3 de fevereiro de 2012

IDOS DE MARÇO, DE CLOONEY: DISCURSO É PODER, NÃO BASTIDOR


Nei Duclós

“Invada o Oriente Médio, mas não coma a estagiária” é a lei eleitoral americana imposta por quem manda, o marketing político. Não se trata de bastidores, é o próprio poder, se entendermos o poder como linguagem. O discurso que manobra a nação é formatado pelos idealizadores da campanha. Esta, é a origem, a fonte e a fórmula do texto que manipula o voto, que é o que menos conta. Esses princípios estão em “Idos de Março” (no Brasil, Tudo pelo poder) , do diretor George Clooney, também co-roteirista junto com o autor da peça em que se baseia o filme, Beau Willimon, além de um dos principais intérpretes.

O assassinato de Julio Cesar em 44 a.C por um grupo de conspiradores, em que a surpresa foi a participação do filho Brutus, é o mote da trama, que inclui uma traição pesada numa campanha que se quer moralista e renovadora. A surpresa do poderoso diante do crime que envolveu seu protegido tem a ver com o impacto do pragmatismo escroto da política americana no coração dos ideais da nação. Clooney não brinca em serviço,coloca a mão na ferida democrata, humilhando o próprio partido que nada aprende com os republicanos, estes sim exímios artistas do jogo bruto pelo poder. O que importa é chegar no cargo, e não o que é dito e feito para isso.

O filme mostra a corrupção súbita de pessoa chave da campanha, o jovem bem sucedido interpretado pelo canadense Ryan Gosling, que se envolve com a belíssima Evan Rachel Wood, a estagiária, filha de político influente, grávida do governador. A gravidez fora do casamento é a vilania do discurso político. O aborto é a ruptura, que causa estrago se deixar pistas. Como deixa, abre a guarda para a chantagem, que é no fundo a grande vitoriosa da campanha. Por meio da chantagem, é demitido o chefe do marketing, interpretado magistralmente, como sempre, por Philip Seymour Hoffman.

Aliás, o elenco sobra. Há ainda Marisa Tomei como a repórter que tudo pergunta e portanto acaba descobrindo, e o assessor do candidato adversário, o excelente Paul Giamatti, que consegue estragar a vida do seu principal concorrente por meio do convencimento, da sedução e da fraude. Tudo passa pelo discurso. O marketing treina as palavras em cenários previamente acertados e as coloca na boca do candidato. Este, tenta manter a coerência do discurso, que acaba se deslocando da ética. Os aliados intensificam a corrupção. Não é que o sonho de uma política ética tenha acabado, ele nunca existiu.

Estaria Clooney dando um recado ao seu partido, tradicional perdedor de eleição presidencial por falta da necessária crueldade e isenção ética? Seria uma denúncia ou uma celebração? Clooney lava as mãos, com seu cinismo exuberante de grande ator, que abraça papéis formatados para mostrar sua maestria minimalista e contundente. Trata-se também de um grande diretor, como nos provou em filmes como Boa Noite e Boa Sorte, que é também sobre linguagem, a mídia.

O cinema é o texto escrito pelos roteiristas, cineastas e atores. É uma arte totalmente voltada para si mesma. Todo filme mostra o que o cinema é ou faz. Neste, exibe as vísceras de sua mais radical performance, que é o de escrever a História por meio da mentira bem posta e objetiva.


RETORNO - Imagem desta edição: Ryan Gosling dizendo ao candidato como a coisa funciona.

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