13 de novembro de 2010

COMER, REZAR, AMAR: ALTERIDADE A SERVIÇO DO MESMO


Não basta conquistar o mundo economicamente pelo capital especulativo, politicamente pela pax americana e militarmente pela invasão do Oriente Médio. É preciso mostrar que o mundo está a seus pés na indústria do espetáculo para a coisa funcionar direito. Nem é preciso homens para isso, esses estão torturando e matando civis em Bagdá. Uma mulher é suficiente, uma personagem de best-seller interpretada por Julia Roberts, para colocar o planeta no chinelo: a Itália e seus "macarroni" e gestos exagerados, a Índia com sua miséria e espiritualidade tornada de resultados e de auto-ajuda e o Brasil na pele de um latin lover interpretado por um espanhol, Javier Barden, no mais ridículo papel de sua carreira (sentindo “saudade” e tocando bossa nova para dançar).

O que me espanta é que fazem um auê em cima de um filme como Comer, Rezar, Amar (2010) e tudo não passa da velha história da americana enjoada que vai para o terceiro mundo mudar de testosterona, já que os conterrâneos que não queimam vivos as populações pobres não dão no couro, pelo menos é o que parece. Um é infantil, o outro gelado e o outro velho e sofrido demais. Enquanto isso, a pobre da americanazinha se desespera pelo que suas necessidades clamam.

Fora a obviedade da falta que deve fazer a força do carvão de pedra, os motivos de tanta infelicidade não ficam muito claros, já que relationship é a palavra guarda-chuva que abriga tudo, de casamento a transas esporádicas sob sua sombra. Só sabemos que ela reza por um homem, exausta dos que se atravessaram no caminho. Dinheiro, emprego, casa, comida e roupa lavada não são suficientes, a moça parte para terras ignotas saborear petiscos e farejar algo que a livre da solidão tenebrosa a que está condenada, por razões misteriosas.

Trata-se de uma grande suruba mental globalizada, num clima de barcos singrando o entardecer, fogos fátuos de lareiras e fornos com perus e pizzas, paisagens bucólicas onde se anda de bike para, ó clichê, ser atropelada pelo futuro amor. Mas a tragédia maior são os diálogos, com frases do tipo "abra-se para um novo amor, que está na hora", ou "deixe o universo entrar com tudo no vácuo que você criar se perdoando", ou algo assim. É um troço escabroso essa cultura pret-a-porter que encanta as mentes rasas como pires na grande festa da comunicação de massas caseiras.

No fundo, é filme turístico, espécie de teaser de agência de viagens, propaganda de ong que faz ricaça de Nova York lavar o chão do templo para expiar culpas, ou silêncios obsequiosos falsos que servem apenas para melhorar a performance da garganta. O filme é de chorar de raiva, principalmente quando vemos uma atriz razoável como Julia Roberts, com sua boca de bagre que parece recém ter saída do bisturi do cirurgião plástico, fazer o papel da moçoila em busca de um amor jamais correspondido.

Enquanto ela bate calçada fingindo que está à procura do teu verdadeiro tu, o fato é que precisa casar, como dita a velha lei do mercado. Tanto é verdade que o ridículo casamento indiano arranjado, em que os noivos se conhecem nas bodas, é tratado como grande coisa, uma espécie de encontro compulsório com a felicidade. O que derruba por terra todo o palavrório de escolhas. O que pega mesmo é ganhar um marido e não se fala mais nisso. E continuar americana, claro, porque disso eles não abrem mão. Índia, Bali, Nápoles, tudo bem para passar um tempo. Mas o que vale é a home, a América velha de guerra, em que uma vaquinha de 18 mil dólares pode comprar a casa da curandeira pobre divorciada.

Pobre Sétima Arte. Virou clipping de almanaque de curiosidades, com lágrimas de crocodilo inundando as praias como um tsunami de idiotias.

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