26 de janeiro de 2010

CAIU O SISTEMA


Nei Duclós (*)

Sobram exemplos de queda do sistema, mas nada comparado à tomada do Palácio de Inverno ou à guerrilha de Sierra Maestra. Quando serviços básicos da internet param de atender aos nossos caprichos, há pânico, mas não é sinal de uma revolução à vista. No máximo a impossibilidade provisória de dialogar com meio mundo pode provocar seqüelas para a vida adulta.

A crise que abalou as Bolsas de Valores, vistas até então como lugares meio loucos, mas confiáveis, deve ser atribuída às contradições do capitalismo e não à idéia de que o Chavez tinha razão. Quando o caixa do banco deixa de funcionar na hora exata de resgatar o cheque que iria salvar sua vida é mais um trauma psicológico do que outra coisa. Não significa que o universo financeiro não esteja conspirando a seu favor.

A verdade é que não se derruba mais o sistema, ele cai simplesmente. Descobrimos que era algo precário, contra o qual desperdiçamos nossas vidas. Tantos punhos cerrados, passeatas e voto útil para nos entregarmos ao fato de que não podemos viver sem ele, apesar da revolta. Não chega a ser uma compensação verificar que o sistema cai de maduro, como acontece quando você usa banda larga sem fio. Mas também é um alívio abandonar a ilusão de que uma escopeta poderia impedir a irresistível ascensão dos bobalhões ao poder.

Hoje vemos idiotas posudos nas fotos dos grandes encontros. Não existe mais aquela soma de carismas que reunia a flor da gerontocracia, em que vetustos líderes, alguns em cadeira de rodas, faziam parar a máquina da guerra depois que as nações se estraçalharam. O que existe são apêndices de beldades aparentemente governando desde Paris, ou potenciais candidatos ao harakiri fazendo autocrítica ao deixar o poder.

É que, com a queda daquele sistema que tomou conta das nossas preocupações por mais de uma vida, houve a substituição por algo pífio, como se a montanha (nossa expectativa pelo futuro) parisse um rato (o bolivarismo, por exemplo). Enquanto isso, tanques de guerra invadem o país negro em ruínas, como se a população pacífica fosse a bomba étnica prestes a explodir. Talvez o único sistema que deva cair seja o da estupidez humana, que prepara o Apocalipse como se fosse redigir um curso a distância.

RETORNO - 1. Crônica publicada nesta terça-feira, dia 26 de janeiro de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: Horse, obra do estupendo Ricky Bols.

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