11 de fevereiro de 2012

SINO


Nei Duclós

A noite chegou de repente, jogando o dia para longe. Ficamos abraços no escuro, com luzes insuficientes. Talvez tenhamos nascido antes que a Lua fermentasse a vida.

O som das esferas é de sino. O universo inteiro é um concerto de címbalos. O contraponto é teu sopro na flauta do meu ouvido.

Minhas palavras às vezes escorregam. Releve. Faz parte da compulsão da poesia. Aos poucos o verso volta ao normal, mais tímido. Quando assume teu íntimo, garoa.

Escrevi nas nuvens. Aproveitei que o tempo estava feio. Mas na manhã seguinte o sol brilhava sobre teu rosto indiferente.

Interrompeste meu choro com uma frase aleatória. Dispersaste minha atenção. Quando voltei a mim, estavas longe novamente.

Me segues, fragilíssima, pela rua do destino. Quando vem um carro te ponho no colo.

Não respondes quando te abordo. Desconversas. Mas não por muito tempo. Voltas, desnudando o ombro.

A culpa é sacana, cobra virtudes do prazer soberano.

Caiu em desuso o eu te amo. Por isso pus no sótão e só de vez em quando abro a tampa. Assim, a cada minuto.

Não vou abrir a porta. Estou mexendo em palavras. Só depois, debaixo das estrelas, naquela praça.

Tarde demais, a sessão já está a pleno. Espere na chuva que depois te beijo, eleita.

Me deito e mesmo longe murmuras algo. Levanto para ver. São aves noturnas, aos arrulhos.

Hoje choveu sobre o mundo. As cartas não foram entregues. Os pombos correio se recolheram em pousadas cheias de música

Quando acabou a guerra, enterraram todas as nossas cartas. Desde então sou o mendigo que revira o lixo atrás do teu endereço perdido.

Uso a imagem da sósia, assim escondo tua identidade. Já és estrela, para que açular a cobiça?

Me ocupas com teu rodeio. Preciso manter o exercício. Saia um pouco pela brisa e volte com pétalas nos cílios.

São dois toques no nosso acordo: um por todo o corpo, outro no céu da boca.

Basta ser o que me dizes: a extrema polidez no trato, o exagero absoluto no beijo.


RETORNO – Imagem desta edição: Dança dos aldeões, obra de Rubens, no Museu do Prado.

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