13 de fevereiro de 2012

FOGO


Nei Duclós

Sinto saudade do fogo. O tempo é água salobra. Amor não bebe o que sobra.

Tenho tuas mãos de viagem. As que nasceram para o aceno. As que uma vez me tocaram se foram junto contigo.

Conheço o tom da pegada. Dançamos junto com a roda. Na hora de formar pares tens sempre alguém na tua saia.

Começo chegando perto. Depois me atiro no jeito. Levanto quando te mandas. Se houver um beijo me deito.

Não quero perder a hora. Virás quando houver carinho.

Não tenho bagagem. Ando sem estrada. Os poemas me seguem como pássaros em bando.

Tem pouso? perguntou o peregrino. Tenho só um quarto, disse a mulher da estalagem. Fica no sótão. A outra vaga é no meu coração.

Há tempos não me vias. Lembrei do nosso encontro. Depois partiste, andorinha.

O comboio do poema passou há tempos. Perdeste a cavalgada. Mas ficaram as pétalas pisadas e o cheiro acre do meu corpo em brasa.

Ainda sou teu. Tuas marcas não se foram.

Não te elogio mais, só serve para atrair predadores. Vou acabar com tua biografia em cinco linhas.

Podemos recomeçar como se não tivesse havido nada. Tenho uma borracha. Vou apagar a ferida que chamam de coração.

Rolamos o dia inteiro. O abismo não tinha fim. Acabamos num vale e havia flor por todo lado. Eram teus suspiros.

Fui viajar mas desisti, troquei as passagens. Comprei uma entrada de cinema, onde passavas em sessão dupla.

Fiquei vazio depois da nossa conversa. Preciso voltar ao lugar onde te vi primeiro. No fundo do mar, eu acho.

Naufraguei na ilha deserta, o lugar onde marcamos desencontro.

Tomo notas quando falas. São versos e desenhos: sóis, jóias, espelhos. E um brinco de ouro a prazo com sonetos sem data de vencimento

Leio em ti algo escrito a batom no vidro da janela que dá para o desassossego.

O que escrevo te acompanha pela noite adentro. De vez em quando a palavra tranca no peito. É quando te beijo.

Já disseram que poesia é perda de tempo, a maior viagem. Concordo. É preferível pontificar certezas com cara de paisagem.

Amadureça, me disseram. Não consigo, fico verde quando você está por perto.


RETORNO – Imagem desta edição: Clara Bow.

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