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1 de maio de 2009
EM BUSCA DA ÁFRICA
Nei Duclós
Uma das coisas mais pentelhas que me atanazaram nesta profissão foi a obsessão. Quinhentos auditores caem sobre tua matéria como urubus antes da publicação. O editor te manda reescrever tudo na madrugada e no dia seguinte, quando voltas para casa barbudo e furioso, ele tira o que conseguiste produzir e coloca no lugar um anúncio de mídia interna. Sujeitos debulhavam teu texto como se fosse uma tainha e o expunham ao sol, para secar. Depois salgavam e iam vender na feira. Ou pior: guardavam, até começar a feder.
A merdalhada toda de dados hiper checados entre gestos de segurar os óculos, que costumam escorregar pela pele oleosa, jamais fica na mente dos leitores. Aos poucos, ao longo de décadas, eles foram abandonando essa produção insana que no fundo apenas justificava o avanço do capitalismo rumo à constelação gelada de Hércules, nos confins do cosmos sem Deus. Foi esse troço metido a besta, principalmente no Brasil, onde as estatísticas serviam para mentir sobre tudo, e carreiras gloriosas se fizeram esmigalhando a paciência dos nossos olhos, que jogou a jornalada toda numa sinuca de bico que, com internet, promete não ter solução à vista. A rede é pura vingança.
A não ser que façamos como Nelson Rodrigues, que não enxergava direito o jogo e confiava na Força. Ninguém esquece seus textos memoráveis sobre policia, esporte, comportamento. Mas repita uma só frase que os massacrantes editores de trolhas ilegíveis tenham produzido para o bem da humanidade. O jornalismo perdeu a graça porque os medíocres, mortos de inveja do brilho que exalava do talento, tomaram o poder, convenceram os patrões e se dedicaram a transformar a língua falada e escrita no Brasil num mural de insanidades pseudocientíficas ou uma avalanche de abobrinhas.
Não defendo a irresponsabilidade dos textos ou da apuração. Mas a manutenção de brechas, de geisers, de cachoeiras que brotem de pedras ou selvas densas. Não se trata de aberturinhas espertas, de repetições exaustivas (“é a economia, estúpido!”, haja) ou de fechos tipo “resta saber”. Mas de desamarrar o cão de Baskervilles que existe no coração do jardim proibido, fazê-lo urrar à meia noite, atraí-lo para o meio do nada e lá reportar o que ele apronta ao testemunhar um assassinato. Escrever uma reportagem é como voltar de casaco nas costas depois de um terremoto, em que você sobreviveu porque não era a sua hora. É quando você, herói anônimo, nem dá bola para a equipe de resgate que chega zunindo, mas atrasada.
Você chuta as pedras no caminho e é capaz ainda de tomar um café no bar recém aberto. Nessa hora, os bocós matadores do talento estão dormindo e só o madrugador fica alerta, o que arriscou sair para fora do mundo por algumas horas, e viu o anjo cara a cara, que trafegou em pontes levadiças sobre os Andes. Esse cara é o repórter que traz amassado no bolso o texto que irá navegar na rede ou ser impresso em algum veículo que ainda exista só por teimosia.
Por essa preciosidade a multidão aguarda, esperando que pinte na curva da esquina a van que trará a edição salvadora, que o site reproduza a inspirada intervenção da aventura. Haverá então um lento folhear de rostos, uma brisa ardida que levantará vôo como o primeiro lance de um bando migratório de pássaros. Para longe dos pólos, vamos, em direção à África da nossa claridade.
RETORNO - 1. Imagem de hoje: Picasso sabia onde procurar. 2. Sabe o golaço do Cleiton Xavier, do Palmeiras, nos últimos minutos, contra o Colo Colo em Santiago? Escrevi algo que, por intermédio de André Falavigna, foi publicado no blog Cruz de Savóia.
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