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31 de agosto de 2010
DESFILE
Nei Duclós
Pássaro no fio é pauta musical. O equilíbrio do pouso é rompido pelas notas que vibram no ar. Bentevis sobre postes duelam clarins com quero-queros no chão. O arrulho da pomba tem som de tambor. A banda militar dobra a esquina e adentra, soberba, entre as alas da multidão silenciosa. Os loucos vão atrás, depois das filas das tubas e recebem todos os aplausos. Uniforme com friso, farda engomada, quepe reluzente, o dobrado inaugura a procissão da tropa, convicta e determinada, a sacudir os braços em uníssono como vôo coletivo migratório sob a batuta de um bamba.
O desfile é breve para tanto feriado. Há uma coreografia de bandeiras pequenas, de papel, com as cores nacionais nas mãos de alguns escolares. Cidadãos envelhecidos antes do tempo miram sem entender a origem do evento. A Cavalaria marca presença com tropel de entusiasmos. Há um capitão envergando uma espada e evoluindo a trote, como nos filmes. Moças jogam confete. A gurizada se segura para não invadir o coreto, onde se espremem autoridades. Lá está cheio de balões, cobiçados pela disputa de quem nasceu para competir.
Pais levantam bebês para olhar o plano geral do rio de capacetes que ultrapassa já o limite da avenida. Há ainda o espetáculo dos tanques, antigos, mas caprichados, capazes de derrotar inimigos de qualquer época. Sobre a máquina poderosa, vai o jovem tenente instrumentado com microfone acoplado na cabeça, desses que se usam na televisão. Fala com alguém postado lá pela margem do rio, que está em guarda. Estamos seguros: enquanto os passos dos soldados estiverem por perto, poderemos fazer compra nas cidades da fronteira e passar em frente do quartel sem susto.
Depois que passa o esquadrão de expedicionários da selva, acaba o desfile que começou com os últimos veteranos da II Grande Guerra, lembrados uma vez por ano. O povo acena o adeus para uma idéia de Brasil, que agora entra em nova fase. Somos testemunhas da existência de um país, de bravura jamais esquecida. Lembraremos dele para nossos descendentes, ao redor do fogo, como nos velhos tempos. As crianças, de boca aberta, e de costas para a quinquilharia eletrônica, estarão atentas. Elas escutarão a história enterrada no coração dos avós, que enfim migram para o Outro Lado, como pássaros postados no fio da eternidade.
RETORNO - Crônica publicada nesta terça-feira, dia 31 de agosto de 2020, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.
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