4 de novembro de 2008

VIAGENS


Nei Duclós (*)

Fico impressionado com a capacidade de certas pessoas de viajar a toda hora sem que isso mexa profundamente na postura, pensamentos, expectativas, sonhos. Viagem para mim tem a pompa de algo definitivo. Dias antes de embarcar já fico me preparando. Faço a mala um mês adiantado (vai que eu me atrase!). Exibo a sobriedade de quem parte para o exílio. Aguardo ansiosamente o momento de me dirigir ao aeroporto ou a rodoviária.

Poderia dizer, se ainda fôssemos um país civilizado: para a estação de trem, mas isso é uma impossibilidade, desde que trocaram a inteligência dos trilhos pela barbárie do petróleo. Assim mesmo, quando chego, me considero um passageiro daquelas plataformas de filmes antigos, em que as pessoas tinham ao ar solene de quem aguardava um camarote no Expresso Oriente.

Há muita sem cerimônia nas salas de espera e poltronas. Acho quase um sacrilégio encarar esse acontecimento como algo prosaico e sem importância. Cruzar os quilômetros como quem toma um cafezinho. Chegar numa cidade distante desatentos, buscando sinal do celular. Olhar os habitantes que moram praticamente em outro planeta sem se deslumbrar com a novidade de estar agora perto deles.

Não que eu deseje colocar um turbante e montar num camelo enquanto tiro as fotos da pirâmide. Mas, assim como não farei um diário desses eventos que nos levam a paragens remotas, também não admito que bocejem na hora de ocupar um lugar em direção à Via Láctea. Vá lá, Praga. Estar fora de casa é o mesmo que mudar de identidade.

Talvez por isso jamais serei um turista de verdade, embora tenha vontade de conhecer inúmeros lugares. Impossível colher paisagens como quem respira. Correria o risco de ficar uma vida em cada parada. Não pela consideração que teria diante do desconhecido. Mas porque minha natureza sedentária (deve ser esse o motivo) não permite ficar à mercê do vento.

Sou da terra firme. Daí, talvez, venha tanta atração pelo mar, território do movimento e da renovação constante e que nos traz nas ondas recados de náufragos esquecidos, ilhotas sem nome e arquipélagos que foram tragados pelas águas. Aguardo, quem sabe, notícias de Atlântida, onde deverei pousar, quando enfim chegar ao meu destino.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 4 de novembro de 2008, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: Hitchcock em "Strangers on a train", de 1951.

3. Ontem, um recorde: 245 pessoas acessaram o Diário da Fonte e 356 edições foram visitadas. Pelas nossas contas, o DF tem mais de 300 visitantes fixos, fiéis, por mês, enquanto os outros (média de seis mil/mês) chegam até aqui em busca de algum dos vários assuntos abordados. O Diário da Fonte é um grande livro aberto, com 1.459 capítulos (até hoje), postados desde 2002, à disposição dos leitores.

4. Meu livro "O Refúgio do Príncipe", que contém algumas jóias do Diário da Fonte, continua aguardando encomendas para este fim de ano. É um belo presente, um souvenir para homenagear este veículo. Ou seja, envie um e-mail (neiduclos@gmail.com) dando seu endereço, que eu retornarei com um exemplar autografado e o número da conta para o depósito. Não se acanhem.

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