12 de novembro de 2008

NADA MUDA


Nei Duclós (*)

Vejo rostos, gestos, expressões, idéias que pertenciam, quando eu era criança, aos mais velhos. Olho mais de perto e noto agora que todas essas manifestações são emitidas, de maneira idêntica, por gente bem mais jovem do que eu. Nada mudou. Foi como se os modelos estivessem esperando as novas gerações, para vesti-las com os hábitos formatados desde sempre. Não importa quem vem depois. Tudo se reproduz como se a dialética fosse uma ficção filosófica e não um flagrante nos mecanismos do mundo.

Para os longevos, fica estranho observar esse senhor provecto a dar opinião grave sobre a crise, já que ele mantém o tom e os argumentos da época em que nem era nascido. O garoto quarentão, vejam só, é um avô que lembra Tolstoi, mas sente saudades dos anos 80, que aconteceram hoje de manhã. A senhora que brincava de boneca na semana passada assume aquele ar de matrona empedernida, a desferir críticas, principalmente contra os homens, esses imprestáveis. O coronelzão de hoje jogava taco com outros moleques quando passei por determinada rua, há um mês. Isso sem falar nos sacerdotes aeróbicos, mães com cara de bebês, trintões cansados de guerra, aposentados de cabelos pretos que juram ser a fauna de uma idade avançada.

As barbas brancas recém postas querem usurpar nosso lugar, os veteranos de verdade, que não esperavam essa bizarra concorrência. Desconfio que os motivos são questões práticas, como pegar fila especial nos bancos. Assumem o visual dos provectos e nele acrescentam o charme do vigor juvenil, o que lhes dá uma aparência cool tão ao gosto de publicidade.

Ou será que os biotipos imutáveis são modelados por espíritos saudosos e cada vez mais apressados? Isso explicaria o guarda gordinho que mal saiu da adolescência, mas já levanta o dedo dando conselhos; a vizinha intrometida que nem sequer tem rugas; o malandro de bigodinho fino que usa celular, mas parece ilustração de reclame dos anos 20; o sujeito de cabelo engomado que, em plena era digital, clama por um microfone de rádio, daqueles que imitavam tijolos.

Seríamos manequins descartáveis assumindo personagens eternos. Um deles, o nosso, jamais se renderia à evidência de que tudo se transforma.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada dia 11/11/2008, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: Tolstoi. 3. Foi bom demais ter visitado a Feira do Livro de Porto Alegre deste ano e participado do lançamento do livro "General Osorio e seu tempo", de José Antonio Severo. Lá reencontrei pessoas queridas e só lamento ter passado tão rapidamente por esse grande acontecimento na Cidade da Cultura. Dou detalhes nas próximas edições do Diário da Fonte.

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