁFORA - O Homem sem passado (2002), de Aki Kaurismäki, é metáfora dessa destruição. A economia finlandesa destruída oferece um quadro de incerteza e miséria, com empresários falidos, bancos sendo vendidos para a Coréia, falta de comida, moradia e emprego, violência social, desemprego e principalmente amnésia. O protagonista (Markku Peltola, ótimo na sua performance de gigante quase mudo , triste e determinado) foi assaltado e perdeu a memória devido a um golpe na cabeça. Sem vínculo com sua vida anterior, recebe a solidariedade de uma família e do Exército de Salvação, onde encontra uma namorada (Kati Outinen, premiadíssima com esta atuação). Mesmo sabendo depois o próprio nome e o lugar onde pertencia, preferiu a nova vida, onde encontrou um ambiente que o acolheu. A escassez e a solidão das pessoas sucateadas gerou novos caminhos: maneiras diferentes de ganhar a vida, rumos não tradicionais, sintonia de gestos e falas e resgate de culturas perdidas, principalmente a música finlandesa, com canções de quebrar o gelo.

DENÚNCIA - Conseguir dar a volta por cima não é um elogio para a adaptação aos tempos duros de hoje, e sim uma denúncia. Significa que a nação persiste dentro de seus cidadãos perseguidos. A metáfora funciona como a vida possível que acontece depois da morte certa. Pois o protagonista apresenta-se morto no hospital que começa a providenciar seu funeral. Ele se levanta da cama e vai para ao subúrbio de Helsinque. Ex-operário da indústria nacional destruída, ele agora quer ser empresário de música, ter uma conta bancária (o que fica difícil por não se lembrar do próprio nome) e ter alguém com quem compartilhar o próximo inverno. Todos vivem num limbo, na ressaca da globalização, esse conto do vigário monumental que acabou com os países e enriqueceu meia dúzia de espertalhões.

HUMANIDADE - Foi isso o que eu vi ontem bem no horário do debate na TV aberta. Preferi viajar para Helsinque, num filme encantador e memorável, sem aquelas ridículas cenas de blockbusters americanos (onde sempre há, obrigatoriamente, desculpe insistir, tenho verificado isso diariamente, a cena do mijo, seja em que momento for do filme). No trabalho feito pelos finlandezes, ninguém mija em cena, ninguém explode coisas e sai correndo com a cara séria e o olhar cool, Há humanidade em cena, gente precária. Não há galãs nem estrelas, mas atores, atrizes, músicos, e um cineasta de primeira. Walter Salles adorou o filme e disse que era o melhor dos últimos tempos. Quando vi essa frase na locadora, fiquei ainda mais resolvido a ver. Pois Walter Salles já nos deu tantos belos filmes e seus textos e opiniões sobre cinema e a situação política é sempre de primeira. Mas não fui pela recomendação, fui porque estava fora do circuito, porque da Finlândia nunca tinha visto nada.

PERGUNTA - O debate? Só vi o início. "Sua pergunta é muito importante, Rutilene". Zap!

RETORNO - Imagem de hoje: Kati Outinen e Markku Peltola em cena de "O homem sem passado". A resistência em tempos sinistros.

27 de outubro de 2006

OS MATERIAIS DO SONHO






EXTRA: A publicação no Comunique-se da resenha de Urariano Mota sobre "O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento", provocou o seguinte comentário de Pedro Bondaczuk, editor do espaço Literário deste site de e para jornalistas: "Perfeita a análise das crônicas de Nei Duclós, um autêntico mestre do gênero, que precisa ser lido e estudado por todos os que pretendam se aventurar nesse campo literário. Parabéns a ambos. Ou seja, ao Urariano, pela sua lúcida análise e ao Nei Duclós, que a suscitou". Quando um retorno desse nível acontece, o autor só tem a agradecer e ficar emocionado. A seguir, a crônica de hoje:

A realidade define o perfil dos sonhos. O que vivemos, onde trabalhamos, com quem conversamos, por onde trafegamos formam a massa que se cristaliza na imaginação sem controle que é sonhar, dormindo ou acordado. Não dominamos o ofício do sonhar, criatura autônoma, mas totalmente vinculada ao mundo físico formatado por nós e nosso destino. Por mais que você delire, é o real velho de guerra que enche todos os vãos do teu edifício virtual e não adianta espernear: na outra encarnação, não foste Julio César.

Por que a realidade é tão esnobada por nossas certezas sobre arte? Porque ela nos desafia e assusta, exatamente por ser a pobreza amarrada a um burro de carga. A canga bruta faz com que fiquemos à parte, de olho vidrado num céu de vãs esperanças. O real é como lixo no quintal da infância. Estamos sentados ao lado de coisas sem uso, com um graveto na mão para pesquisar o que tem no punhado de cacarecos. Talvez abaixo de tudo haja um pouco de terra macia, e lá possamos retirar a pedra lisa e transparente. Seria o nosso sonhar, não fosse a pedra o fruto mais bem acabado do chão que nos serve de sustento. Talvez o sonho seja isso: de tanto se impregnar de terra, ele se transforma numa ametista, que olhamos contra o sol para ver se a luz se comporta como bailarina.

MEMÓRIA - Entre os materiais do sonho, existe a memória, que é o acervo de vivências reais cruzando o tempo e que se acumulam em você de maneira inexorável. É como lixo orgânico, capaz de servir de insumo para pensamentos e ações saudáveis. Hoje há um rio de memórias percorrendo os textos. Pessoas ainda jovens sentem saudade do país que eles vislumbraram e lhes escapou das mãos. Pomares, jogos infantis, bairros, tudo o que é sólido na lembrança é invocado pelos que ainda têm uma légua de tempo para cumprir. É a certeza de que o mundo se acaba e que para se manter vivo é preciso trazer de volta o que nos foi levado. Nem se trata mais de saudade, mas de sobrevivência.

CHOUPANA - Outro material do sonho é a esperança. Se você a perdeu, é a hora do pesadelo. Necessitamos de momentos mínimos para cevar janelas para sair um pouco de tanto sufoco. O problema é que a esperança, como tudo do sonhar, vêm da realidade e se esta não te dá uma chance, fica difícil encontrar um espaço para tua vontade de transcender tudo, com tuas palavras, inspiração, coragem, tesão. Quando o real conspira contra nós, a esperança se ilude com alguns acenos, mas acaba caindo na mesmice. A saída é romper, na realidade, o que nos limita, mas toda ruptura inclui risco. Cuidado, há um farto desequilíbrio por toda a parte. Quem sabe em outras pessoas existe mais madeira para essa choupana à beira-mar chamada esperança, em que é possível encarar o mar com alegria, enquanto a presença alheia compartilha conosco o sonho de estar vivo.

LANÇAMENTO - O leitor chegou ontem, no meu lançamento, se identificou como Gastão e me alcançou o livro que tinha comprado, para que eu autografasse. Disse que gostava do que escrevo pelo cuidado com a linguagem, que hoje está atirada por aí. Lê meus textos no Diário Catarinense e assim como chegou, saiu. No evento, fui brindado com presença da família Paulo Ahrenhardt, representada pela jornalista Janaina e o seu pequeno Eduardo, de nove meses, que foram levar seu abraço para o autor. Pelo celular, recebi os cumprimentos de Paulo Ahrenhart, marido de Janaina e pai de Eduardo. Paulo mexeu profundamente no mercado jornalístico de Florianópolis ao assumir como editor-chefe do jornal Notícias do Dia.

Ao meu lado também contei com a presença de Marlon Assef, homem de Livramento que eu, só para implicar, digo que é um bairro da Grande Rivera (ele ri, o fronteirista). Marlon e Janaina são mestrandos em História na UFSC e a conversa correu solta e cheia de idéias e planos. Eis o gesto carinhoso de pessoas queridas, que gostam do que escrevo e sabem o quanto é importante levar um abraço, uma palavra de estímulo. É bom ter ao lado pessoas que não se conformam com a imobilidade e tudo fazem (ou pelo menos, sonham) para que o mundo gire.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: cena do filme Geração roubada (2002), de Phillip Noyce. Crianças fogem, na Austrália dos anos 30, do racismo inglês. Elas tinham um sonho: voltar para casa. Para isso caminharam 2.400 quilômetros, despistando os rastreadores e seguindo a longa cerca que dividia o país entre fazendeiros e as "pragas" naturais. Filme maravilhoso pontuado pela música de Peter Gabriel.2. Mestre Moacir Japiassu coloca trecho do meu poema "Surrei a vida" como epígrafe da sua coluna Jornal da Imprença desta semana. No seu Blogstraquis, o poema, que faz parte do meu livro "No Meio da Rua" (L&PM, 1979), na íntegra. 3. Deu na Folha de hoje: Júlio Medaglia, maestro: "Duprat foi bem mais que um músico, foi um filósofo bem-humorado. Infelizmente se desencantou com a porcaria que a música brasileira virou depois dos anos 60 e 70, e preferiu ficar surdo. Foi um protesto contra a barbárie. A morte dele também é um protesto..."

25 de outubro de 2006

O REFÚGIO AVANÇA





Notícias sobre O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento (Editora Cartaz, 150 páginas). Nesta quinta-feira, dia 26, a partir das 19 horas, autografo na Livrarias Catarinense, no Shopping Beira-Mar Norte, aqui em Floripa. Desta vez, o encontro vai ser regado a vinho, não perca. E no dia 3 de novembro, a partir das 17h30min, na Feira do Livro de Porto Alegre. E a revista cultural Cronopios, dá destaque para a bela resenha de Urariano Mota sobre o livro. Também nesta quinta-feira, o caderno Variedades, do Diário Catarinense, divulga meu lançamento com magnífica matéria sobre o livro e o autor, um espaço generoso que agradeço aqui aos jornalistas Dorva Rezende, Marcos Espíndola e Claudio Thomas.

LAGOA - De José Onofre, recebo a seguinte mensagem sobre o Refúgio: "Li e gostei muito. Comecei, claro, pelo pampa,que é o nosso mar original e vi que tudo que eu gostaria de escrever um dia sobre ele já tinha sido escrito e publicado. Foi uma experiência muito especial e que só pode ser compartilhada com a própria leitura. Quando descreves Cacequí, tive a minha madeleine, por um bom tempo. Embora o pampa já tenha tido poetas e ficcionistas como Borges, teu texto me poupa de citá-los. Depois fui ao príncipe e me encaxei neste mundo como um peixe. Mas acho que o texto é uma sinopse de um poema épico. Sem dúvida um belo texto, mas aprisionado, como uma lagoa que pede um oceano. Foi preguiça? Acho que sim. Bem resolvido, um texto impecável, mas deixa pistas, claras, de que está pedindo pista e eu acho que se já não estás, devia começar a meditar sobre o assunto".

É verdade, Onofre. Já me falaram que o conto pedia mais, pela quantidade de coisas que sugere. Mas fiquei nessa versão original, preso a ela por fidelidade à inspiração que me entregou a história pronta. Seu comentário me enche de esperança, pois José Onofre é o que se chama texto maior. Admirado por Luis Fernando Veríssimo e inúmeros outros leitores ilustres, Onofre promete novo romance. Já avisei: quero ser o primeiro a ler. Estou na fila do gargarejo. E seu romance policial, Sobra de Guerra, clama por uma nova edição.

SEPÉ - Cultura é o encontro entre pessoas. O resto, livros etc., é pura conseqüência. A quantidade de trabalhos literários gerados pela Feira do Livro de Uruguaiana, por exemplo, é impressionante. Luiz de Miranda, Tabajara Ruas, eu, entre outros, escreveram muita coisa a partir do que foi conversado lá. De Ubirajara Raffo Constant, recebo seu lançamento sobre Sepé Tiaraju, em que ele denuncia o falso mito sobre este que foi, segundo ele, apenas um combatente das armas dos jesuítas e da Espanha, e não um herói riograndense, como dizem. É uma obra forte, com muitas denúncias e que precisa ser conhecido, como tudo o que Bira escreve e publica.

ZEN - De mais a mais, daqui a pouco entre em recesso, pois trabalhei demais nestes últimos 15 meses. Preciso me realimentar um pouco. Faço 58 anos no próximo dia 29 e aguardo presentes caros, desses que ficam, especialmente livros. Lembrancinha não vale. O Diário da Fonte continua, mas entro em fase um pouco mais zen. Cartas para a redação.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: a capa do livro, de autoria de Juliana Duclós, que também fez o projeto visual e a diagramação. 2. Claudio Levitan já confirmou presença na Feira de Portinho. Don Martini e demais blogueiros da cidade: todos lá!

24 de outubro de 2006

A TAL DA COMUNICAÇÃO





Escutar o outro, só se você se apropriar do assunto que ele aborda. Para isso, faz-se o seguinte: se interrompe a narrativa para trazer as palavras para o seu redil, já que é inadmissível que o interlocutor domine a conversa. Quebrando as frases com perguntas que vão levar o tema para o seu território, você consegue desatar o foco e então fica fácil dar xeque mate: dispersar o que o outro está dizendo e impor a sua própria versão, não obrigatoriamente sobre o que se está falando, mas principalmente sobre outras áreas. Assim você esvazia o camarada e fica dono da conversa.

ENTÃO - Se o cara insistir, finja que não está entendendo nada. Se estiver em grupo, olhe para quem está a seu lado com a expressão de "o que esse sujeito está dizendo"? Fazendo isso várias vezes, você consegue eliminar a concorrência e assim pontificar sempre. Usar o grupo é muito eficiente. Você está conversando com os camaradas, chega alguém e todos fazem súbito silêncio. É mortal. Outro expediente ótimo é vibrar profunda indiferença, sem sequer virar o rosto na direção de onde vem a voz. Ou então carregar o cenho e olhar fixamente, mas sem prestar a atenção. Só depois de o cara terminar de falar, você diz: então..e recomeça o papo no ponto em que você parou, sem dar a mínima importância para a interferência da pessoa que está na sua frente.

MARX - Quando cheguei na idade universitária, nos anos 60, a moda era a palavra comunicação. O cineasta da falta de comunicação era o Antonioni. A comunicação na sociedade de consumo, diziam. Sabemos onde foi tudo isso parar, em ditadura. A comunicação concentrou-se no monopólio e o consumidor substituiu o cidadão. A moda era para peitar as ciências humanas orientadas pelo marxismo. Deu certo. Hoje você fala em Marx e as pessoas têm urticária. Não deveria. Marx é leitura obrigatória, como qualquer pessoa letrada sabe.

ISSO - Hoje estamos às voltas com a complementação automática das frases, o que é absolutamente anti-científico. A cultura digital ajuda: quantas vezes o word completa suas palavras? Jamais você pode escrever ISO 9000, sai sempre ISSO (você precisa voltar e corrigir). É assim com as pessoas: você inicia uma frase e sempre tem alguém completando. O recado é simples: o que você fala não tem importância, eu já sei, já vi no google.

MAPA -Esse caos chega ao esplendor na política. Não há diálogo, só interesses. Não há informação, apenas ataques e denúncias. O país vai a bancarrota, deve os tubos, cerca-se de violência e miséria e os caras estão às voltas com o próprio umbigo. É que nada resta a fazer entre os políticos, senão cuidar da própria vida. O país já foi rifado e nada mudará. Há prefeituras que se destacam, mas no geral é a decadência urbana e rural. Crescendo apenas mais do que o Haiti, que é miserável e está em guerra, o Brasil é a frustração do mundo. Mas ao mesmo tempo é o seu rabo. Num mapa mundi biológico, em que o Brasil ocupa o rabo (vejam a página O Olhar estrangeiro, na Folha de domingo: o que aparece? Mulheres, bundas), os Estados Unidos são o grande nariz cheirador, a China são os braços que a tudo querem abarcar, as orelhas (grandes) são da Inglaterra, as bochechas rosadas são da Alemanha, os ombros são da Itália e suas estátuas clássicas, os pés são os países africanos. E assim por diante. Complete o mapa.

RETORNO - Imagem de hoje: O Brasil, pela lente de Marcelo Min.

23 de outubro de 2006

NO LUGAR DE PROPOSTAS, PESQUISAS





O eleitor não se orienta por propostas, mas por pesquisas. A pesquisa transforma cada eleitor num pseudo-estadista, repassa um poder que ele não tem. É como jogar Monopólio ou vídeo game. Aparentemente, você está no comando, mas quem criou o jogo e o colocou perto da sua mão é quem dá as cartas. Mas fica a impressão de que podemos decidir quem vai ganhar. Não vou votar nesse que fala em educação, pois vai perder. Nesse que não tem chance, nem chego perto. Vou votar contra ou a favor de fulano, que tem xis intenções de votos. Votando em quem tem mais valor na pesquisa (que agrega falsos valores aos candidatos), também o eleitor se sente valorizado. Ele está aderindo a um voto que tem toda chance de ser vencedor. Ninguém quer ser perdedor, ficar na rabeira da votação. A pesquisa escolhe quem fica ou quem está no páreo. Normalmente funciona.

VENENOS - Nas pesquisas mais perto da data da votação, as intenções de voto já estão contaminadas pelos resultados anteriores. Então as pessoas consultadas se voltam para quem está nos primeiros lugares. A pesquisa se retroalimenta, usando o pesquisado como insumo. Isso tudo é uma fraude, mas é como os venenos de última geração, que não deixam pistas. Parece não haver crime, pois a amostra é real, as respostas são respeitadas e a totalização é legítima. Mas como a pesquisa é um esquema de manipulação de voto, o certo seria proibir esse tipo de sacanagem e colocar na cadeia quem furar o bloqueio. Imaginem uma grande votação sem pesquisa. As pessoas, a princípio, ficarão desorientadas. Quem está na frente, em quem preciso votar para ser também um vencedor? Seria uma revolução. Primeiro, proibir pesquisa. Segundo, liberar o voto, ou seja, não obrigar ninguém a votar. Aí sim teríamos democracia.

COLUNISTAS - O que impressiona é como os jornalistas adoram pesquisas. A explicação é simples: não temos jornalismo, o que há é marketing sob todas as formas e disfarces. Como não há jornalismo, há certezas graníticas sobre tudo. É só ler os colunistas. São peremptórios em tudo o que dizem. Sabem tudo, decifram tudo, sacam todas. Não têm dúvidas. A pesquisa nesse ambiente é uma espécie de lei. Dão de barato que a pesquisa é rainha e fazem todos os comentários em cima disso. Ou seja, ajudam a alimentar o monstro, que já vem com a pança cheia da origem. E não adianta se insurgir contra a pesquisa, ela tem credibilidade pelas razões que expus acima. É preciso se insurgir contra o mal que ela faz ao eleitor. Por ser uma espécie de bíblia das eleições, ela acaba gerando um fundamentalismo. Pois deveriam parar com isso. Como parar com isso se são tão poderosos? Também não adianta criar outros institutos de pesquisas, todos vão repetir o mesmo erro, o de influir nos resultados. Portanto, cut!

TRISTEZA - A campanha eleitoral é de uma pobreza infinita, entristece o país continente que já foi soberano. Falam em educação-saúde com um desplante assustador. Falam em gerar emprego! Governo não gera emprego, apenas emprego público. Emprego é gerado pelos cidadãos, incentivados por políticas públicas. Governo pode gerar emprego em rede para a massa de servidores que estiverem lotados numa infra-estrutura decente, um sistema ferroviário, saneamento, construção civil etc Mas jamais deveria ser dito que é o governo que gera emprego, isso confunde a opinião pública. Nem que gera rendas. Quem gera renda é a cidadania tungada de seus direitos, arrochada por um esquema draconiano de arrecadação de impostos. O governo pode incentivar a distribuição de renda por meio de uma gestão política eficiente. São coisas básicas, que contrariam o atual bacanal de dossiês e contra-dossiês. Vi jornais dominicais ontem. São toneladas de papel sobre a campanha política. Quem se importa? O voto já está decidido pelas pesquisas.

RETORNO - Imagem de hoje: Avenida Roberto Marinho, em Sampa, de Marcelo Min.

22 de outubro de 2006

PÃOZINHO MAIS CARO





Lula ganha um milhão de novos votos por dia, dizem as pesquisas, e os jornais repetem a nova grande verdade. Inquestionavelmente será eleito, diz um jornalista. Ou seja, não precisa nem ir na urna, as pesquisas já decidiram. Obedeça. E prepare o bolso. O pãozinho vendido por peso é mais caro: foi o truque de aumentar o preço mudando o parâmetro. E é lei. Se o cara vender o pãozinho a 15 centavos (e às vezes a 12, como acontecia perto de casa), será multado. Talvez preso e fuzilado ao amanhecer. Tinha padaria que tentava vender a 20 centavos cada pãozinho, mas os fregueses sumiam e ele precisava voltar ao patamar antigo. O pãozinho ficou estável até agora, quando descobriram a pólvora.

O pãozinho era o último reduto da alimentação barata. Em feriadão, dezenas de pessoas se comprimiam na padaria com moedinhas na mão, para levar comida para casa. Agora já Elvis. Eles te raspam os trocos. Te batem a carteira, te deixam sem comer. Eles somem na hora de pagar. Eles cobram caro, te sugam, depois te esquecem. O mercantilismo brasileiro é um estupro, alimentado pela publicidade. O marketing fajuto usa lencinho no pescoço e diz que é revolucionário.

SATIE - O Orkut tem boas comunidades, de pessoas eruditas sobre os temas que escolhem. A de Erik Satie, do qual andava esquecido, é ótima. As de Pierre Bourdieu e Michel Foucault, são também excelentes. Participo como ouvinte, sei muito pouco sobre autores e gênios. Onde eu estava? Ah, nas eleições. Blog portoalegrense faz campanha para voto nulo, é o Esgrimista das Palavras (de Leandro Belloc, descoberto por meio do blog de Kellen Moraes). A palavra blog foi apropriada pelo sistema de exclusão política e cultural do Brasil. É grave, pois quando há um consenso dos poderes sobre determinado assunto, nada poderá erradicar ou reverter essa decisão.

TÉDIO - Ante-ontem ( por que usam tanto a execrável expressão dia desses?), alguém se insurgiu contra minha expressão "democracia brasileira", em que eu lamentava o segundo turno. A pessoa disse que toda democracia é assim, veja os Estados Unidos, a França, Alemanha etc. A monotonia e a falsidade ideológica faz parte da verdadeira democracia então. Temos que nos conformar? Mas não é sobre isso que quero falar, mas sim sobre os blogs da grande imprensa, que são apenas coadjuvantes do conteúdo principal, que é pago, só se tem acesso a ele se você pingar no cofrinho das grandes empresas. O blog fica assim um refresco, uma coluninha social de variedades, alguns causos de bastidores e muito, muito marketing pessoal. Não deveria ser assim. O blog deve ser usado para valer, entrar no primeiro time e não ser apenas um coadjuvante, um refresco.

LANÇAMENTO - Vou lançar meu livro de contos e crônicas O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento (lembram dele?), no dia 3 de novembro, às 17h30min, na Feira do livro de Porto Alegre. É bem no miolo do feriadão. Ou seja, há boas desculpas para não comparecer. Mas se forem, será um prazer, para encontrar as pessoas, conversar. Até agora, a grande imprensa ignorou solenemente o livro. É o de sempre. Somos escritores por direito divino, uma lei não reconhecida pelos que comandam os cadernos culturais. Ei, colegas, o que há? É o terceiro livro que lanço em cinco anos e nenhuma, digo, nenhuma resenha foi publicada na grande imprensa sobre nenhum, insisto, nenhum dos três. Enquanto outros autores, bastam ter três meias linhas numa antologia minimalista para ganharem uma edição especial. O que é preciso fazer? Tocar um tango argentino? Não, tango não. Esse tema causa desconforto. Da última vez que falei em tango, houve uma sucessão de tempestades. Então, tá.

RETORNO - Imagem de hoje: domingo é dia de ir à missa na Catedral de Santana, em Uruguaiana (foto de Anderson Petroceli).

21 de outubro de 2006

UMA PILHA DE LIVROS





Nei Duclós

Uma pilha de livros, todos atirados, saindo do saco sujo de sangue, no piso da padaria, atrás daquele troço que mostra os doces e salgados...como é mesmo o nome? Não é balcão, é uma cristaleira enferrujada. O inspetor Murrinha não dominava as palavras, desconhecia seus significados, por isso vivia rodeado de objetos sem nome, que precisavam ser descritos para se fazer entender.

- Ok, Murrinha, entendemos, os livros estão num canto, escondidos e só tu viu. Agora continua o relato.
Não fosse gago, Murrinha passava uma lição de moral no Gordo, que sempre arrumava um jeito de acabar o seu prestígio. Não fosse gago e coxo, talvez pudesse comer a mulher do Gordo. Seria sua vingança.
- É imppppportante saber de onde eles caíram.Eles caíram de cima dessa cccccccristaleira enferrujada, compreendeu? E ficaram no canto, onde ninguém viu, só eu.

O Gordo olhou para o lado, onde estavam dois policiais, que participavam da investigação. Usava um palito pendurado na boca. Abriu as mãos em forma de leque, dizendo bem casual:
- Entendemos...
Murrinha sabia: seu argumento não pesava, sua descoberta agora era dele, Gordo, e praticamente estava fora do trabalho. Dera duro, tinha vindo na primeira hora, estava a postos quando notou algo estranho, o brilho néon de um papel duro. Só então viu que era a capa envernizada de um livro. E mais outro. Havia um tesouro exposto com suas luzinhas naquele cantinho. Eram livros de negócios, auto-ajuda, como é mesmo nome? Livros que te conduzem para a inteligência visceral, emocional, ou sei lá o quê. O que fazia aquela pilha de livros esquecidos no lugar onde houvera um assassinato?
- Suicídio, corrigiu o Gordo. A balconista se matou.
- Com dddddois golpes na cabeça? Vvvvvai ver o primeiro não pegou direito aí ela mmmmandou ver de novo. Tttttodo mundo tem direito a uma ssssegunda chance, não é Gggggordo?

O rotundo inspetor-chefe olha para o nada com seus olhos de sampacu. Murrinha não era o problema. O problema era a imprensa. Já estava se sobreaviso. Dali a pouco chegariam as barbies segurando microfones, loucas para dizer afinal, afinal, afinal.
- Afinal, foi morte natural, disse o Gordo no fim da entrevista.
Houve uma gritaria geral:
- Como morte natural?
- Quero dizer, é natural que tenha morrido, depois de perpetrar suicídio. E chega por hoje. Vão ver se caiu algum barraco na zona leste.

Psssst. Murrinha era péssimo com a mulheres, não acertava uma. Queria chamar a atenção da repórter, mas só sabia dizer psssst.
- O senhor está me chamando, quer falar comigo, tem a ver com o caso?
- Vvvvvamos tomar um café. Vem aqui. Mas sem o câmara, o motorista, o segurança e o microfone. Só tu, só tu.
A mulher ficou desconfiada. Assim mesmo obedeceu. Foi para o canto da padaria, atrás dos gestos de vem por aqui do estranho policial, que usava chapéu de feltro e capote até os pés.
- Oooooolha ali.
- Não estou vendo nada.
- Cccccomo não? Não vê o saco cheio de livros?
- Ah, é verdade, o que tem?
- Nnnnão acha estranho uma pilha de livros numa padaria onde houve um cccccrime?
- Não. Por quê?
- Tu é mesmo repórter policial?
- Não, eu cubro shopping. Mas me disseram para vir aqui.
- Como assim, ccccobre shopping?
- Sabe dia das mães, da criança, Natal, Ano Novo? Eu faço o link do shopping. Pergunto se vale a pena e eles respondem vale a pena. Também cubro clima. Pergunto se está frio e eles respondem está frio. Nada a ver com isso aqui.
E fez uma cara de nojo.
- Mas os livros devem significar aaaaalguma coisa, tu não acha?
- Ah, isso deve, mas não é minha área.
E se retirou. Murrinha ainda ficou olhando para ela, depois para o saco sujo de sangue. Tocou com o pé uma capa branca, brilhante, que tinha no título a palavra Você bem destacada.
Mas tu é burro, hem Murrinha. Em vez de investigar, quer colocar a imprensa nesse caso. Falava consigo mesmo, não atinava o que iria fazer dali em diante.
- Murrinha, quer carona? Vamnbora para a delegacia. Os protocolos te esperam. Quero um relatório disso aqui, rápido.
- Vvvvvai tomar no cu, Gordo.
- Como é?
- É o que eu fffffalei. Vai tomar no teu cu gordo.
Os dois comparsas do inspetor chefe fizeram gestos de que iriam cair em cima do abusado, mas o Gordo pediu calma. Olhou o desafeto de alto a baixo e lascou:
- Vê se some da vida policial, Murrinha. De hoje em diante você está por sua conta. Nem me aparece lá. Vais receber tudo pelo correio. Fica em casa vendo sessão da tarde. E ó, leva a pilha de livros. Quem sabe você acha uma pista.
- Vvvvvou levar mesmo. Aqui está a cccchave do mistério.
Todos riram. Sabiam que Murrinha lia romances policiais antigos e vivia enchendo o saco com aquela arenga.
- Vai cagar pedra, Murrrinha, gago, manco, imbecil. Vai procurar tua turma.

Murrinha ficou só na padaria, junto ao saco de livros. Com fúria, jogou toda a pilha no chão ainda ensangüentado.
Do fundo do saco, agarrado a um manual de neurolinguística, lá estava ela, a arma do crime: uma faca bem pontuda e afiada, dessas de cortar queijo.
Murrinha pegou um lenço, se abaixou e pegou o material. A faca estava com riscos de sangue, pois tinha sido raspada na capa do livro de neurolinguística. O assassino tinha confiado na polícia: bastava colocar a arma do crime num saco que ninguém iria suspeitar de nada.
- O fiadaputa deu duas cutiladas na cabeça da vítima, disse que a coitada se suicidou e todos acreditaram!
Foi quando Murrinha se virou e teve tempo de ver ainda a cara do dono da padaria, com um rictus no canto da boca, apontando uma arma para ele:
- O Gordo fez uma encomenda. Mandou te matar, te colocar no saco junto com os livros, te atirar no rio, que ele livra a minha barra.
Murrinha não podia escapar, era manco . Não tinha condições de gritar, era gago. E se revidasse e se desse bem, iriam acusá-lo dos dois crimes, o da balconista e o do patrão dela. Por isso suspirou e levou um tiro enquanto folheava um livro que encontrou no meio da pilha. Era uma brochura toda carcomida. Uma velha revista de casos policiais.

RETORNO - Imagem de hoje: o cara.

20 de outubro de 2006

A MESMA SÚCIA DE SEMPRE





Há sempre um álibi perfeito para qualquer manipulador da História ou da Política. Basta citar Getúlio Vargas para que tudo faça sentido nas cabeças de minhoca que sentaram em cima da nação. Bolsa família? Getulismo tardio. Promoção do medo como moeda eleitoral? Lembrai-vos de 1937! Baixar as calças para a China, deixando que invada o país com suas porcarias e interfira nas indústrias com as facilidades permitidas pelo governo brasileiro entreguista? É permitido, pois Getúlio teve o desplante de implantar um parque industrial. Dizem que ele interferia na economia. Getúlio inventou a moderna economia, tirando o país da roça. Não interviu, pois não existia parque industrial, criou. É só fazer tudo ao contrário e, na hora do voto, se precisar, elogiar o grande presidente. Porque essa sobrevivência do horror a Getúlio? Porque 1964 foi dado contra sua a herança política. Como 1964 continua em vigor, é preciso fazer a manutenção e isso está a cargo de todos os pretensos formadores de opinião. Nenhum deles defende, todos atacam. Porque é o consenso da ditadura a qual servem.

NACIONALISMO - Um erro básico e recorrente é achar que a ditadura atual é fruto do que diziam ser ditadura na época getulista. É exatamente o contrário. O Estado Novo zerou a dívida externa, consolidou as leis trabalhistas, elevou o salário dos trabalhadores a um patamar europeu, manteve, em defesa dos interesses do país, uma política de independência em relação às potencias em guerra, lutou de armas na mão contra o fascismo e não matou as personalidades que prendeu. Graciliano Ramos, Luis Carlos Prestes, Monteiro Lobato, Pagu, todos saíram vivos da prisão. Olga, que participou de um golpe de estado, por ser alemã foi devolvida à sua terra, conforme ditavam os acordos da época, antes de ser desencadeada a guerra. O Estado Novo foi um golpe de estado do Exército nacionalista contra a ameaça nazista, que tinha grande influência nas Forças Armadas. Sem Estado Novo, nos alinharíamos com Hitler, como aconteceu com a Argentina. Foi um período de exceção numa época de exceção, conflagrada pelo grande conflito mundial. Não foi, portanto, a semente da sacanagem de 64.

INTEGRALISMO - A sacanagem que está aí foi dada para evitar que Getúlio continuasse influenciando o Brasil. Vivem enchendo o saco com o culto à personalidade do chefe do Estado Novo. Esquecem que a iconografia nazista e fascista, a ideologia totalitária européia, exercia grande fascínio no Brasil. Uma vez vi uma centena de fotos de uma visita de Plínio Salgado a Blumenau. São impressionantes. Milhares de pessoas uniformizadas faziam a saudação nazista. Costumam misturar Getúlio com integralismo, mas o presidente do Brasil Soberano foi atacado pelos integralistas, que cercaram e tirotearam o Palácio do Catete. Para contrapor essa influência gigantesca das potências da direita, Getulio criou a mitologia nacionalista do Estado Novo, que nos deu grandes obras, a começar por Aquarela do Brasil, nosso hino nacional informal, até hoje amado por todos. Estou justificando o Estado Novo? Não, estou colocando dados que ninguém jamais coloca. Não é costume pensar o Estado Novo estudando direito a época a qual pertence. Só querem usar o regime para justificar a bandalheira de hoje. Veja como somos democratas e anti-getulistas. Votamos para presidente e temos Congresso! Dá licença que vou vomitar. Votamos útil (de cabresto) para todos os cargos, pré-ocupados pela súcia de sempre. O Congresso é o resultado dessa situação.

POÇO - É chato insistir nesses assuntos? É. Mas precisa ser dito. Os caras, todo dia, atacam o Brasil Soberano. Adoram a merda que inventaram. Nela estamos afundados. Mas sairemos, um dia.

RETORNO - Imagem de hoje: em 1935, em pleno governo legítimo eleito por uma Assembléia Constituinte, a direita promovia manifestações de massa como esta, dos integralistas, em Blumenau. Uma vez vi todas as fotos do evento, mas não ficaram comigo. Agora encontrei alguma coisa na internet. Impressionante. Contra o fascismo e o nazismo foi dado o golpe do Estado Novo e não o contrário. Mas a súcia mistura tudo.

18 de outubro de 2006

GESTOS NA PAISAGEM





É possível que o sujeito esteja apenas checando as horas que dispõe, com os ponteiros do relógio do terminal. Mas a maneira como faz isso é que chama a atenção. Ele torce o braço, que imita movimento de cobra, com a mão virando uma espécie de cabeça crispada e dura que só falta vibrar a língua como cascavel. Arqueia e levanta o conjunto todo, do antebraço aos dedos. Seu objetivo é deixar o pulso, agora à meia altura, à mercê de uma consulta que irá fazer quando bem entender. Pois parece que ele fez aquele gesto para ver as horas, mas isso pode esperar. No momento ele está de perfil para a paisagem, olhando fixo e fundamente para algum ponto em frente. A barba grisalha, o cenho carregado, a absoluta seriedade de quem está plantando no mundo como um baobá, faz de sua efígie a imitação do Imperador Augusto, de Roma.

Ele fica assim com seu pulso à disposição, aguardando uma decisão, por um tempo que parece infinito. Depois, lentamente, volve a cabeça e o olhar para o relógio, quando então verifica as horas, como se estivesse auditando o andar do Tempo. Fica fuzilando o registro dos segundos, agora todo curvado sobre seu objetivo. Depois esquece o braço, que cai aos poucos, inerte, para junto do seu corpo. É assim que agem as pessoas que habitam a terra. Tudo são ordens e meticulosa peformance, para que a paisagem obedeça aos seus ditames. Isso acontece porque somos um país de escravos, em que todos procuram demonstrar que são donos do mundo.

MAJESTADE - Na praia, as pessoas caminham crispadas pelo design de um corpo acostumado a se apropriar de tudo ao redor. O cara que no escritório, no trânsito, em casa, é o manda-chuva, acha que os objetos, pessoas, edifícios, tudo fique existe em função do seu andar e suas vontade. Então ele coloca a roupa de caminhar acompanhado dos badulaques como celular e outras coisas e anda como se estivesse ordenando o mundo. Mas o vasto céu, o mar sem fim, a areia, impedem que a mágica funcione. Então eles marcham, meio deslocados, um tanto decepcionados que a praia não se curve diante da sua majestade. Isso acontece na maior parte do espaço palmilhado.

Mas há um momento em que ele passa por alguém, que está também caminhando ou sentado diante das ondas, e então acontece. Ele se apruma e lança aquele olhar excludente, para colocar o outro no seu lugar. Por alguns segundos, a coisa faz sentido. Então, satisfeito, continua a caminhada, varando a paisagem como um aríete, enquanto o litoral continua na mesma, indiferente a tanto esforço da barbárie excludente.

CONFRONTO - A mulher passa pela catraca do ônibus fazendo cara de nojo. Ela franze a testa, e torna evidente que sua boca expressa desprezo pelo ambiente. Depois suspira, infeliz por estar ali, no meio do pobrerio. Veste-se de maneira modesta, é o rosto que faz dela uma aristocrata. Entre os homens, é o exercício impune da testosterona explícita. Arqueiam as pernas e os braços e avançam sobre os outros, já que todos são invisíveis. O convívioo humano coletivo no Brasil, não mais pontuado mais pela gentileza, é terra de ninguém. Há ilhas de conforto. Um adolescente que oferece o lugar, uma conversa rápida com a mãe preocupada com a carreira e os filhos. Mas são raridades. O que mais temos é o confronto físico de pessoas atiradas no transporte público sucateado, nas ruas tomadas por camelôs, no barulho infernal de sons nas lojas e automóveis. Somos, como dizia Borges da Argentina na época da guerra das Malvinas, um país de atordoados. E nossos gestos de profunda exclusão demonstram que temos medo e apenas medo.

RETORNO - Foto magnífica de Ruud Van Empel publicada pela revista Sagarana: o humano integrado na paisagem.

17 de outubro de 2006

O SECULAR ASPIRA AO SAGRADO





O que falta à desconstrução dos mitos, à denúncia das instituições, à oposição às tradições? Falta exatamente o que eles mais querem atingir, a sacralização. Substituir a estátua de Lênin pelo símbolo do McDonald significa transferir a fé na revolução pela fé no mercado. O filme O Código Da Vinci, de Ron Howard, que chega agora às locadoras, toca nessa necessidade de a transgressão aspirar ao mesmo carisma da Igreja que combate. E é por isso que Tom Hanks se ajoelha no final do filme numa nova catedral, o Louvre, que assume o posto do Vaticano.

A chave para colocar Maria Madalena no lugar do Papa é uma linhagem de segredos manipulados pela metodologia de um autor que teve seu insigh lendo um best-seller de Sidney Sheldon. Ei, eu posso fazer isso, disse Dan Brown quando não conseguiu mais desgrudar daquele livro em suas férias no Tahiti em 1994. Com sua versão sobre o império católico (do qual o império americano sente a maior inveja, tanto é que vive combatendo) ele conseguiu sensibilizar as massas. Estas, precisam sentir que podem ter acesso à erudição que não possuem para vingar-se das trevas do conhecimento para onde foram atiradas.

TOM - O filme traz uma armadilha: Tom Hanks. É o seguinte: se Tom Hanks faz um filme (antes de sabermos sobre a existência dos diretores, achávamos que eram os atores que faziam os filmes; estaríamos certos?), você vai lá e assiste. Tom Hanks é o ator do nosso tempo. Não que seja o melhor, mas para ele conflui, milagrosamente, como aconteceu com outros em épocas passadas (Errol Flyn, John Wayne) tudo o que somos ou queremos ser. É impressionante. Tom Hanks leva nosso olhar por uma trama inverossímel emprestando-lhe a própria credibilidade. Se Tom é o especialista, então algo tem aí. Se ele escuta, e como escuta, o velho aleijado que tudo sabe sobre o Santo Graal, então devemos também escutar essa história. Se Tom olha para um quadro de Da Vinci e descobre o segredo, então para nós o segredo é revelado. Tudo funciona com o maravilhoso ator, não me perguntem porquê. Talvez nem se trate de talento ou técnica, mas simplesmente de mistério. No fundo, podemos saber tudo sobre Da Vinci, mas nada sobre os milagres que Tom opera na tela.

SANTAS - Vendo o filme, descobri a força da história e o magnetismo que exerce sobre os leitores do mundo todo, especialmente no Brasil, onde Dan Brown fatura mais do que todos os outros escritores brasileiros juntos (menos, talvez, do que o Paulo Coelho). Primeiro, propõe uma leitura diferente de obras consagradas, o que toca na vaidade do consumidor, que assim pode usufruir de algo que escapava à sabedoria que o exclui. Segundo, massageia o ego do feminismo, ao tapar o sol com a peneira, ou seja, ao entronizar Maria Madalena em detrimento de Maria, Mãe de Jesus. Como se o feminino tivesse sido erradicado da Igreja e agora, graças aos movimentos das mulheres, ele volta para ocupar seu verdadeiro lugar na cadeira de Pedro (o que sintoniza essa falsa revelação à nova moda de que Deus, em vez de homem, é mulher; bem...). Para isso, usa-se o de sempre: a caça às bruxas. Nenhum outro poder cometeu atrocidades, só o da Igreja Católica, claro. E perseguiu bruxas porque odiava o feminino, o que é uma asneira. Se fosse assim, não haveriam santas no catolicismo. Terceiro, convence que Jesus era um cara qualquer, que até fazia filho em sua amada e não o que é mesmo, a encarnação do Sagrado, que a secularização inveja.

OBSCURANTISMO - A Opus Dei foi escolhida pelo seu currículo. Sintetiza as seitas secretas que dominam a literatura de suspense. Está na berlinda pela preferência dada pelo novo Papa, Bento XVI, que foi escolhido exatamente para dar um chega para lá no avanço da secularização sobre o sagrado. Está ligada ao reacionarismo, tanto é que basta mencionar Opus Dei para os índices de Alckmin caírem nas pesquisas. Vi um brilhante professor, Carlos Alberto di Franco, ser perseguido por pertencer à Opus Dei. É o novo anátema, o novo anti-Cristo. É preciso obscurecer os temas para que as falsas revelações soem como definitivas. Para isso existem espertalhões como Dan Brown. Mas se a Opus Dei está levando as denúncias de Brown a sério, então aí tem.

BOBAGEM - O filme é uma espécie de anti-Bíblia, exatamente o oposto dos filmes bíblicos do passado. Estes, eram um porre, mas alguns se salvavam. Ver Ben Hur valia a pena, tanto pela história quanto por Charlton Heston. O Código Da Vinci, relevando as asneiras, é um filme que gruda, é bom de ver. Uma boa bobagem sempre é bem-vinda em qualquer época.

RETORNO - Imagem de hoje: Audrey Tautou (Sophie Neveu) e Tom Hanks (Robert Langdon) diante do crime: o corpo e o enigma de Jean-Pierre Marielle (Jacques Sauniere). 2. Assista a Africa, bem no miolo. Uma webcan colocada no ermo, ao som dos pássaros e diante de todos os bichos.

16 de outubro de 2006

QUERO O BRASIL DE VOLTA






NOTA: Leia mais abaixo em edição extra especial a carta de José Arbex se desligando do Conselho Editorial do jornal pró-Lula Brasil de Fato. Uma aula de posição política neste segundo turno.


Enquanto estivermos vivos, nós, os exilados daquela pátria, queremos que o país roubado volte. Queremos reencontrá-lo, como o menino seqüestrado que conseguimos reaver adulto, marcado, sofrido. Queremos trazê-lo para casa, para a sua capital, o Rio de Janeiro, e dar-lhe um prato de sopa. Queremos tirá-lo das mãos dos bandidos, espertalhões, assassinos. Erradicar a calúnia que se abateu sobre ele. De que era atrasado, pobre, triste e feio. Ao contrário: era solar, maravilhoso, rico e musical. Queremos as reformas de base. Queremos o Correio da Manhã, o bom e velho Jornal do Brasil, aquela rádio Nacional. Queremos a Panair, a TV Excelsior, a anedota do papagaio e do Pedro Malazarte, o rei do Baião, o Cisne Branco sendo tocado pela banda dos Fuzileiros Navais, a nota de dez cruzeiros.

Quero a parada de Sete de Setembro, os pracinhas lutando na Europa fascista, o Peixe Vivo, o povo perdendo um pé de sapato no comício do presidente que veste roupa branca. Quero o samba, a bossa, o samba-canção, a música italiana, francesa, mexicana. Quero a revista Cruzeiro, as pescarias, a professora de música, o piano na sala, o chimarrão entre compadres. Quero o país que mataram. Quero ver as saias, as meias brancas até o joelho, as blusas, pulôveres, ternos. Quero de volta tudo o que 1964 destruiu com suas garras de abutre. Foi o tempo, dirão. Foram os anos 60. Menos. Foi o golpe. Tudo o que aconteceu antes e depois o golpe tratou de reduzir a um monte de ferro velho. Só o Brasil virou sucata. Você chega em qualquer país, lá está o café servido por garçom, as estudantes vestidas decentemente, as livrarias, as praças limpas. Aqui, o terror. Sente em qualquer banco de praça para ver.

COBRA - Delfim Netto no palanque defende Lula: enfim 1964 se presta à imagem da cobra mordendo o próprio rabo. É Lula, invenção da direita para consolidar a derrota do trabalhismo, sendo apoiado por Delfim Netto, invenção da direita para fazer o Brasil esquecer o trabalhismo pré-1964. Tudo faz sentido, tudo se completa. O que Delfim fez de 1964 a 1974, quando era o czar da economia da ditadura, foi o que o Lula faz hoje: subornar a classe média com inflação artificialmente baixa, entregar o país para os bandidos, superconcentrar renda e chamar isso de crescimento. Um sujeito que ficou com plenos poderes na época em que se torturou e matou em nome da democracia (sim, o golpe de 64 sempre falou que defende a democracia, até hoje), jamais foi julgado por seus crimes e goza de grande prestígio como professor emérito. Não só conivente, mas parceiro de tanta barbaridade, depois de levar uma tunda nas urnas, vem agora querer manter-se no poder defendendo Lula, que aceita a parceria.

CAMARADA - Todos queriam ser presidente do Brasil. Getulio não deixou. Aí houve demanda reprimida. Qualquer um virou presidente: Jânio, Sarney, Collor, FHC, Lula. Uma súcia de nulidades extravagantes. Aí vem esse palhaço Bozo, o Arnaldo Jabor, dizer que Lula é getulismo tardio. E foi punido pelo TSE por ter dito isso! Que opiniático, que democrata! Lula é o anti-Getúlio, o anti-Brizola, o anti-trabalhismo. É o uso do voto do trabalhador para fins escusos, a serviço da direita. É a desconstrução do Brasil soberano. Faz o mesmo serviço sujo da direita, que é sua aliada. Quer fazer rodízio de poder para entregar o pobre país de vez. Quando você votar neste segundo turno, pense o seguinte: em qualquer um dos candidatos, você está ajudando a enterrar o país. Falo para você, camarada. Falo para você .

RETORNO - 1. Imagem de hoje: frente e verso da nota de dez cruzeiros, que valia uma nota. O salário do trabalhador era equiparado ao da Europa. O emprego se disseminava em rede, pelo sistema ferroviário, pela higiene e saúde etc. Tinha lixeiro contratado pela prefeitura e não falcatruas com o lixo. Tinha cobrador de bonde. Tinha motorneiro. Tinha professor com um só emprego e pertencente à classe média. Tinha engenheiro que não derrubava ponte nem deixava barragem rachar ao meio. Tudo isso acabou. "Não vamos deixar que surja uma potência no nosso quintal", disse Henry Kissinger, antes de massacrar o Chile em 1973 e de ganhar o Nobel da Paz em 1973 por "promover a paz" no Vietnã (obrigado, dani, pela correção). É como diz a velha canção: faz-me rir o que andas dizendo... 2. Leia a carta aberta endereçada a mim escrita por Bebeto Alves e que aborda um tema importante: a fisiológica Brasília, capital da ditadura.

ESPECIAL: CARTA DE JOSÉ ARBEX

"Com grande e sincero pesar, cumpro o dever de comunicar o meu desligamento voluntário do conselho editorial do jornal Brasil de Fato, pela razões expostas abaixo. Não se trata, em absoluto, de uma ruptura com o jornal, com quem pretendo manter uma relação de colaboração; nem é de ruptura com os movimentos que sustentam politicamente o jornal, que continuam a merecer toda a minha admiração e respeito. Trata-se, apenas, de honestidade política e intelectual. Não quero nem posso ver o meu nome publicamente associado a uma linha editorial que julgo absolutamente errada e nefasta para a luta dos trabalhadores e jovens brasileiros. Não assumo e nem quero assumir nenhuma responsabilidade por essa linha.

1. Em 2003, estava corretíssima a linha editorial do "governo em disputa". Era uma linha que permitia ao jornal dialogar com os seus leitores, à Época completamente iludidos com o governo Lula. Quando o jornal pedia que Lula rompesse com a burguesia, caminhava ao lado de seus leitores, de forma a conduzi-los para a conclusão inevitável de que jamais haveria tal ruptura. Era uma linha pedagógica. Para usar uma expressão leninista, tratava-se de "combater as ilusões no terreno das ilusões". Por isso estavam errados, naquela ocasião, o PSTU e outros que adotaram uma postura vanguardista, denuncista e isolada dos movimentos sociais.

2. Em 2006, a situação é outra. Nosso leitor médio já sabe, muito bem, qual é a vocação, a natureza e a prática do governo Lula. Não há mais o que esperar do governo dos transgênicos, do Haiti, dos mais espetaculares lucros do sistema financeiro, da privatização das reservas de petróleo da bacia de Campos etc. etc. Aliás, há sim o que esperar: mais desmandos, mais humilhações, mais corrupção, mais degradação moral da esquerda.

3. Apesar disso, o jornal ainda mantém a linha do "governo em disputa". A edição 188 traz uma capa repugnante. Metade dela é dedicada a uma foto-pôster de um Lula disfarçadamente constrangido pelo abraço de uma senhora explicitamente emocionada. A outra metade traz um editorial envergonhadamente lulista. Duda Mendonça qualificaria a capa como excessivamente pró-Lula. E a tal capa não é um caso isolado. A edição 187, por exemplo, diz que "desvios de petistas fortalecem a direita". Errado. É o PT inteiro, sua prática inteira, o governo Lula inteiro que "fortalece a direita". A votação em Alckmin não é o resultado de uma burrada de última hora, mas sim de quatro anos de frustrações e decepções.

4. Sim, há o argumento de que "muitos ainda estão iludidos". Sei, e o nosso papel, suponho, é nivelar a consciência por baixo... Não acredito nisso. Estamos no final de 2006, quando milhões já fizeram sua experiência com Lula, e não no início de 2003, quando ninguém ainda sabia ao certo o que iria acontecer. Esse argumento é inaceitável.

5. Há o argumento de que Lula é menos pior do que Alckmin. Talvez. Mas, nesse caso, não deveriam tentar encontrar, com grandes e potentes lupas, os tais "pontos positivos" no governo Lula (supostamente, sua política externa, o aumento do salário mínimo e outras mistificações e blá-blá-blás semelhantes), pois isso significa alimentar ilusões. Deveriam apenas dizer, se fosse o caso: entre o péssimo e o pior, ficamos com o péssimo, só por não ser o pior. E ponto final.

6. Mas sequer é o caso de propor o voto no "menos pior", por uma razão muito simples e trágica: o preço que teremos que pagar por essa proposta. Governos de colaboração de classe são, historicamente, a ante-sala do fascismo. Foi assim na Espanha e França, nos anos 30; em 1964, no Brasil; em 1973, no Chile. Será sempre assim, pois governos de colaboração de classe têm, por vocação, desarmar os trabalhadores, corromper suas lideranças, conduzir os movimentos sociais à prostração e à passividade, mediante a distribuição das migalhas que sobram dos banquetes dos ricos. É o que faz o bolsa-família, por exemplo, defendido como o auge da virtude pública por antigos trabalhadores e sindicalistas, hoje burocratas corruptos regiamente pagos pelo Estado. É embelmática a frase do antigo presidente da CUT, Jair Menegueli: "Ganho hoje R$ 20.000,00 por mês; é muito para o que eu ganhava antes, mas é muito menos do que ganha a Xuxa". Lula gosta de dizer que o seu governo fez em 4 anos muito mais do que o de FHC em 8. Isso é uma verdade absoluta, em pelo menos um caso específico: em 4 anos, ele causou uma devastação maior na esquerda, do que os 8 anos de FHC... e os 20 de ditadura militar. Pedir o voto em Lula, em 2006, é manter as ilusões no mais espetacular e eficaz governo de colaboração de classe instituído na América Latina contemporânea. É um ato de suicídio político.

7. Fizemos, mais ou menos, essa discussão na reunião do conselho, sábado passado. Venceu a proposta de apoio a Lula. Não tenho mais o que fazer em tal conselho. Antes que me acusem de "intransigência", "birra", "radicalismo" etc, lembro que já perdi muitas vezes em votações realizadas no conselho. Na verdade, perdi quase todas as vezes. Fui voto único contra o lançamento do jornal no fórum de porto alegre, perdi ao propor o encerramento do jornal papel etc. De fato, não me lembro de ter vencido uma única vez, sempre que manifestei divergência do senso comum. Nada disso me fez deixar o conselho. Mas, agora, o Rubicão foi atravessado. Eu me recuso a emprestar o meu nome a um chamado que visa perpetuar um governo sórdido de conciliação de classe.

Lamento, mas é isso.
Abs José Arbex"

15 de outubro de 2006

O CENTRO DAS LUTAS ESTÁ VAZIO





O sistemão encontrou o caminho das pedras: deixa todo mundo brincar de democracia (quanto mais brincar, mais divertido fica), enquanto invade países, vende armas adoidado, expropria PIBs por meio dos juros da dívida externa, rebenta com o meio ambiente, fatura os tubos deixando que todo mundo tire a roupa e seja cool, e ainda cacifa movimentos de luta para que acreditem que estão vivos. O sistemão sabe conviver com a falta de centro na Internet, com as paradas gays (até descola algum para isso), os gritos dos excluídos (que a população detesta porque interrompe o trânsito) e as homenagens aos antigos escravistas transformados em heróis. O mais trágico é que se fala numa nova utopia, como se a antiga, a democracia, já fosse carta fora do baralho, já tivesse sido conquistada, agora seria partir para algo ainda maior e mais profundo. Vivemos na velha tirania, como recreio em colégio interno. A toda hora, nos recolhemos ao bater o sino.

RABO - O que me impressiona é que muita gente não entende porque existe tanta apatia, porque o povo não participa da democracia. Porque a ditadura é quem dá as cartas, é por isso. O povo não é trouxa. Não se trata de propor algo novo para galvanizar a massa, é preciso ter a coragem de assumir uma luta de verdade contra a ditadura, aí o povo se mobiliza. Porque do jeito que vai, a população chega até a gostar de ditadura, já que ela entende como democracia o atual estado de coisas. Tínhamos ditadura sem que ninguém exibisse o rabo em praça pública. Hoje temos ditadura com pessoas exibindo o rabo em praça pública, essa é a diferença. Chamam de democracia, mas não é. Por que insisto nisso? Porque diariamente vejo artigos que não levam essa evidência em consideração e se perdem em conjeturas. Vamos falar claro: tente peitar os verdadeiros poderes para ver o que te acontece. E quais são eles? O sistema financeiro, o coronelato civil, o continuísmo político e econômico. Não adianta vaiá-los, eles não se importam. Tente tirar o dinheiro do bolso deles. Aí verás com quantos paus se faz uma boa democracia.

PALAVRAS - É difícil assumir que lutamos em vão, que não houve avanço, que retrocedemos, que tudo foi por água abaixo. Mas no seu emprego tente propor algo que contrarie qualquer interesse poderoso . Vão te chamar de louco, alienado, fora da realidade. Tem que se submeter enquanto faz pose de grande democrata livre e cidadão responsável e politicamente correto. Baixe as calças com pompa e circunstância. No fundo todos sabem onde estão metidos, só não querem admitir. Ah, você é muito radical. Sou nada. Apenas enchi o saco de mentir para mim mesmo. Não faço parte dos produtores de pensamento oficiais, os que fazem joguinhos de palavras para esconder o que pega realmente. Minha luta no jornalismo é contra as falas corporativas, que contaminaram e dominam as redações. Sobra ainda muita coisa, pois esse é um poder imenso e há vários obstáculos para se fazer reportagens. A ditadura financeira não permite que as empresas respirem e as pessoas que inventam seu emprego (que remédio!) abrindo um negócio acabam fechando as portas ou continuando com muito sacrifício. São exceções, mas existem. É difícil exercer o ofício hoje, com tanta pressão.

PECADO - Nas falas da esquerda, ser empresário é pecado mortal. Nas falas da direita, empresa e emprego são as palavras de ordem. Isso não significa que os empresários tenham que ser perseguidos ideologicamente. Os empresários brasileiros, em sua imensa maioria, são da classe média, não dominam os meios de produção. Esses estão na mão de grandes grupos, que fornecem os insumos. Ter uma fabriqueta de chinelas não é a mesma coisa do que ser dono do mercado do plástico. Nessa diferença, morreu Neves.

PASTOR - Mas hoje é domingo, para que se preocupar com essas coisas? O Senhor é meu pastor, nada me faltará.

RETORNO - Imagem de hoje: foto publicada para ilustrar poema de Che Guevara, na revista Sagarana.

14 de outubro de 2006

COMO FUNCIONA A DITADURA





Desde o momento em Juscelino Kubistchek (e outros políticos da democracia deposta) aceitou em 1964 que o primeiro general assumisse a presidência depois de ter dado um golpe de estado, o Brasil entrou num processo de aceitação total e absoluta da ditadura que até hoje nos governa. Essa aceitação ganhou sobrevida quando o movimento das Diretas-Já foi derrotado no Congresso e José Sarney, que antes liderava o partido de um regime que já tinha 20 anos, assumiu o Planalto em 1985 por via indireta. O segundo turno das eleições é um bom momento para entender como funciona essa ditadura, implantada com um golpe civil-militar e consolidada com a aceitação total e irrestrita das dita oposições. Ela nos oferece dois candidatos com a mesma proposta de política econômica (a diferença é só na dose, disse Alckmin), ou seja, com o mesmo sistema de aumento exponencial da dívida externa, e juros escorchantes pagos pelo dólar subsidiado (o que ganhamos na exportação, devolvemos nos juros). Nisso ninguém mexe e, neste recreio (para usar uma imagem de Antonio Callado) pseudo democrático, os eleitores se acusam mutuamente de corruptos ou direitistas. Por que estamos nessa sinuca?

PASSAPORTE - Por que a ditadura cuidou de destruir o essencial logo no início: o sistema educacional que tinha alcançado excelência e que vinha não apenas da Era Vargas, mas, em parte, do Império e da República Velha. Gerações formataram o sistema público de ensino que foi sucateado. O que restam são algumas faculdades, que mantém sinais do que éramos antes em educação. Destruindo a educação, a ditadura introjetou na população a baixo auto-estima, passaporte seguro para o desemprego ou o subemprego, e para a subserviência total da nação. Antes, você fazia o primário, o ginásio, o científico e uma faculdade e saía pronto para o mercado de trabalho. Ia ser professor, engenheiro (vejam quantos edifícios e pontes caem hoje; duvido que ensinem calculo infinitesimal com eficiência nos currículos técnicos), advogado, médico. Era uma minoria? Sim, mas havia possibilidade de ascensão social, basta ver o caso de JK, filho de mãe viúva e pobre que chegou a ser médico e depois entrou para a política pela mão de Benedito Valadares, o tertius apresentado por Vargas para resolver a disputa de poder em Minas nos anos 30 e 40.

COMÍCIOS - Hoje há exceções? Sim, mas proporcionalmente estamos com uma massa de analfabetos cursando inclusive faculdades (antes, quem não se alfabetizava reprovava, não ia adiante). Converso no ônibus com alguém que tentou fazer a faculdade de Direito, a pedido do pai, no sistema privado de ensino. Desistiu. Não ensinavam nada. Os professores eram frustrados, não exerciam a advocacia, não tinham feito universidade gratuita. Nos anos 60, quando a juventude se insurgiu contra a ditadura, vi lideres secundaristas fazerem discursos citando Aristóteles. Éramos eruditos, tínhamos sido formados pelo ensino que a ditadura então destruía. A principal reivindicação era para não acabar com o sistema via Reforma da Educação, do Jarbas Passarinho, que até hoje está aí, junto com o Delfim Netto, falando o que quer.

EDUCAÇÃO - Ao destruir a educação, formou-se uma nação de zumbis. E de espertalhões, como os economistas que viraram banqueiros, os líderes sindicais que viraram políticos, além da velha e tradicional direita, que se locupleta numa situação de completa tirania. Lembro de um candidato interessante em São Paulo que fazia uma proposta por dia na campanha gratuita da televisão. Aceitava sugestões e teve 60 mil votos para deputado federal. Não foi empossado, porque sua legenda não completou a cota. Em compensação, Ulysses Guimarães, que teve 35 mil votos, foi empossado. É assim que funciona. Primeiro, a escolha dos candidatos, que obedece a critérios fixos (notoriedade dos medíocres, tradição das raposas, emergentes apaniguados). Segundo, a campanha manipulada por pesquisas e outras falcatruas. Terceiro, o voto útil, que é o atual voto de cabresto. Depois o mandato, que é o pagamento das despesas de campanha. Não existem mais partidos (estão todos queimados pela corrupção e os arreglos, hoje são só números), nem ideologia. O que temos é ditadura.

BRUTALIDADE - Na mídia, a tirania se completa. Vitrina excessiva e intensa de badulaques e quinquilharias, além de propaganda ilícita religiosa e partidária,há redes de televisão que costumam funcionar como a ponta de lança dos interesses do tubaronato. Não há um só programa cultural na TV aberta. O que é mostrado para a população desarmada e catatônica são corpos nus, catequistas de auto-ajuda, a idiotia dos com-certezas e os noticiários sempre os mesmos. Essa é a ditadura. Terra arrasada? Sim, total. Qual a saída? Reconhecer que isso existe e é assim que funciona. A partir daí, se mexer. Comece com o seguinte: não chame quem vota anti-Lula de neoliberal ou direitista. Não chame quem vai votar anti-Alckmin de esquerda. Recomponha-se, que nossa vida foi dedicada a consolidar uma longa, penosa e infindável brutalidade política e social. Devemos isso aos nossos descendentes. O que fizeram da vida? perguntarão. Aceitamos a tirania e morremos sem lutar o suficiente, responderemos. Esse vai ser o epitáfio.

RETORNO - Imagem de Hoje: foto de Alvarez Bravo, publicada na melhor revista cultural do mundo, Sagarana, editada por Julio Cesar Monteiro Martins, que está completando seis anos com magnífica edição comemorativa e que inclui mostra virtual com imagens de grandes artistas. Obrigatória não apenas a visita, mas a leitura. Leia Sagarana, revista em italiano editada por um escritor brasileiro, e que é uma porta escancarada para a civilização e a verdadeira democracia. O Brasil da ditadura expulsou Julio Cesar, que hoje é consagrado escritor na Italia.

13 de outubro de 2006

O TEMPO: PRESSA E SILÊNCIO





Tenho quinze para dezesseis anos, costumava-se dizer. Era a pressa de envelhecer, que passava por cima da lógica (você não pode ter 15 para 17). Hoje temos 57 para 56, diminuímos, junto com a estatura, já que os ossos, com o peso da idade, vão se acomodando e nos permitindo ver o mundo com outros olhos, ou seja, de uma perspectiva bem mais embaixo do que estávamos acostumados. Vamos diminuindo de tamanho, expandindo para os lados, escandalizando as pessoas, que gritam, como se estivessem diante de uma porta aberta de automóvel: caminhar, caminhar! Precisamos caminhar, andar a esmo com bonés de terceira idade, fazendo pose para matérias sobre qualidade de vida, em que somos apresentados como o novo filé dos consumidores, exigentes, papas finas da sociedade do toma lá-dá-lá. Caminhante não há caminho, o caminho se faz ao andar. Eu não caminho, ando. Mas isso é insuficiente. Provoca cenhos carregados e balançar negativos de cabeças pensantes.

SOM - Há muito barulho numa vida longa, por isso gostamos, quando chegamos perto dos 60, da boa vida do silêncio absoluto. Não tolero mais qualquer tipo de som, seja de boa ou má qualidade. Não quero ouvir música, pois minha cabeça está habitada de outras coisas. Não há espaço para notas musicais, assim como não há paciência de ouvir catequeses de pessoas infinitamente mais jovens. Há uma histeria coletiva de dedinhos levantados. Todos estão prontos para ensinar alguma coisa. Sacodem afirmativamente a cabeça enquanto nos olham, penalizados. Passo em frente a uma nova birosca natureba e sou abordado por moçoilas comercialistas agressivas, que insistem que eu vá lá consumir as porcarias deles feitas a base de soja transgênica, ou livrecos de auto-ajuda dizendo como deves ficar em busca do teu verdadeiro tu. Há falta de paciência entre os mais velhos, que querem apenas ser escutados. Lutamos por um ouvido, mas todas as orelhas estão ocupadas com o som do momento: untz, untz, untz, untz.

TÉDIO - O mais grave é quando, na segunda frase, alguém ensaia um bocejo, que ao desenrolar da conversa vai ficando mais explícito. Platéias cativas só existem se houver dinheiro no meio. Ou te pagam para escutar, se tiveres capital simbólico suficiente, ou pagas para te escutarem, se fores um infeliz absoluto. Mas o bom mesmo é não falar para ninguém, ficar absorto fumando algo, escondido de todos, pois é proibido fumar. Você deve ficar em forma para morrer com plena saúde. Costumam morrer correndo ou fazendo esses exercícios tirados da velha ginástica sueca e que servem para detonar os velhos iludindo-os que são grandes comedores. Em qualquer idade, o que vale é a inteligência e a sensibilidade. Barriga de tanquinho serve para quarar roupa.

VOTO - Para ser de esquerda, vote em quem permitiu que os bancos tivessem os lucros mais fabulosos do mundo e de todos os tempos. Vote em quem gastou dois bilhões e meio de reais ( o que dá mais de um bilhão de dólares) em publicidade. Vote em quem aprofundou a miséria e o terror no país em frangalhos. A outra alternativa é votar em que promete privatizar o Estado e fala em desenvolvimento depois de mandar calar a boca de um assessor que tinha uma proposta interessante de política econômica (a ditadura não admite defecções). Você tem duas alternativas: ou vota na direita, ou então, na direita. Se você votar na direita, será acusado de direitista. Mas se só tem direita como alternativa, então todo mundo é de direita.

ADVERTÊNCIA - Lá vem os catequistas advertindo que se votar contra o sujeito que enche as burras dos bancos é votar na direita. Ou então os que invocam todos os preconceitos para não votar no governo. É tudo uma súcia. É preciso que todos, inclusive eu, calem a boca. Mas calem por espontânea vontade. Se mandarem calar, todos vão gritar. Na terra de escravos, todo mundo é senhor.

RETORNO - Imagem de hoje: Edifício Copan, por Regina Agrella.

12 de outubro de 2006

PESQUISA INFLUENCIA CAMPANHA




Técnica do Ibope reconhece, no Globo Online, que a pesquisa influencia a campanha, pois com o resultado, diz ela, o candidato tem condições de arrecadar mais, entre outras vantagens. Mas diz também que o eleitor não é influenciado (eu diria manipulado) pelo resultado, o que é um contrasenso. Se ela admite que influi na performance do candidato, por que não vai influir também no voto final? É certo que os eleitores, diante das pesquisas, acabam decidindo seu voto (votam útil, o voto de cabresto). O jornal presta um bom serviço aos internautas, ao colocar alguns áudios sobre o assunto, além de outros, como a sabatina de Lula, o depoimento de Gabeira contra o voto nulo etc. A Data Folha rebate as críticas de Alckmin dizendo que todo o candidato em desvantagem nas pesquisas faz o mesmo tipo de reclamação. Mas que as pesquisas erraram feio nestas eleições, erraram. Os técnicos falam em metodologia do fluxo (pegar gente andando pela rua e perguntar o voto), o face a face, a pesquisa a domicílio etc. Não se pode negar o que os técnicos fazem. O que pega é o resultado, a divulgação oficial. Aí entram os interesses, não há dúvida. E se não entram, acabam ajudando a manipulação. A saída é proibir pesquisa eleitoral.

MEMÓRIA - Vamos ler o que a Wikipédia diz sobre o novo grande aliado de Lula: "Delfim Netto durante o regime militar foi ministro da Fazenda entre 1967 e 1974, ministro da Agricultura em 1979, ministro do planejamento entre 1979 e 1985 do governo do Presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo, embaixador do Brasil na França. Após a redemocratização está em sua terceira legislatura como deputado federal. Em 2005 abandonou o Partido Progressista e ingressou no PMDB, o que gerou protestos da base peemedebistas, em parte pela forte ligação do atual deputado federal com a ditadura militar, mas também por ter sido ministro da fazenda durante o período de enorme endividamento externo, período conhecido como Milagre Econômico". Todo mundo sabe o que foi o tal milagre: endividamento crescente, arrocho na economia (inflação artificial de 12 por cento ao ano), superconcentração de renda, alinhamento sem limites ao imperialismo (ich, que palavra fora de moda). Pois é esse sujeito que vem ao palanque defender a reeleição do atual presidente.

MEIAS VERDADES - No Globo online, Lula se diz favorável à privatização da Dutra, por exemplo, que ele não considera estratégica. Porque, diz, o dinheiro arrecadado na Dutra vai para a estrada, que é a fonte de renda. Mas é contra as priovatizações em segmentos estratégicos. Se uma estrada como a Dutra não é estratégica, então nada mais é. O que significa a posição de Lula? Que ele, conforme sopra o vento, pode sewr a favor da interferência da iniciativa privada no estado. São todos farinha do mesmo saco. Outra coisa que disse é que não pode colocar Getúlio Vargas como parâmetro (apesar de toda hora querer se comparar a ele), nem com Floriano Peixoto. Como se Getulio, o inventor do Brasil moderno, fosse a mesma coisa do que Peixoto. Só porque pertencem ao passado não quer dizer que sejam a mesma coisa, que não devam servir como parâmetro. Pois deveria aprender lições de soberania com o grande presidente. O país sairia ganhando.

BADULAQUES - Hoje é dia da Criança e de Nossa Senhora Aparecida. Diz o telejornal que esperam hoje em Aparecida 390 mil visitantes. Por que não 400 mil ou 380 mil? Não, 390 cravados. Que coisa. Como sabem tudo, nos mínimos detalhes, e com antecedência! O apresentador e seus coadjuvantes (os que ficam no link confirmando as versões) representam o poder sem limites da ditadura. Eles são o porta-voz da grande manipulação geral. Nos intervalos, o massacre da publicidade, hegemônica em tudo. O poder dado ao marketing é um escândalo no Brasil. Usam as concessões públicas para uma vitrina de badulaques. E para recados sobre a tal democracia.

RETORNO - Imagem de hoje: Bombeiros em Pinda, de Hélcio Toth. O artista/repórter informa: "Incêndio na redação do Jornal da Mulher e escritório de advocacia, em PIndamonhangaba, movimenta o bairro de São Benedito. Mais informações leia o Jornal da Cidade, ed. de sábado 07/10/2006 e 08/10/2006".

11 de outubro de 2006

ANTI-ÉTICA DO NEOLIBERALISMO


Chuchu ou quiabo? pergunta Geraldo Hasse, jornalista, escritor de primeira água. São ingredientes do mesmo prato, portanto estamos liberados da obrigação de tomar partido por um ou outro. Alckmin é assumidamente neo-liberal, Lula ainda guarda resquícios da sua militância anterior à campanha de 2002, antes de se revelar o grande traidor das lutas populares. Quem vota em Lula, que tem um vice do Partido Liberal, deve assumir seu lado neo-liberal, nota daniduc, no debate deste jornal. O que é neo-liberalismo? Num artigo de 1999, publicado no JB, Barbosa Lima Sobrinho explica: "Os governos deixam de ser guardiães de seus contribuintes que os sustentam e passam a representar uma espécie de guarda pretoriana dos investidores externos. E, se não exercer bem essa função, cada governo passa a ser responsável por indenizações para cobrir qualquer intervenção do Estado suscetível de reduzir a capacidade das corporações de obterem um lucro maior. A simples perda da oportunidade de lucro, algo em princípio subjetivo, já justifica o direito à indenização".

Em outro artigo, Mario Maestri, em 2003, explica o que aconteceu com Lula, o neo-liberal: "Em meados de 2001, o Instituto da Cidadania, ong particular de Lula da Silva, apresentou minuta de programa eleitoral assinada por quatorze burocratas petistas excelentes defensores das propostas social-democratas e desenvolvimentistas-burguesas - Aluízio Mercadante, Eduardo Suplicy, Maria da Conceição Tavares, Paulo Singer, etc. O programa Um outro Brasil é possível tranqüilizava o capital prometendo respeito aos marcos do estado de direito e às limitações legais e institucionais. Portanto, excluía a negação da dívida, a nacionalização do sistema financeiro, a estatização do comércio exterior, a expropriação radical do latifúndio, a recuperação das privatizações".

POVO - Invocado com a fervura do debate, fui atrás do sábio da praia. Mas não encontrei Sinistrus Joe no seu puxadinho. Resolvi chegar na Biblioteca Submersa de Jack, o Marujo, que lá estava, de plantão como sempre, com seus cabelos carapinha muito brancos saindo para fora do boné de marinheiro, lendo com dificuldade (pois apertava os olhinhos, sem óculos) uma brochura caindo as pedaços e parcialmente molhada.
- Não vi o Joe hoje, me disse. Mas é possível que ele tenha entrado na Biblioteca pelo lado do mar. Joe gosta de mergulhar e assim ele sai dentro da sua sala favorita.
- E onde fica? perguntei.
- E eu sei lá? Nunca vou por aquelas bandas. Fico por aqui, cuidando da portaria. Quem quiser se aventurar, que vá até onde quiser e pegue o que bem entender. Estou muito velho para me preocupar com os outros.
- O senhor está acompanhando a campanha eleitoral?
O velho me deu uma olhada de viés e fechou a cara. Parecia que ia entrar no livro que segurava com suas mãos tão enrugadas e cavernosas que pareciam desenho pop de algum alucinado.
- O que o senhor está lendo? Era eu de novo.
- O senhor faz muitas perguntas. Não é de estranhar que Joe, logo que avista o senhor chegando, se atire na maré em busca um pouco de sossego.
- Será que ele está me evitando?
- Claro que sim. Ele vive se queixando. Diz que o senhor nem sabe o que é povo.
- Como, assim? Eu sou do povo.
Jack teve um ataque de riso. Depois se recompôs, olhou de novo seu velho livro e lascou:
- Não é não. Povo é uma coisa que existe fora de você.
Comecei a ficar espantado com a articulação de pensamento do velho. E tinha a mesma verve de Joe para me criticar.
- Sou completamente misturado, vivo com um pé na pobreza, odeio esnobismo, luto contra preconceito de classe, votei no Lula em 2002, mas desta vez...
- Tudo isso não te faz povo. O povo é uma entidade coletiva que existe para que os outros, os que não são do povo, possam mandar nele. Porque no fundo, o povo não existe. O que há são pessoas como tu e eu.
- Helio Jaguaribe disse que existem brasileiros primitivos, que votaram no Lula.
- Jaguaribe, esse aí que estás dizendo, deveria ser preso. Primitivo é ele.
- O povo brasileiro não tem em quem votar. Então vota de acordo com o que pensa ser mais útil. Era Joe chegando, todo molhado do seu mergulho. Trazia um livro debaixo do braço.
- O que estás lendo, Joe? perguntei.
- Leio Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo. É um livro maravilhoso. Ele inventa o sistema capitalista regido pela ética, o que é uma utopia. Aqui no Brasil, terra da festa dos banqueiros, ninguém pode ter a ética como parâmetro. Vira deboche. O que houve foi que nosso dinheiro não vale nada, é só papel pintado. Por isso rola pelas cuecas da vida.
- O povo não tem em quem votar porque se submete à ditadura, disse eu.
- Não, senhor escritor. O povo não tem em quem votar por isso se abstém, vota nulo, vota anti-Lula, vota Alckmin ou vota Lula. É assim que funciona.
- Ok, mas o povo precisa ter em quem votar.
- Por que o senhor não se candidata? Funde o Partido do Brasil Soberano.

Insatisfeito com a conversa, cheio de dúvidas, saí de fininho. Achei os dois meio alterados. E eu precisava voltar para a palavra escrita. A realidade sempre me incomoda.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: Max Weber, ainda adolescente, com seus irmãos. Foto de 1879. 2. A Folha de hoje diz que Delfim Netto foi ao microfone para declarar que apoiar Lula é uma forma de "resistir à volta da política que destruiu esse país, à política que impediu que esse país se desenvolvesse", em referência à era Fernando Henrique Cardoso. "Esses quatro anos do Lula criaram as condições para uma volta ao crescimento decente, com mais justiça social, com mais emprego", disse. Veja como são modernos! Estão com Delfim Netto, o ogro da ditadura de 64. Depois eu digo que estamos ainda na mesma ditadura e ninguém acredita. Muitos se acham modernos e me chamam de passadista. Pois aí está, futuristas: fiquem com Delfim Netto, o novo luminar da Grande Resistência. Ditadura, mil vezes ditadura.3. Voltaram a manipular a intenção de voto, via pesquisa. Depois o adversário "surpreende" e a imprensa inteira vai atrás de explicações.

10 de outubro de 2006

POR QUE NÃO HÁ PROPOSTAS?





Todo mundo escandalizado com a agressividade do debate-boca entre os dois candidatos da ditadura e a falta de propostas embutida nele. Como notou Fabio Konder Comparato na Folha, Lula e Alckmin, em rota de colisão, ameaçam o Brasil com uma tragédia. Não há propostas porque tudo se resume à política econômica. Aí ninguém mexe. Não se trata de opor desenvolvimentismo à estagnação. O que pega é opor política econômica do interesse do país com política econômica entreguista. A Argentina cresceu nove por cento, nós nem chegamos aos três por cento. Por quê? A Argentina (assim como outros países que cresceram) deram um pontapé na política econômica entreguista, coisa que nossos candidatos jamais fazem ou farão. Essa situação de caos se mantém porque há um consenso, na opinião implantada pela mídia, de que essa é a realidade que não deve mudar. Lendo alguns articulistas da área econômica, vemos o quanto são ferrenhos defensores da entrega do Brasil por meio dos juros escorchantes da dívida impagável, da globalização empresarial e de todo o arsenal que suga o suor da nação para levá-la, de bandeja, para a pirataria internacional. Os artigos debocham de qualquer aceno por algo fora de moda entre nós, a tal de soberania.

ESMOLAS - Como temos que trabalhar para os outros, então nada sobra para o que vivem citando, saúde, educação etc. Lula gastou dois bilhões e meio de reais em publicidade do seu governo e 700 milhões, só este ano, segundo Alckmin (e não foi contestado pelo oponente) em passagens e estadias para os afortunados do Estado em trânsito. Alckmin tem como consultores e aliados banqueiros e economistas de direita. O Brasil perde em todos os níveis com esse tipo de candidato. Um distribui esmolas em troca de voto, outro quer privatizar o Estado. Torcer por qualquer um deles é ajudar a cavar o buraco. Resta o voto útil, nome atual do velho voto de cabresto. O voto anti-Lula quer erradicar do poder a súcia que tomou conta de tudo. Na parada de ônibus, converso com uma funcionária pública. Ela diz que nunca viu coisa igual: todos os cargos, dos mais altos aos mais baixos, são ocupados pelos aliados do governo. Não há diversidade, não há critério técnico: é tudo aparelhamento da máquina pública. Com Alckmin possivelmente será a mesma coisa. Num país em que o governo tira tudo das atividades produtivas, para formar um bolo que vai cair nas fotos dos dossiês, fica difícil pensar em saídas para o sufoco.

BLOCO - Mas isso é muito simplório, costumam dizer. O importante é se sofisticado e pós-pós-pós moderno. O fato é que os desafios de hoje são os mesmos, em proporções diferentes, de décadas ou séculos atrás. Trata-se de inventar e consolidar uma nação, não deixar que coloquem a mão aqui, o que hoje é feito de maneira festiva e profunda. O que a China faz com essa situação é típica de país sem soberania. Encheram o mercado de porcarias produzidas por eles, e agora estão também fornecendo insumos para o que resta de nossas fábricas. Gargalham da nossa falta de noção e cuidam dos interesses deles. Vi um grupo de chineses no terminal de ônibus. Como eles riem! Como estão satisfeitos. Quando morava em São Paulo, trabalhando na Avenida Paulista, vi como todos os pequenos negócios ao redor daquela celebrada região caíram na mão de chineses ou coreanos. Eles atuam em bloco, cavando o lugar que deveria estar a cargo dos brasileiros. Mas o brasileiro não existe, todos são estrangeiros. No vale-tudo da política, não há nenhuma proposta para acabar com essa sacanagem. No fundo, adoram que sejamos o rabo do mundo.

LIÇÃO - Darcy Ribeiro dizia que o Brasil, quando for independente, iria libertar seus algozes dessa missão. O escravo que rompe as correntes libera o senhor de seu papel. Mas como somos um país de escravos, em que todo mundo pensa ser senhor (para escapar da escravidão), adoramos criar correntes. A pior delas é mental. Temos uma cultura de subserviência. É por isso que todo o sistema de rádio da Era Vargas era voltada para o interesse nacional. A música brasileira difundida maciçamente formou gerações de talentos que deslumbraram o mundo. Mas essa lição não foi aprendida. Hoje rebolamos, para que todos vejam como somos sexy.

RETORNO - Imagem de hoje: a Rádio Nacional, quando havia soberania no país (notem que não há ninguém se esforçando em ser sexy).

9 de outubro de 2006

DEBATE-BOCA NA BAND





A ditadura dá as cartas e nos oferece dois candidatos que se diferenciam na dose do veneno, mas o eleitor, na pequena margem de manobra que dispõe, pode gerar um mínimo de alternativa. É de olho nesse voto mutante que Alckmin e Lula se digladiaram ontem na Band, com óbvia vantagem para o primeiro, que ganhou no detalhe. Primeiro: Alckmin chamava Lula de candidato e este se referia ao adversário como governador e Vossa Excelência. Lula queria ser irônico, mas foi, em todo o percurso do debate-boca, trapalhão. Estava com a cara vermelha e enrolava a língua, enquanto o outro, mantendo sua postura de executivo em missão suja desferia todo tipo de golpe. Lula perdeu votos. O que percebemos é que ele quer que todos agradeçam sua gestão no governo, como se fosse um enviado do Divino. Seus quatro anos foram um pesadelo, de miséria, terror e corrupção. Não dá para entender como pessoas esclarecidas se deixem levar por lábia tão tosca.

POPULISMO - Segundo: Alckmin cresceu às custas das imperfeições do seu oponente. Dizem que Lula saiu furioso da Band, pois viu que não estava preparado para o momento. É típico de Geraldo, crescer onde os outros erram. Hoje ele possui uma grande vantagem sobre os outros tucanos notórios: depois de ter sido esnobado, não precisa mais deles. Fez-se praticamente sozinho, apostou que poderia vencer a parada e agora tem mais chances do que nunca. Ontem, falei que a imprensa não se referia ao voto anti-Lula, mas uma pequena matéria da Folha mostrava como um município do interior gaúcho, que votou majoritariamente em Alckmin, nem sabia quem ele era. Queria apenas que o nefasto se retirasse do poder. O problema é que por trás de Alckmin tem essas coisas como Maílson da Nóbrega, sinal de que a política econômica entreguista não vai mudar. Mas o povo é um sobrevivente e tudo indica que vá escolher aquele que não estiver totalmente envolvido na aniquilação do país e de seus habitantes. Impressionante como tudo o que falavam mal do trabalhismo é feito hoje de maneira escancarada: o populismo das esmolas (chamadas de programas sociais), por exemplo. Na Era Vargas, o salário do trabalhador brasileiro equivalia ao da Europa. Isso sim é política social.

FUSQUINHA - Terceiro: ficou claro no debate que Lula, pela lógica, não pode ser inocente de todo o esquema em que se envolveu, do mensalão ao dossiê fajuto. E que gasta o que não deve. Comparar o caríssimo aerolula com o fusquinha do tempo do sindicato é de uma pobreza sem par. Quando Alckmin acusou a política externa do atual governo de fracassada, Lula saiu-se com essa: como dizia minha mãe, cada macaco no seu galho (!). Esse populismo à toa das expressões significa a má condução do candidato por parte dos que o aconselham. É simples: os pseudo-intelectuais que o assessoram têm uma idéia errada de povo. Acham que povo é uma coisa tosca e que gosta de ouvir esse tipo de barbaridade. Então eles sugerem que o candidato use expressões dita populares, para ganhar e manter votos. Só que o povo tem uma auto-imagem completamente diferente desse tipo de percepção vinda do preconceito de classe. O povo se tem em alta conta e foge da banalização. Pode cair em armadilhas, mas quer mesmo é a auto-superação e não ficar chafurdando na ignorância.

SOBERANIA - Por isso é possível que dê Alckmin no dia 29 de outubro. Se Geraldo for inteligente, poderá mudar o jogo da ditadura e fazer um governo que preste. Se for burro como Lula foi, será defenestrado na primeira ocasião. Se focar na soberania nacional, e não na entrega de mão beijada do país, ficará na História. É muito difícil que tudo isso aconteça. Mas depois da decepção Lula, o Brasil tem direito a sonhar mais alto. Antes, precisa tirar esses sinistros do poder e seu principal líder, o deslumbrado ágrafo que nos governa.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: Família, de Fulvio Pennacchi. 2. Por problemas técnicos, meu site http://consciencia.org/neiduclos, está fora do ar desde sábado. A promessa é que tudo se regularize amanhã, terça-feira.