Hoje eu deveria estar autografando meu livro em Uruguaiana, junto com meus conterrâneos e escritores amigos, na renovada Praça Barão do Rio Branco. Mas já expliquei os motivos da minha ausência para Rubens Montardo Junior, assessor do prefeito Sanchotene Felice: o dilúvio aqui em Santa Catarina, que não só bloqueou avenidas importantes que nos ligam ao centro e ao aeroporto, como todas as estradas federais e estaduais do território catarinense. Temeroso de que as coisas se complicassem ainda mais, decidi ficar, mas não em espírito, pois a essa altura estou lá no café da Praça, reunido com essa parcela de humanidade que nos cabe fazer parte desde o berço. De todos eles destaco, hoje, como uma homenagem a todos, o cronista de mão cheia Paulo Tarso Gomes.
Paulo Tarso é um exemplar perfeito da civilização da fronteira. Tive o privilégio de conhecê-lo quando eu ainda era muito menino e o encontrava casualmente, nos momentos em que eu convivia com aquele talento que se foi cedo demais, nosso querido Gilberto Duro Gick, seu parente. Empresário, escritor, tribuno, político, honrado cidadão e pai de família, hoje aos 70 anos desfruta, como sempre, do prestígio junto aos seus contemporâneos e concidadãos. Para nós, pessoas do pampa, todas essas qualidades fazem parte da identidade da terra, mas em algumas pessoas, como o Paulo, elas chegam ao seu melhor estágio. E o que é mais importante: junto com elas, destaca-se o talento do escritor.
Digo isso depois de ler, numa sentada, sua saborosa coletânea de crônicas Um certo Marechal Chagas e Silva...e outros escritos (Edições A Tribuna, com apresentação de familiares e amigos e do editor Fred Marcovici, e posfácio de Túlio Rolim) sobre esse personagem inesquecível, um entre tantos lá daquele nosso território. Todos os que viveram no que Paulo chama de a "Uruguaiana clássica", diferente da de hoje ("nervosa, complexa, progressista e depersonalizada"), mas com ela mantendo vínculos poderosos, sabe quem foi Chagas e Silva. Eu mesmo, que pouco sei do marechal, inventei de colocá-lo numa crônica, a Fazenda Azul, publicado em primeira mão aqui no DF e que está no meu livro "O Refúgio do Príncipe". Mas com Paulo é diferente. Ele não apenas tem os detalhes da memória, mas o perfil completo, já que nossa cidade impregna todos os momentos de sua vida. Em matéria de Chagas e Silva, e dos assuntos da cidade, Paulo Tarso é mestre do ofício.
O que nos deslumbra é a precisão do texto, o pleno domínio da narrativa. Paulo, como todo bom escritor, sabe a diferença entre narração oral e escrita. Não se pode simplesmente transcrever a oralidade para o papel impresso, que não funciona. O texto impresso obedece a outros princípios. Mas como reproduzir no papel a mesma pegada existente numa roda de amigos, em que os causos explodem junto com o riso, as exclamações e até mesmos os gritos? Não é fácil. Mas não para Paulo, que sabe exatamente como conseguir um efeito de impacto sem apelar para hipérboles, exageros, nada. A partir dessa base sólida, uma cena dramática ou engraçada, um desfecho de pano rápido, deixando para o leitor o prazer da descoberta, que ele já sugeriu em parágrafos anteriores, mas sem jamais tirar esse gosto de quem o acompanha pela leitura.
Diriam: eis um escritor moderno, já que não se rende aos equívocos das soluções supérfluas. Mas moderno é uma palavra pobre. Eis um autor clássico, um cronista de uma cidade que revela usos e costumes que fazem parte da nação uruguaianese, que nesta obra se identifica totalmente. No caso de Chagas e Silva, uma tarefa árdua, pois trata-se de personagem riquíssimo. Tinha grande cultura e era considerado e se comportava como demente; era um monarquista no auge do republicanismo e do socialismo; exibia a mania de grandeza muito comum das cidades pequenas, que se revela em episódios antológicos e inesquecíveis. O Chagas e Silva de Paulo Tarso Gomes surge assim como o retrato de um mundo perdido, que se segura hoje só pelo talento de quem o resgata.
EXTRA - Rubens Montardo Jr. informa: Antologia Poética do Rio Uruguai. Será lançada amanhã, sexta-feira, dia 28/11, às 21h, na 33ª. Feira do Livro, que acontece na praça Barão do Rio Branco, a Antología Poética del Río Uruguay, publicada pela Ediciones Municipales Paso de los Libres. A obra é composta de 14 escritores brasileiros (Uruguaiana) e 14 argentinos (librenhos).
Integram a Antologia, pela cidade de Paso de los Libres: Noe Coto, Guillermo H. Fernández, Nilza Fontes de Cabrera, Blanca Giorgio de Pisano, Oscar Rubén Goñi, Gladys Guadalupe, José Demesio Lezcano, Nora Mercedes Martinelli, Héctor Daniel Miño, Marina Pannunzio, Beatriz Pereira de Gallegos, María Estela Reguera, Carlos Gabriel Righero Fagúndez e Hilda Zulema Sarto; pela cidade de Uruguaiana: Maximiliano Alves de Moraes, Rita de Azambuja Gick, Zenaira Barbosa Machado, Colmar Duarte, Nei Duclós, Marina Fagundes Coello, Silvio Genro, Luiz de Miranda, Vera Ione Molina, Rubens Montardo Junior, Jorge Nicola Prado, Ricardo Peró Job, Jorge Claudemir Soares e Ubirajara Raffo Constant.
O diretor de Cultura e coordenador editorial, Ramón Alfredo Blanco destaca que "esta obra inaugura as Ediciones Municipales de Paso de los Libres, dando relevo aos nossos escritores, com o rio Uruguai sendo tema de um projeto integrado entre librenhos e uruguaianenses, inaugurando um intercâmbio cultural entre dois países irmãos".
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