7 de dezembro de 2010

PRETENSÕES


Nei Duclós (*)

A diferença da época atual é que as pretensões, que existiam em ambiente restrito, ganharam foros de cânone. Era difícil romper as fronteiras impostas à soberba, pois as pessoas não tinham ainda atingido o nível de mídia internacional, como acontece hoje na internet. Com o e-mail, os blogs e os twitters da vida, a toda hora nos deparamos com novos e infindáveis reis da cocada de todas as cores.

O sujeito escreve alguma coisa, manda uma mensagem e no mesmo instante você é tratado como leitor, mesmo que não consiga chegar ao fim do texto. Pior: agora o receptor começa a fazer parte de um plural que, em tese, segue compulsoriamente o autor das mal traçadas. “Obrigado, leitores”, diz. É também hilário o hábito, tornado obsoleto com a simultaneidade digital, de anunciar algo fazendo suspense. “Leia amanhã no meu site”. Ora, coloque logo no ar e não faça marola, pois isso de ver depois é coisa do tempo antigo. “Daqui a pouco falo contigo, isso veremos mais adiante”.

Nas mídias sociais, há o recurso de adicionar alguém para seu grupo de conversa. O sujeito anexa e você, pessoa educada, retribui. Pois imediatamente o que batia na porta vira anfitrião: “Bem vindo ao clube!” diz, como se fosse um privilégio ser membro de tão exclusivo ambiente, que é o seu ego. Também é costume disseminar ordens para desconhecidos: “Visite meu post, faça um comentário, dê RT.” Sem querer, somos anexados a um Exército Imperial onde o augusto anônimo é o legislador e o manda-chuva absoluto.

Como as pessoas estão separadas de maneira aparentemente segura pelo vidro do monitor, então tudo é permitido. “Goethe disse e eu digo agora”, escreveu alguém, comparando-se ao Olimpo que, como todos sabem, é apenas o precursor de tão notória existência. É um espanto. Fica difícil conviver com celebridades coalhando cada metro quadrado do mundo em lotação completa. Ainda mais sabendo que diante da multidão de estrelas no palco iluminado, você é o único que está na plateia.

Eles estão prontos a dar autógrafos. Você então é brindado por garranchos em pleno domínio da letra impressa. É uma concessão que fazem, quando transformam o resto da humanidade em alvo desse ofício majestático, que é redigir uma dedicatória com assinatura equivalente a um selo real.


RETORNO- 1.(*)Crônica publicada nesta terça-feira, dia 7 de dezembro de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.2. Imagem desta edição: capacete do antigo exército imperial prussiano.

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