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7 de maio de 2009
MESTRE OZU, O MOVIMENTO NA IMOBILIDADE
Nei Duclós
Costuma-se chamar Yasujiro Ozu (1903-1963), o clássico cineasta japonês, de pintor, pelo apuro da composição visual, que faria de cada filme uma exposição de arte. Ozu deve ser enquadrado pelo que é e não pelo que a inteligência da crítica sugere ser. É cineasta, e como tal vive do movimento. Seus filmes mantêm a postura rígida imposta pela cultura, a tradição e a educação. Mas desfolham, como os cataventos, que ficam fixos no horizonte enquanto giram suas hélices para provar que tudo sopra ao redor.
Uma cena de O sabor do chá verde sobre o arroz ilustra essa síntese. O protagonista, funcionário de uma multinacional, viaja para o Uruguai a bordo de um avião. No aeroporto, colegas, amigos e parentes se despedem. Estão todos perfilados, fixos, de pé, rígidos. Mas seus braços e mãos giram no gesto de adeus. Pode ser encarado como uma metáfora do cinema do Ozu. O japonês mantém a postura, mas ele está mudando.
No final do filme que é considerado sua obra-prima, Viagem a Tóquio, o viúvo e a nora ficam em frente ao porto. Imóveis, contemplam os navios em movimento. É assim o tempo todo. Seu cinema é uma vitrine rígida que enfrenta a decomposição, a pressão do tempo, da idade, das mudanças. Aparentemente, nada acontece. Jamais os personagens mudam o tom da voz. Nunca deixam de sorrir, mesmo diante da mais completa tragédia. Mas há crueldade nessa sociedade tão arrumada e tudo indica que ela entrará em colapso.
Em Viagem a Tóquio, o casal de idosos que vai visitar os filhos e por eles são recebidos com indiferença, acabam ficando na rua, tendo que improvisar um pouso. Isso é fatal para o equilíbrio físico e emocional dos dois, que voltam para casa com as seqüelas da visita desastrada. Nada escapa da vista de Ozu. A vizinha invejosa que deseja toda a felicidade do mundo na vigem, as pessoas que não cansam de dizer como são sortudos, tudo isso é contrariado para realidade: um país marcado pelos massacres e pela guerra, em que as famílias enlutadas enfrentam a decomposição e a morte em meio a uma rotina brutal, de um país clássico que incorporou a modernidade e nela compõe uma transformação profunda.
Gostam de dizer que o cameraman de Ozu filmava de cócoras. Esquecem de notar que esse olhar, formatado pela postura do corpo que não usa cadeiras nem sofás nem camas, é o que define a cultura japonesa. Ozu não poderia filmar com o olhar acima da cabeça de seus personagens, que passam a maior parte do tempo no chão, conversando, comendo, rezando, dormindo. Nele, o cinema é mais embaixo, ou seja, fica abaixo do nível definido como “normal” pelo ocidente, que dirige filmes sentado na cadeira (e as câmaras rodopiando no alto), como não cansa de nos mostrar a foto clássica do diretor em frente à cena que está sendo filmada.
Cinema é o olhar do espectador formatado pela postura da câmara. Ozu enxerga a realidade com sua câmara ao nível do olhar dos seus protagonistas. Quando sentam em bancos altos, como acontece no bar, é para beber até cair, para experimentar a decadência. Mas suas constatações não compartilham do desespero da paisagem aparentemente imutável e dos personagens que enfrentam dor e remorso. Ele é poético, o que é sua salvação e sua glória.
Mestre Ozu: cinema obrigatório, didático. Fundamento da Sétima Arte, influência total em Wim Wenders e Jim Jarmush, entre outros. Ver Ozu é adotar o hábito de curvar-se em sinal de respeito.
RETORNO - Imagem desta edição: cena do funeral no filme de Ozu, "Viagem a Tóquio".
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Belíssima composição!
ResponderExcluirObrigado! Faz parte do meu livro pela Unisinos TODO FILME É SOBRE CINEMA
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