21 de dezembro de 2010

UNIVERSO DATADO


Nei Duclós (*)

Nunca consulto o calendário para encontrar tema de crônicas. Mas as datas se impõem, como no assunto recorrente, as Boas Festas. Por isso procurei me informar sobre o dia 21 de dezembro, dia da publicação deste texto, imaginando algo como “na pré-antevéspera”, para justificar a proximidade com o Natal. Mas existem outros apelos, mais importantes do que ser coadjuvante do Papai Noel. É o chamado solstício de dezembro, quando nos revezamos com o hemisfério norte em relação ao dia mais longo e a noite mais curta do ano.

É o momento em que o Inverno dá as caras nos países ricos, mesmo que a friaca tenha se antecipado por lá e se manifestado tardiamente por aqui. Chegamos ao princípio oficial do verão, o que não tem importância nenhuma para quem é das Europas, onde, soube recentemente, nem somos considerados ocidentais. Costumamos nos iludir querendo fazer parte de uma realidade que nos exclui e nos vê apenas da cintura para baixo, onde a metralhadora faz par com os chinelos, e as curvas são marketing turístico. Nem sempre foi assim. Por algumas décadas fizemos um sucesso relativo, de Villa-Lobos a Tom Jobim. Mas depois caímos na vala comum.

Os maias tiveram seus momentos antes de caírem nas mãos dos espertalhões barbudos. De vingança, eles aprontaram más notícias para o 21 de dezembro: daqui a dois anos será o Apocalipse. Como o fim do mundo maia já ocorreu, eles apenas poderiam ter errado em alguns séculos. Existe a mística de que os povos antigos eram bambas em contas. Mas ninguém atina na possibilidade de alguém dormir no meio de uma ação coletiva de cálculos complicados, espécie de linha de montagem de profecias nos tempos idos, e num efeito dominó influir negativamente no resultado.

Mas essa é uma possibilidade remota. A fé contemporânea nas previsões antigas é sólida demais. A ansiedade aumenta quando relemos São João e descobrimos que na hecatombe definitiva não haveria mais segredos. Em época de Wikileaks, esse é mais um sinal de que as profecias não estejam de todo distorcidas em seus prognósticos. A única dúvida é como será a última postagem. Aquela que ninguém lerá, mas que, fiel à sua natureza, estará visível até a derradeira gota de luz. “Tem alguém aí?” será talvez a única herança que deixaremos para a posteridade.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nestra terça-feira, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: o Apocalipse de Vasilis Bottas

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