30 de abril de 2010

AS VOCAÇÕES PARTIDAS E OS CRIMES DE BELO MONTE


As pessoas nascem predestinadas para fazer alguma coisa com prazer e bem feita. É um presente divino para evitar indecisões e perda de tempo. Mas no Brasil as vocações costumam ser partidas ao meio. Conheci pessoas que abriram mão de tudo para chegar na aposentadoria e tirar o atraso. Bem, alguns morreram. O esforço numa idade avançada, a emoção, talvez o remorso ou mesmo a falta de hábito tiraram o corpo daquele nicho onde viveram a vida toda. A ruptura foi fatal.

Vejo nas biografias de autores de livros os sinais explícitos das vocações partidas. Fulano é escritor, autor de romances, crônicas, poesia e também, vamos supor, “O desenvolvimento da Costa Sul do Maranhão – um desafio do Brasil Grande”. Quer dizer, ninguém é de ferro, é preciso viver. Tem gente sob medida para ganhar o sustento escrevendo sketches em programas da televisão, mas acaba sócio de um McDonald. O resultado é uma humanidade em ruínas, atirada pelos cantos, a fazer cursos tardios de criação depois de ver a biografia ir para o ralo.

Colocar-se no miolo do furacão tem um preço mortal. Você pode desaparecer para sempre. Mas também, se insistir, é capaz de acertar. Mesmo nesses casos, nem sempre você consegue seguir exatamente o chamamento (vocare) adquirido misteriosamente na concepção. Por exemplo: você nasceu para o romance policial, por isso insistiu em ser escritor, acaba jornalista e analista de economia em jornalão. Até se esforça, procura resolver o mistério da alta dos juros, mas não há nenhum detetive solitário na sua narrativa, que encontra a bela mulher numa tarde de miséria no seu escritório tomado pelas sombras.

Conheci inúmeros jornalistas que não tinham noção do que estavam fazendo numa redação. Hoje deve ter muita gente assim, depois que as faculdades de comunicação proliferaram como cogumelos pelo país afora. Com o fim da obrigatoriedade do diploma, há talvez um recesso, mas a profissão continua atraindo médicos em potencial ou advogados que jamais conseguiram fazer uma faculdade à altura de seu gosto e talento. O resultado são os nós do noticiário. Vamos pegar Belo Monte, um troço complicado, que confunde até gente preparada.


A Usina de Belo Monte, prevista para funcionar na Amazônia, precisa de mais quatro barragens, além da que terá grudada a ela. Também faz parte de um conjunto de dez hidrelétricas previstas para os próximos anos. Ou seja, a Amazônia inteira, praticamente, será inundada. Isso não é dito explicitamente, pois a estratégia é debater conflitos localizados. Também não se falava nos interesses da Venezuela, que ontem finalmente mostrou a caratonha assinando uma acordo de cooperação energética. Tenho para mim que as usinas da floresta são para abastecer o Chavez, mas como todos sabem, sou apenas um implicante.

Quem está contra Belo Monte e seu entorno?O bom senso, a sobrevivência do país, a diversidade biológica, a preservação de espécies, a manutenção da vida de algumas tribos etc. Quem é a favor? Além de quem se equivoca, os que venceram a concorrência para construir a usina e que são desmatadores profissionais, como mostram inúmeros processos. Ou seja, deram Belo Monte para quem já está destruindo a floresta. Faz sentido, não faz?


Outro detalhe fundamental é que as várias barragens vão formar um conjunto de gigantescos reservatórios de água monitorados por empresas privadas. Já estão roubando água na Amazônia, como atestam várias denúncias. Navios carregam enormes sacos com água potável e arrastam até a clientela. Com as barragens, tudo fica mais fácil? Deixa de ser extrativismo para virar indústria.

O problema é que insurgir-se contra a inundação da floresta é luta exclusiva das Ongs que estão explorando a floresta de todos os tipos. Registrando princípios ativos de plantas medicinais, prospectando novas jazidas de minérios, levando tesouros embora, a vasta rede do Falso Bem inunda a Amazônia com seus pastores, catequistas, invasores etc. O Brasil a tudo assiste de braços cruzados, pois a entrega do país está consolidada desde 1964.

Aí vem o James Cameron, que chamou no filme Avatar os povos da floresta de animais, com focinho e fera e rabo de macaco, defender a floresta. Essa luta não é do Cameron. É nossa. É uma luta contra a ditadura, representada pelos nossos algozes que agora aofercem a chapa única Serra-Dilma (por isso não encontram vice!) e contra o imperialismo, que quer não apenas o ouro, o ferro e o nióbio, mas a água. Mientras tanto, o crime organizado brasileiro provoca problemas na fronteira paraguaia e enche o presidente Lugo de moral, que chega com tropas nas fuças do Brasil.

Só vamos derrubar a ditadura quando nos convencermos que ela existe. Essa deve ser nossa vocação: o Brasil, o amor partido que carregamos no lado esquerdo do peito.

RETORNO - A.Imagens desta edição: duas fotos do filme Niagara (1953), de 1953. A maior é Marilyn Monroe, a esplendorosa vocação partida no auge da beleza. A menor é Joseph Cotten fazendo o que fazem atualmente: estrangulando a natureza.

B. Links sobre o tema Belo Monte, informações pesquisadas por Ida Duclós:

1. "Viável ambientalmente" é o quê mesmo? http://bit.ly/biAz8h
2. BNDS capta dinheiro com o Fundo Amazonia p/ preservar a Amazonia e financia as empresas que estão destruindo a floresta.http://bit.ly/aWpDCY
3.Em abril, Lula assinou decreto q permite construção de novas hidroelétricas na Amazônia http://bit.ly/clJXw3
4.Venezuela negocia importação de energia elétrica com o Brasil http://bit.ly/b3DFDy
5. Até Miriam Leitao não aguentou o leilão para fazer Belo Monte "Na lei ou na marra" http://bit.ly/bg0gjC
6. Belo Monte power station will be built by Bertin company guilty of Amazon deforestation by cattle and slave labor http://bit.ly/2FmmFB
7.Ministra Meio Ambiente Izabella Teixeira assumiu e demitiu presidente e diretores do IBAMA p fazer Belo Monte e + hidroelétricas na Amazonia
http://www.amazonia.org.br/noticias/print.cfm?id=336696

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