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2 de junho de 2011
HISTÓRIA, A PAIXÃO SECRETA
Nei Duclós
Quando entrei para a Faculdade de História da USP notei que essa ciência humana é a paixão secreta de todas as pessoas estudiosas. Comecei a me interessar de fato por ela em 1980, quando apareceu na redação da Ilustrada, na Folha de S. Paulo, o livro Lusardo, o ùltimo Caudilho, de Glauco Carneiro . Mais tarde tive a oportunidade de agradecer ao autor por esse livro maravilhoso, que é uma História do Brasil da primeira metade do século 20.
Comecei a perseguir os assuntos a partir da bibliografia de Glauco, que foi grande repórter da revista O Cruzeiro e escolhido pessoalmente por Batista Lusardo, já que tinha acertado em cheio numa reportagem antológica sobre ele na revista. O livro é a evolução de uma reportagem, que se transforma em História e usa os recursos da Literatura. Essa leitura de décadas me levou de volta aos bancos escolares, pois anos de trabalho em redações tinham sugado todo meu conhecimento que conseguira reunir. Foi minha melhor decisão. Na faculdade, aprendi metodologia, como estudar a partir de documentos. Nada mais valioso para a profissão e a vida.
Foi quando me convenci que o repórter, redator, editor, precisa mesmo é de uma faculdade clássica, como Filosofia, Direito, Economia, Ciências Sociais, História e depois uma especialização em jornalismo como pós graduação. Com acesso aos autores fundamentais, diminuímos a capacidade de errar, pois um dos desafios da profissão é dispor de muito espaço e pouco acervo teórico. Não a teoria inútil de ostentação, mas a que vale a pena, a que mostra caminhos e revela o que está aparentemente indecifrado. O complemento do ofício, além da prática exaustiva, é a leitura de grandes reportagens em forma de livros.
É moda hoje nas mídias sociais as listas sobre tudo. Uma delas é com títulos do jornalismo. Minha seleção inclui Lutando na Espanha, de George Orwell, que é o depoimento de um autor engajado na guerra civil de 1936 a 1939; Dez Dias que Abalaram o Mundo, de John Reed, um impressionante relato sobre a Rússia revolucionária de 1917; Rota 66 e Nicarágua: a Revolução as Crianças, de Caco Barcelos, dois exemplares do que melhor se fez no Brasil nessa área; Minha Razão de Viver, de Augusto Nunes, uma biografia do fundador da Ultima Hora, Samuel Wainer, absolutamente obrigatória; o próprio Lusardo, O Último Caudilho, de Glauco Carneiro; Paris é Uma Festa, de Ernst Hemingway, o livro definitivo sobre a mítica cidade do início do século 20; Pesadelo Refrigerado, de Henry Miller, a visão crua dos EUA numa viagem de carro do autor maldito e radical; entre outros.
Mas eu queria mesmo era falar sobre Alexander Kerenski, brilhante advogado e orador que foi Primeiro Ministro do Governo Provisório da revolução de Fevereiro de 1917, derrubado pelos seus aliados, os bolcheviques em outubro daquele ano. Kerenski teve uma longa vida (1881-1970) e morreu no exílio nos EUA, para onde foi depois da invasão nazista na França, sua primeira opção depois de sair do poder. Os ortodoxos não quiseram sepultá-lo por ser maçon. Foi então foi enterrado em Londres. Kerenski escreveu uma autobiografia, jamais traduzida. Só a História, nossa paixão secreta, poderá resgatá-lo.
RETORNO - 1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: a rampa do prédio da História e Geografia da USP, milhares de vezes palmilhada por vários anos. Tirei daqui.
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