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17 de agosto de 2010
ENCANTOS ETERNOS
Nei Duclós (*)
Tentei ver um filme que mostra um antigo ditador na alcova fazendo sexo por vários minutos, várias vezes. Exausto da baixaria, migrei para um Hitchcock de 1938, The Lady Vanishes, sobre a governanta que some numa viagem de trem e todo mundo finge que nunca a viu, para desespero da protagonista, a bela Margaret Lockwood, no papel de uma americana liberada e noiva de alguém que não ama. Ela acaba sendo ajudada pelo pesquisador de danças da Europa Oriental, interpretado por Michael Redgrave que, claro, será seu futuro marido. Ambos decifram a charada do sumiço da velha senhora.
Hitchcock faz um filme que é soma de tudo o que hoje se divide em nichos, como se a Sétima Arte tivesse de ficar sob o tacão de gêneros. O filme de 1938 é comédia, suspense, romance, drama, thriller político etc. É anti-pacifista, já que a Europa estava conflagrada desde 1936 com a guerra espanhola, onde os nazistas pontificavam. É hilário, quando mostra o casal gay de ingleses da classe média fanáticos por cricket. É de chorar quando um deles diz que não sabia que o hino da Hungria era uma rapsódia com duração de 20 minutos.
A cena de briga entre o casal em busca da chave do mistério e o mágico envolvido na trama do desaparecimento, se sobressai a pantomina é um número de palhaços de circo, com mordias na mão, pontapés errados, golpes na cabeça, desmaios cômicos. E o mais incrível: tudo funciona maravilhosamente.
Também impressiona o que hoje chamam de efeitos especiais. O herói fora da janela do trem enquanto fica praticamente prensado entre duas composições que trafegam em sentido contrário é um ponto alto da ação eletrizante. Ou seja, não é preciso muitos recursos para deslumbrar a platéia. Basta a competência ao criar ilusões e é disso que , no fundo, o cinema trata. É uma arte que dribla o nosso olho ,que fica à mercê de imagens fixas navegando diante de nós. Ou não é mais assim com a tecnologia digital?
Criado no tempo do celulóide onde o cinema, como dizia Godard, é a verdade 24 vezes por segundo, continuo encantado com o acervo produzido em décadas passadas. Há muita coisa boa recente, mas é insuportável a vocação da indústria hoje tentar nos impactar com apelações visuais. Precisamos de mais qualidade, de mais Hitchcock e um bom zero para a mediocridade e o mau gosto.
RETORNO - 1. Imagem desta edição: Margaret Lockwood no colo de Michael Redgrave - alta carga emocional e de sensualidade sem nenhuma baixaria. 2. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 17 de agosto de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.
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