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3 de maio de 2009
O TEATRO DOS OPRESSORES
Você liga a televisão a qualquer hora do dia ou da noite e aparecem três personagens, cantando, rindo, conversando, jogando, se abraçando, sacudindo os braços, atuando em novelas, shows, gincanas, bate-papos, sendo alvo de homenagens, virando personagens de filmes, conversando com Xuxa, Angélica, Faustão: Zezé di Camargo e Luciano e o cantor Daniel. Você jamais vê Edu Lobo, José Gomes, Claudio Levitan (que acaba de ganhar o Prêmio Açorianos de melhor cd infantil, com a opereta Pé de Pilão), Bebeto Alves (outro ganhador do Açorianos e super homenageado pela carreira de 23 discos). Aí, de repente, você fica sabendo que Augusto Boal morreu.
Ou seja, o Boal, autor de inúmeras obras, de peças magníficas como Arena Conta Zumbi (junto com Gianfrancesco Guarnieri e músicas de Edu Lobo), autor do Teatro do Oprimido, de renome internacional, que chegou a ser indicado para o Nobel da Paz, jamais aparece na programação, a não ser em forma de necrológico. A televisão brasileira, túmulo do país, é especialista em necrológicos que soam como vingança contra o talento.
Foi assim com Ingmar Bergman e tantos outros. Boal, nascido um ano depois da revolução de 1930, foi também escritor de romances e novelas, além de peças de teatro, poemas etc. Diante da gigantesca omissão, e em frente às câmaras na hora do funeral, Juca de Oliveira foi sucinto, falou pouco. Fez muito bem. Agora que morreu querem saber de Boal? Quem tem que escancarar as telas e microfones para pessoas de grande importância cultural são as redes de televisão, que ficam entupindo a população de porcarias, desses gritões que deveriam estar numa escola de música. Mas, contente-se: morto aos 78 anos de leucemia, Boal teve seus segundos de exposição na mídia. E tudo volta ao “normal”.
A publicidade, cada vez mais asquerosa, exatamente por ninguém peitá-la, exibe porcarias sucessivas. Não presto muito atenção nos comerciais, que vejo de vez em quando, pois me dedico a filmes. Mas juro que vi um comercial em que duas imbecis comentam a performance sexual do energúmeno que lê jornal no sofá e no fim do reclame o próprio pede para a empregada limpar a parte de cima da estante para poder ver-lhe os glúteos. Nas novelas, negras uniformizadas são achincalhadas pelas patroas, enviadas a toda hora para o “lugar delas”, a cozinha ou a faxina. As novelas são a representação da vida privilegiada do pessoal bem pago da televisão, rodeados de escravas.
O noticiário é um espanto. O Jornal Nacional dedicou uma semana de reportagens especiais sobre um nicho que eles faturam do dinheiro público há décadas, o ensino a distância. A atual ditadura, que tem a televisão como catarse e orientadora, sempre quis distância do ensino, daí tanto ensino a distância. O tal Telecurso vai ao ar às cinco da manhã, ou por aí, na hora que o trabalhador levanta para pegar no pesado. A veiculação é só para constar, a grana já está garantida.
Os noticiários são uma sucessão de eventos. A fulaninha famosa que faz um prato especial, a grande festa das pizzas napolitanas, a cervejada dos tedescos, a cavalgada dos xirus, o fogaréu dos mineiros, as procissões dos desesperados, as súplicas dos aflitos, as vendas dos shoppings em datas especiais. E alguns fatos recorrentes, como a crueldade dos pais que estrangularam a filha, a pandemia pandemônio, as torcidas loucas para serem campeãs. É tudo uma montanha de barbaridades e superficialidades e matérias de interesses, denúncias vazias e caras e bocas de politicamente corretos, com cenhos e dedinhos advertintes. Ora, vão cagar pedra.
Lembro quando tive o disco Arena conta Zumbi. Foi quando descobri Edu Lobo. Ontem, no you tube vi e ouvi um depoimento ótimo da Maria Bethânia sobre nosso maior compositor vivo. Bethania fala da segurança musical de Edu, da marca de suas composições, da delicadeza em tudo o que faz, da sua sofisticação. Num outro vídeo, um jovem músico toca Borandá na flauta e conta que os amigos perguntam de onde ele tirou aquela música. É Edu Lobo, diz, para espanto dos pobres despossuídos da cultura no país da ditadura e da bandidagem no poder.
RETORNO - Imagem desta edição: Augusto Boal em ação.
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