28 de dezembro de 2010

LÍDER


Nei Duclós (*)

É duro não ser um líder. Ouvir contestação até nas frases à toa, as que se diz para preencher claros da conversa. Ninguém atender mesmo quando se pede as horas. Aturar a desobediência até do mais miserável dos guaipecas. Chegar numa roda e todos fazerem súbito silêncio e, diante da insistência, virar alvo de um olhar assassino. Subir uma escada e ficar com um pincel na mão. Tomar uma decisão e partir, solitário, para a ação. Tentar entrar na conversa e as pessoas se entreolharem perguntando o que você disse mesmo?

Ser o único da turma que não foi anexado à imensa confraternização. Pegar reserva no terceiro time. Ser chamado por outro nome. Bater na porta e depois correr dos cachorros. Jamais obter resposta de uma carta ou solicitação. Acenar para ninguém nos dias de celebração coletiva. Aparecer cortado ao meio na foto que todos os outros consideram inesquecível. Estar de roupa clara numa noite de gala. Ter raspado a cabeça quando a moda era o cabelão. Usar boca de sino em revival achando que ainda está na onda.

É duro não ser um líder. Perder eleição para síndico de servidão. Não ter o nome cogitado para qualquer cargo num clube. Nunca compartilhar a sorte, exceto quando dividem o prêmio do terno com 1 milhão de ganhadores. Fazer algo extraordinário e o crédito ir para o pior inimigo. Disputar a garota e acabar servindo cafezinho para quem ela escolheu. Fugir para a praia e encontrar o vizinho. Conquistar enfim a menina dos sonhos e no primeiro ataque virar alvo da atenção geral da multidão de parentes e conhecidos. Chover quando algum acontecimento importante for planejado.

Ser apedrejado pelos petizes sem nenhum motivo aparente. Fazer os mandados. Ceder o quarto para as visitas. Receber mensagens automáticas. Sofrer a ação esnobe dos convivas num encontro de nerds. Pedir, em vão, carona um dia inteiro na estrada lotada. Chegar um segundo atrasado no banco em véspera do feriadão.

A única solução para situação tão desesperadora seria sentar no meio fio e rezar por uma chance. Desde que não seja ao lado do bêbado que anuncia para o próximo ano a queda triunfal de um asteróide. O não líder tem tudo para acreditar. É capaz de assumir a ressaca sem ter tomado uma gota.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 28/12/2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.2. Imagem desta edição: Quixote, segundo Sterne.

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