30 de novembro de 2008

A SOMA DE TODAS AS MÍDIAS


É moda pontificar sobre jornalismo, principalmente depois que os blogs deram uma tremida no espaço tradicional da mídia, obrigando os jornalistas que ainda estão nos veículos de comunicação a aderirem à nova ferramenta. Há excelentes blogs desse tipo, como os de Luiz Carlos Merten (se recuperando de uma cirurgia cardíaca e produzindo sucessivos posts, um melhor do que o outro), do Estadão, e o do Paulo Moreira Leite, da revista Época. O bom do blog de quem está numa redação é que nele se destacam as pessoas com algo a dizer, como os dois citados acima. No geral, os jornalistas de redação que mantêm blogs adotam uma abordagem prudente e civilizada, ao contrário de outros, que adoram chutar o balde sem olhar a quem.

Toda inovação é soma, jamais exclusão. Um blog não substitui um jornal, um jornalista blogueiro pode ser melhor ou pior do que um blogueiro sem formação jornalística. Nos sites da mídia oficial, há um banho de novas informações com as fotos enviadas de toda parte, dos vídeos agora fáceis de produzir, do espaço dos comentários que, quando não xingam, podem muito bem dizer algo que preste e assim por diante. Ainda não caiu a ficha de que a emergência das novas mídias digitais está transformando radicalmente o universo jornalístico, apesar de as análises escancarem essa evidência em qualquer texto sobre o assunto.

Na prática, as coisas ainda não mudaram. E não mudarão enquanto acharem que blog e site são coadjuvantes e não protagonistas do noticiário. Quantas vezes vemos a intervenção pífia de internautas perguntando obviedades para os narradores bem postos nas grandes redes? É que é difícil mudar quando carreiras inteiras e patrimônios se fizeram à custa de um paradigma que permaneceu intocado por mais de cem anos, mesmo que tenha havido muitos avanços tecnológicos. A passagem para o off-set, que eliminou as gráficas a chumbo, não provocou nem de longe o nível de mudança que está ocorrendo hoje. A Internet, a mídia das mídias, engole tudo e deixa para a tradição uma margem muito limitada de manobra.

O grande problema é que o jornalismo praticado nos grandes veículos sofre um impasse de conteúdo e forma exatamente por ter sido dominado pelas grandes corporações, que interferiram perversamente no modo de fazer jornal. As corporações de vanguarda, da área digital, são mais espertas. Deixam todo mundo livre e dispõem dos dados pessoais, profissionais e tudo mais de qualquer pessoa conectada. Estamos na mão de quem nos proporciona essa liberdade, não é uma contradição?

Um aspecto da realidade de hoje é que as comunidades de relacionamento (e existem várias, não apenas o Orkut, como Facebook, Multiply etc.), são, elas próprias, poderosas mídias, que disseminam informações variadas. Elas se somam às grandes novidades como o you tube e os espaços dedicados à produção audiovisual. Para onde isso vai nos levar?

Acho que a inundação sempre reflui e as margens aparecem de novo com os leitos reacomodados. Ou seja, depois do deslumbramento e explosão iniciais, há sempre uma recaída, uma reflexão e isso já está ocorrendo. Usar um blog não significa que sejamos blogueiros. Blog é ferramenta para o jornalismo no sentido amplo, e isso inclui a produção autoral. Um jornal deveria suportar tudo, desde reportagens literárias até mesmo poemas no corpo do noticiário. É o que fazemos aqui no Diário da Fonte, espaço pioneiro de informação autoral, que desde 2002 bate o bumbo sem dó. Ou vocês acham que eu ia falar sobre jornalismo e internet e, como acontece normalmente, não iria citar o Diário da Fonte, que continua praticamente anônimo?

Enquanto isso, aumentam os links para textos daqui e do meu site. Cinema tem sido muito referendado por várias fontes. Sinal que não estamos sós, que a diversidade dos assuntos tratados acaba chamando a atenção de uma público de grande diversidade. Mas o que estava dizendo, mesmo? Ah, o jornalismo. Ontem, enviei um e-mail para o Comunicar Erros da Folha Online, notando que numa frase curta eles tinham colocado quatro vezes a palavra “mortes”. Sugeri uma alteração. Eles me atenderam. Achei muito civilizado. Mas continuo lamentando a eliminação do copy desk. Como nós, os editores de texto, somos necessários, cada vez mais! Podem me contratar, que eu deixo.

RETORNO - Imagem de hoje: meu amigo Luiz Carlos Merten, que sabe tudo sobre cinema e mais um pouco.

29 de novembro de 2008

BATE O BUMBO: O REFÚGIO EM MADRI


Uma edição Extra do Diário da Fonte para anunciar que meu livro O Refúgio do Príncipe - Histórias Sopradas pelo Vento foi selecionado e está no Catálogo de Autores y Libros de America Latina, publicado pelo Cerlalc - Centro Regional para el Fomento del Libro en America Latina, Caribe, España y Portugal, de Madri. No Prólogo, Isadora de Norden , Diretora do Cerlalc (foto acima), explica os objetivos da publicação, que foi distribuída na edição número 67 da Feira do Livro da capital espanhola, realizada este ano.

"Con los claros propósitos de ampliar la oferta literaria a los lectores de la región iberoamericana, fortalecer la industria editorial de América Latina y fomentar la bibliodiversidad, la circulación de las ideas, el pensamiento a creación artística, el Centro Regional para el Fomento del Libro en América Latina, Caribe, España y Portugal (Cerlalc), presenta este Catálogo de autores y libros de América Latina.

La oferta editorial latinoamericana disponible en la Feria alcanza los 1.860 ítulos de 243 editoriales, ocho mil ejemplares, e presenta como na inmejorable oportunidad para incentivar el conocimiento e diferentes culturas y propiciar la promocion en España de otras literaturas. La inmensa mayoría de autores y obras reseñadas en el presente volumen no ha tenido distribución más allá de sus fronteras nacionales. El lector tiene entre sus manos una muestra significativa de la producción reciente de autores latinoamericanos en literatura, ensayo, crónica e historia. Esperamos que el acervo de libros disponible en las bibliotecas españolas se enriquezca con la diversa oferta literaria latinoamericana presentada en este catálogo.

Por su importante colaboración y apoyo, agradezco muy especialmente a la Secretaría General Iberoamericana (Segib), a Feria del Libro de Madrid, el Ministerio de Cultura de España, a Agencia Española de Cooperación Internacional para el Desarrollo (Aecid), la Secretaría de Estado para Iberoamérica, la Consejería de Inmigración y Cooperación de la Comunidad de Madrid, la Fundación Carolina, el Grupo Iberoamericano de Editores (gie ), la Federación de Gremios de Editores de España, las Cámaras del Libro y Asociaciones de Editores de Latinoamérica."

Isadora de Norden - Directora Cerlalc

Este é o verbete sobre meu livro no Catálogo:

duclós, nei
O refúgio do Príncipe.
Histórias sopradas pelo vento
Cartaz

"Revelaciones del libro de cuentos y crónicas El refugio del príncipe. Historias sopladas por el viento de Nei Duclós: viejos gigantes habitaron la isla de Santa Catarina; a Laguna de La Concepción es artificial; los adoradores de La piedra cuidaron un reino que conoció a caída después de que un príncipe se rehusó a asumir el trono. Quién era el príncipe y cuál su reino? Contado en forma de leyenda, descubierta por un narrador que estuvo en la isla sólo de paso, este libro empezó a gestarse en 1981 y sólo ahora está siendo divulgado, después de un largo período de espera. Pero hay otras historias en esta pequeña selección escrita con lenguaje poético y que sigue el linaje de las narraciones contadas alrededor del fuego." (tradução do texto originalmente publicado no blog Nada a ver, de Ida Duclós).

RETORNO - Certamente essa importante citação tem uma fonte: a resenha O Refúgio da Crônica, assinada por Urariano Mota, no La Insignia, site editado por Jésus Gómez, de Madri. Muito me honra também a referência do megaescritor Deonísio da Silva, na sua celebrada coluna da revista Caras. A edição, que está toda na mão do autor para ser distribuída e comercializada, chama a atenção de uma importante instituição européia, é ou não motivo para Bater o Bumbo? Pois vamos Bater o Bumbo que a pequena seleta de prosa poética do meu livro entrou em Madri com todas as honras. E vocês já sabem: quem quiser um exemplar do Refúgio, basta escrever para mim (
neiduclos@gmail.com) enviando o endereço que eu mando a c/c para o depósito de apenas vinte reais, com frete incluído para qualquer parte do Brasil, e envio o livro autografado. E as livrarias que quiserem, também!

28 de novembro de 2008

PERTO DAQUI, AQUI MESMO


O depoimento mais arrasador da tragédia que derreteu a paisagem de Santa Catarina, matando mais gente do que as estatísticas conseguem suportar, foi o do jovem pai de família que perdeu a mulher grávida e a filha pequena, que vi ontem no Jornal Nacional/RBS. Sua fala é a dor da perda maior, a da esperança. Como conviver com a impossibilidade de salvar a família, com a perspectiva de não ver nascer e crescer a criança esperada, que tinha até nome escolhido? Como não sofrer diante da mãe agarrada ao corpo da menina, encontrada depois, quando tudo estava perdido?

Pela primeira vez vi os apresentadores de televisão, que vivem forçando a barra para promover emoções baratas, ficarem realmente tocados com essa fala dita de maneira entrecortada, por alguém que expressou o grande abismo em que a população mergulhou depois que a chuva insistente e depois torrencial, provocou no belo estado que todos nós escolhemos para viver, mesmo os que ainda não vieram para cá.

Santa Catarina sempre foi a garantia de que nem tudo está perdido. Se você vive décadas numa estação de horrores, como os megacentros urbanos malcheirosos e violentos, quando chega nesse aprazível lugar se encanta e quer ficar para sempre. É assim que acontece. É tão avassaladora essa tendência de vir para cá que ontem estive no correio para enviar uma encomenda para Uruguaiana quando, ao meu lado, uma família inteira perguntava para a moça que atendia como fazer chegar uma carta exatamente na terra natal deles, Uruguaiana. Isso serve para várias outras regiões, que não cansam de enviar gente para cá. Ou seja, é todo mundo mesmo.

Por isso dói demais ver a calamidade que este lugar privilegiado se transformou, virando o foco do noticiário com seus alagamentos, deslizamentos, afogamentos, mortes, miséria, saques, desespero, choro. Por que, meu Deus? Porque temos que passar essa dura prova, neste pedaço de Brasil que parece ter jeito, onde ainda existe ou existia paz, reconhecimento mútuo, coletividade? Pessoas preocupadas me telefonam de Campo Grande, Amsterdam, Imbé, Porto Alegre. Querem saber como estamos. Estamos bem, pois aqui no norte da ilha fomos poupados, felizmente, com algumas exceções, alagamentos em servidões (as pequenas ruas que existem por aqui). Mas estamos arrasados.

Redescobrimos que nossa tranqüilidade não vem da nação que habitamos, mas da firmeza do clima. Se ele estiver bom, tudo pode ser resolvido, até mesmo a ditadura que nos governa. Mas se redemoinhos de centenas de quilômetros se movimentam em sentido anti-horário, capturando milhões de toneladas da água do mar, para jogar sem cessar em cima de nós, então não tem remédio, não tem mais jeito. É uma espécie de traição. É como romper as regras do jogo só para humilhar o adversário. Onde está o sol, que não seja ardido e prenúncio de mais chuva? Onde está a praia, impossível de freqüentar com tanta intempérie?

Uma rocha de duas mil toneladas pousa na pista da BR-101. Dois milhões de quilos é brincadeira. Para você trafegar nessa estrada, que normalmente já é precária, vai ter que remover um asteróide de médias dimensões? Para voltar a circular, é preciso implodir um Himalaia de granito? E a bucólica rodovia SC-401, a que nos liga ao centro de Florianópolis, serpenteando entre verdes morros? Há uma semana está interditada e o troço vai demorar ainda mais vinte dias. Os morros despencaram brutalmente, me deixando de cabelo em pé. Eu queria achar que aquilo estava acontecendo longe daqui, mas me alertaram, gritaram no meu ouvido: É apenas uns 10 quilômetros daqui, ali na curva, entende? Ali? dizia eu, incrédulo. Mas eu passava por ali todos os dias. Ali mesmo!

Não quero falar mal de ninguém, mas fico pasmo diante das explosões em bloqueios onde devem existir ainda pessoas soterradas; queixas de que os mantimentos e recursos não podem ser transportadas (claro, choveu! foi por isso que enviaram os mantimentos, seu); helicópteros cheios de autoridades que descem em áreas de risco e não carregam ninguém porque estão lotados (inacreditável!); soberba na hora de fazer o balanço achando quem tudo é culpa da natureza. Não é não. Vamos assumir uma ponta da culpa. Isso não quer dizer que devemos negar a grande movimentação solidária, o heroísmo dos bombeiros, vítimas e voluntários, a generosidade de quem envia ajuda. Tudo isso é verdade, é louvável e quem precisa levanta as mãos para o alto. Mas vamos analisar o que aconteceu. Desde o derretimento da paisagem até os processos de salvamento. Vamos ver o que há, para saber melhor o que há de vir.

Afora, isso, rezar. Deus nos proteja.

RETORNO - Imagem de hoje: Renascimento de Santa Catarina, de Rafael (1483-1520). Mulher de grande cultura e sabedoria, dobrou as eminências do reino de Alexandria e foi perseguida pelo rei, que a encarcerou e torturou. Seu milagre foi enfrentar a morte e o suplício mantendo-se fiel ao que sabia e aprendeu. Rogai por nós.

27 de novembro de 2008

CRÔNICAS DA URUGUAIANA CLÁSSICA

Hoje eu deveria estar autografando meu livro em Uruguaiana, junto com meus conterrâneos e escritores amigos, na renovada Praça Barão do Rio Branco. Mas já expliquei os motivos da minha ausência para Rubens Montardo Junior, assessor do prefeito Sanchotene Felice: o dilúvio aqui em Santa Catarina, que não só bloqueou avenidas importantes que nos ligam ao centro e ao aeroporto, como todas as estradas federais e estaduais do território catarinense. Temeroso de que as coisas se complicassem ainda mais, decidi ficar, mas não em espírito, pois a essa altura estou lá no café da Praça, reunido com essa parcela de humanidade que nos cabe fazer parte desde o berço. De todos eles destaco, hoje, como uma homenagem a todos, o cronista de mão cheia Paulo Tarso Gomes.

Paulo Tarso é um exemplar perfeito da civilização da fronteira. Tive o privilégio de conhecê-lo quando eu ainda era muito menino e o encontrava casualmente, nos momentos em que eu convivia com aquele talento que se foi cedo demais, nosso querido Gilberto Duro Gick, seu parente. Empresário, escritor, tribuno, político, honrado cidadão e pai de família, hoje aos 70 anos desfruta, como sempre, do prestígio junto aos seus contemporâneos e concidadãos. Para nós, pessoas do pampa, todas essas qualidades fazem parte da identidade da terra, mas em algumas pessoas, como o Paulo, elas chegam ao seu melhor estágio. E o que é mais importante: junto com elas, destaca-se o talento do escritor.

Digo isso depois de ler, numa sentada, sua saborosa coletânea de crônicas Um certo Marechal Chagas e Silva...e outros escritos (Edições A Tribuna, com apresentação de familiares e amigos e do editor Fred Marcovici, e posfácio de Túlio Rolim) sobre esse personagem inesquecível, um entre tantos lá daquele nosso território. Todos os que viveram no que Paulo chama de a "Uruguaiana clássica", diferente da de hoje ("nervosa, complexa, progressista e depersonalizada"), mas com ela mantendo vínculos poderosos, sabe quem foi Chagas e Silva. Eu mesmo, que pouco sei do marechal, inventei de colocá-lo numa crônica, a Fazenda Azul, publicado em primeira mão aqui no DF e que está no meu livro "O Refúgio do Príncipe". Mas com Paulo é diferente. Ele não apenas tem os detalhes da memória, mas o perfil completo, já que nossa cidade impregna todos os momentos de sua vida. Em matéria de Chagas e Silva, e dos assuntos da cidade, Paulo Tarso é mestre do ofício.

O que nos deslumbra é a precisão do texto, o pleno domínio da narrativa. Paulo, como todo bom escritor, sabe a diferença entre narração oral e escrita. Não se pode simplesmente transcrever a oralidade para o papel impresso, que não funciona. O texto impresso obedece a outros princípios. Mas como reproduzir no papel a mesma pegada existente numa roda de amigos, em que os causos explodem junto com o riso, as exclamações e até mesmos os gritos? Não é fácil. Mas não para Paulo, que sabe exatamente como conseguir um efeito de impacto sem apelar para hipérboles, exageros, nada. A partir dessa base sólida, uma cena dramática ou engraçada, um desfecho de pano rápido, deixando para o leitor o prazer da descoberta, que ele já sugeriu em parágrafos anteriores, mas sem jamais tirar esse gosto de quem o acompanha pela leitura.

Diriam: eis um escritor moderno, já que não se rende aos equívocos das soluções supérfluas. Mas moderno é uma palavra pobre. Eis um autor clássico, um cronista de uma cidade que revela usos e costumes que fazem parte da nação uruguaianese, que nesta obra se identifica totalmente. No caso de Chagas e Silva, uma tarefa árdua, pois trata-se de personagem riquíssimo. Tinha grande cultura e era considerado e se comportava como demente; era um monarquista no auge do republicanismo e do socialismo; exibia a mania de grandeza muito comum das cidades pequenas, que se revela em episódios antológicos e inesquecíveis. O Chagas e Silva de Paulo Tarso Gomes surge assim como o retrato de um mundo perdido, que se segura hoje só pelo talento de quem o resgata.

EXTRA - Rubens Montardo Jr. informa: Antologia Poética do Rio Uruguai. Será lançada amanhã, sexta-feira, dia 28/11, às 21h, na 33ª. Feira do Livro, que acontece na praça Barão do Rio Branco, a Antología Poética del Río Uruguay, publicada pela Ediciones Municipales Paso de los Libres. A obra é composta de 14 escritores brasileiros (Uruguaiana) e 14 argentinos (librenhos).

Integram a Antologia, pela cidade de Paso de los Libres: Noe Coto, Guillermo H. Fernández, Nilza Fontes de Cabrera, Blanca Giorgio de Pisano, Oscar Rubén Goñi, Gladys Guadalupe, José Demesio Lezcano, Nora Mercedes Martinelli, Héctor Daniel Miño, Marina Pannunzio, Beatriz Pereira de Gallegos, María Estela Reguera, Carlos Gabriel Righero Fagúndez e Hilda Zulema Sarto; pela cidade de Uruguaiana: Maximiliano Alves de Moraes, Rita de Azambuja Gick, Zenaira Barbosa Machado, Colmar Duarte, Nei Duclós, Marina Fagundes Coello, Silvio Genro, Luiz de Miranda, Vera Ione Molina, Rubens Montardo Junior, Jorge Nicola Prado, Ricardo Peró Job, Jorge Claudemir Soares e Ubirajara Raffo Constant.

O diretor de Cultura e coordenador editorial, Ramón Alfredo Blanco destaca que "esta obra inaugura as Ediciones Municipales de Paso de los Libres, dando relevo aos nossos escritores, com o rio Uruguai sendo tema de um projeto integrado entre librenhos e uruguaianenses, inaugurando um intercâmbio cultural entre dois países irmãos".

26 de novembro de 2008

“EM VIRTUDE DO MAU TEMPO”!


A paisagem derreteu em Santa Catarina. Não se trata de mau tempo, de enchente, inundação. Mas de uma situação completamente oposta ao que existia antes dos quatro meses de chuva. Os morros vieram abaixo e enterraram não as casas, mas as cidades. Os rios terem saído do leito é um evento tradicional, mas a montanha desistir de ser montanha é outra, completamente diferente. Passava todos os dias pela estrada que foi invadida pelos morros que despencaram, aqui perto de casa. Não é que as pessoas estejam ilhadas em Blumenau, Itajaí e várias outras cidades. Esses agrupamentos urbanos desapareceram com a catástrofe. Não é uma tragédia, é o fim de uma aparente normalidade, que não voltará à situação anterior. Sem querer fazer alarme: os saques aos mercados já começaram em Itajaí.

É heróico o esforço dos voluntários, dá gosto de ver bombeiros e soldados do Exército mobilizados, é bonito quando chegam as ajudas de outros estados. Mas tudo isso obedece a paradigmas que não existem mais, foram soterrados. Existe ajuda valiosa em remédios, comidas, colchões etc. Na lista dos itens, surgem utensílios como baldes. Baldes? Mas o que era uma cordilheira hoje está no telhado! Modelos de escavadeiras do tempo da minha infância ficam raspando lama e batendo em pedras gigantescas, que simplesmente rolaram como bem quiseram. Dez anos atrás vi um documentário sobre máquinas de vanguarda, gigantescas, feitas na Alemanha, para transporte, remoção de entulhos etc. Nós continuamos com as velhas Mastodontas, com conceitos ultrapassados. Levarão um mês para desuntupirem as pistas. Não acredito. Levarão mais de uma vida e a pista continuará a perigo.

Aí vem a força tarefa, os milhões liberados pelo governo e que sei eu mais. O que acontece é que o gigantismo do troço colocou todo mundo, governantes principalmente, no chinelo. Todos pagam o mico de serem ultrapassados pela nova realidade. Foi um tsunami que está sendo enfrentado por lamentações , baldes e retroescavadeiras. Todos contam com o fim da chuva, mas ela ronda. Faz um sol ardido, com nuvens esparsas ameaçadoras e dali a pouco recomeça. Levaram três dias para tirar o caminhoneiro do entulho. Dizem que tem vítimas embaixo dos deslizamentos e aí usam dinamite para apressar os trabalhos. Não se procuram sobreviventes nesses casos. É preciso desentrolhar a pista.

“Piove, governo ladro” diria o italiano radical. A culpa, não interessa. O que vale é a visão de futuro. O que vamos fazer com sistemas viários, urbanos, de distribuição de energia (dutos de água e gás se romperam) que não se seguram, que foram superados pelos acontecimentos. Vão querer fazer bondinho aéreo, como prometeram na campanha política? Vão continuar colocando uma camadinha de asfalto em cima do barro e da lama? Vão continuar permitindo que se construa bairros inteiros com casas sem alicerces, que sucumbem diante do peso da água que cai sem parar? Vão viajar para a Europa, como fizeram recentemente no Rio Grande do Sul, para aprender como eles fazem as canalizações, ou seja, vão lá fazer turismo e dizem que vão trabalhar.

Um espetáculo de balé não vai mais se apresentar mais em Blumenau “em virtude do mau tempo”. Que catso é isso? Blumenau submergiu, acabou. Pelo menos a cidade como era conhecida. Ou se parte para uma nova cidade ou vira tudo ruína. Pois seria suicídio insistir nos mesmos esquemas e esperar o quê? Um novo dilúvio? Aqui no norte da ilha, funcionou o sistema de esgoto pluvial implantado pela Prefeitura. Mas bem perto, em Canasvieiras, tem desabrigados. A verdade é que somos muito amadores, em tudo. Somos uma nação não amadurecida. Voluntariosa, corajosa em muitos aspectos, admirável pela força humana que mantém as coisas de pé, funcionando. Mas defasados, obsoletos, desinformados, indiferentes.

Santa Catarina é só um exemplo. O que aconteceu aqui, pode se repetir em qualquer lugar. Que Deus nos proteja. E nos dê forças para que as luzes da mente se acendam e encontrem soluções rapidamente.

RETORNO - 1. A imagem de hoje é de New Orleans depois do Katrina. Aqui não houve furacão, mas chuva e chuva. O Brasil não foi feito para a chuva. Imaginem se nevasse.


BATE O BUMBO - Ainda não me recuperei do Profissão: Repórter, do Caco Barcelos e jovem equipe, que foi ao ar depois da meia-noite, quando o Toma Lá Dá Cá (o besteirol do esgoto) esgotou todos os prazos de tolerância , tendo deitado, rolado e sapateado em cima do horário, obrigando as pessoas a ir dormir, a desistir. Mas eu resisti. Fiquei e vi. Foi uma grande reportagem sobre o julgamento de um crime em Guarulhos.

Jovem assassinada faz com que a Polícia encarcere três suspeitos, que teriam confessado sob tortura. Eles são liberados depois de dois anos, quando outro suspeito se atribuiu a autoria do crime. Os três foram soltos, mas novamente condenados, pois, segundo a perícia, o assassinato fora praticado por mais de uma pessoa. Não entendi porque condenaram os três, se não existiam provas. Condenaram apenas porque o outro, sozinho, não poderia ter sido o autor? Foi por eliminação?

Acho que Caco foi claro sem meter a mão na cumbuca. Caco é liso e super eficiente. Deixou na mão do telespectador o verdadeiro motivo da condenação pesada (mais de vinte anos para dois e nove anos para o terceiro). Ficam as perguntas. O lugar ermo que é desova de corpos, para onde os três teriam sido torturados, foi analisado, está sob intervenção, ou continua lá, na mesma?

Foi terrível ver a testemunha de dentro da prisão que teria ouvido gritos das supostas vítimas de tortura. O cara teve que ficar na delegacia, sob acusação de falso testemunho. Seria o poder de Polícia a verdadeira Justiça no Brasil? Não sabemos de nada. Não damos entrevistas. Não fazemos declarações. Passe bem.

25 de novembro de 2008

VERÃO À VISTA


Nei Duclós (*)

O verão se aproxima e vejo braços levantados, que se destacam na multidão. Eles se sacodem ao ritmo de um Carnaval de cidade pequena, praça cheia, salão suado. As lantejoulas grudam na pele que brilha, como um verniz. Os rostos redondos de olhos esperançosos aguardam o porvir, nome antigo do futuro, que chegou cedo demais e depressa se despediu. O Tempo voltou ao normal, devorando a memória. À poesia restou o encargo de resgatar o pó dos dias, reuni-lo em forma de criatura. E soprar nela o despertar, enquanto enterram o amor num canto remoto do quintal.

Confundimos a lembrança, achando que ela é feita de saudade ou mocidade. É composta de sentimento, essa é a verdade. Sem o socorro do coração, tudo está perdido: as horas são feitas de areia, os momentos enchem os porões de lixo. Se mantemos intacto o mel que lambuza a clepsidra, o relógio antigo de grão e vidro, então achamos o tesouro oculto. Aqueles braços, por exemplo, eram da mulher que rodava o sonho no espanto de menino. O corpo se aproxima, arrastando os pés cadenciados pela marcha-rancho. O cheiro é de tábua inchada pela chuva. Pernas sob a fresta do vestido prometem o mundo.

O verão se aproxima e cansamos da primavera alagada, dos súbitos tornados, das casas penduradas na serra. Esquecidos da praia, queremos de volta o horizonte azul de calmarias. Queremos a renda branca entre conchas e penas. O pisar no ouro liso das margens amigas. O levantar do sol como uma pipa, majestoso no seu trono de luzes fartas, de manhãs claras e tardes de Danúbio. Queremos cartas que nos digam: vou te conhecer, me aguarde. Queremos o fim das suspeitas, o prescrever das penas, o esquecimento, filtro de recordações plenas.

Queremos uma seleção de cenas. É noite, e estamos lassos depois de tanta água. Colocamos a roupa branca e saímos pela calçada, debaixo de lâmpadas indecisas. Há barulho de lata, tambor, apito. Vozes nos dizem que a algazarra começou pelo subúrbio e aos poucos parte para dominar o centro. É o verão que grita, por meio dessa visão inesquecível: dois braços vibram no ar e eles se dirigem em nossa direção. De coração na mão, damos um passo à frente. A próxima estação arranca a alegria debaixo do tapete.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 25/11/08, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: foto magnífica de Sergio Saraiva.

OS MAUS DO CLIMA


Nei Duclós

As gangs climáticas tinham absorvido uma parte da tecnologia do início do século, que arrasou países provocando maremotos, tsunamis, tornados, inundações, terremotos. Depois do grande Acordo Geral, de 2048, entre todos os países, que se comprometeram a não usá-la de novo, as coisas se acalmaram. Não havia mais perigo de cidades inteiras submergirem. Ou alguém fazer sumir o Timor Leste, como foi noticiado (e logo depois esquecido) em 2014. A China acostumara-se a ficar sem um terço do território, o equivalente a uma superfície de Júpiter, depois que acertaram as bases da grande represa com um bombardeio de íons carregados de neutrinos dinamizados pelo avesso.

Todos sabiam como provocar uma catástrofe “natural”, assim como todos tinham a bomba nuclear. Mas os segredos de bombardear com petardos plásticos a ionosfera não ficou circunscrito aos governos dito responsáveis. Algo vazou e foi assim que recomeçaram as tragédias, se bem que em menor dimensão. Os vendavais acoplados com chuvas de granizo, criados em laboratórios ocultos em porões, destruíam no máximo uma criação de cabras. Não chegavam a atingir os centros das capitais, porque tudo estava protegido sob o manto da Ordem Total.

Mas havia margem para algum divertimento. Os Maus do Clima, como eram chamados os meliantes que se dedicavam essas pequenas crueldades, agiam da mesma forma do que os antigos pichadores de edifícios, todos exterminados, no mundo inteiro, aí por 2020, na Operação Adrenalina. Havia, claro, uma disputa entre eles. Quem faria chover na cabeça do primeiro Ministro? Quem levantaria a saia da nova Rainha de Sabá, casada com o príncipe Abdul Al Litifah, do Corporatiscão, o grande país do Oriente Médio formado logo depois que jogaram areia em cima de algumas avenidas de luxo e fizeram a Arábia desaparecer de um dia para o outro? Os desafios eram tão intensos que começaram a ficar bizarros. Quem jogaria, só com a força do vento, uma montanha de pétalas no pólo Norte? Quem desligaria o motor das ondas em Copacabana? Era possível atrair um grupo de turistas coreanos para um abismo provisoriamente implantado no subúrbio de Paris?

Quem não gostava dessas firulas era Jamir Pinch Body, o Biltre. Achava perda de tempo. Não se conformava em saber pouco sobre o que queria fazer muito. Sua intenção era varrer os mares, tufão! Jamir lia Castro Alves e não suportava esse neheco nheco bossanovista de fazer despencar violetas em penhascos da Normandia. Queria ação, queria poder. Chegou a planejar duzentos assaltos ao Grande Cofre em Genebra, que guardava aquelas charadas que o levariam para o exercício pleno de sua própria potência. Poderia extrair toda a areia da Lua para jogá-la em Andrômeda. Explodiria planetas, como viu naquele filme antigo. Adoraria provocar mil dilúvios e mataria com as próprias mãos, estrangulando-a, a pomba da paz e jogaria no fogo o ramo das oliveiras. Ah, ninguém tinha idéia das intenções de Jamir, o mais Mau do Clima.

Mas ele não contava com o surgimento de Jihara, A Sílfide Transparente. Mulher desejada por todos os potentados internacionais, jamais se deixava fotografar inteiramente. Dela só se conhecia um olho, um perfil, um tornozelo, um requebro que eu quero ver. Jihara acabou se transformando na obsessão de Jamir, que tinha longas faixas de tempo inútil, já que sonhava em destruir o universo mas não conseguia nem fazer chover no seu quintal. Pelo menos, não de maneira copiosa, abundante. Jamir sonhava com Jihara como uma criança devora um doce com o olhar. Foi então que teve um insight! E se usasse seus parcos conhecimentos para voar num tapete e pousar suavemente num terraço onde Jihara fazia suas orações? Sabia onde ficava, no Palácio de Cristal localizado em Xangrilá, Etiópia.

Jamir prometeu que destruiria Marte depois de conquistar Jihara. Fabricou então um tapete voador. E soube se dirigir para seu objetivo, sem que os Ferozes Índios Xerox, donos dos ares, se dessem conta. Ele desceu no meio da tarde, quando Jihara penteava seus longos cabelos. Debruçou-se sobre ela e zás, roubou-a do jardim. Voltou voando enquanto a Sílfide berrava que estava sendo seqüestrada. Mas Jamir sabia: aquela história teria um desfecho favorável. Esperava apenas o narrador cansar de contar tanta bobagem para enfim conseguir fazer o que sonhava há décadas: transar embaixo dos pessegueiros em flor. Desde que nenhum Mau do Clima tivesse a idéia fresca de desencadear uma avalanche de neve na hora do bem bom.

Tudo pode se esperar dos Maus do Clima. Até mesmo uma tremenda empatada na hora em que o Biltre iria crau na Sílfide.

24 de novembro de 2008

1964: O GOLPE CIVIL


Para quem tinha dúvidas, vou reproduzir aqui alguns trechos da edição de 10 de abril de 1964 da revista O Cruzeiro, agora digitalizada (a jóia me foi repassada por Clovis Heberle, por e-mail). É simples: o golpe de 1964 foi civil. Foi comandado por civis, assumido publicamente pelos civis, justificado em tudo, repressão, prisões, perseguições, cassações, pelos civis. Os militares entraram como braço armado do golpe que eles, civis, promoveram.
Neste depoimentos, dos quatro governadores golpistas, a farda aparece sempre em segundo plano. Todos os que estão aqui são culpados, como mostram seus depoimentos. Carlos Lacerda, governador do estado da Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas, Adhemar de Barros, de São Paulo, Juscelino Kubistchek, de olho na volta ao poder (que não teria chance, pois o voto trabalhista, que o elegeu em 1955, iria em 1965 todo para Leonel Brizola). Faltam outros, como Ildo Meneghetti, do Rio Grande do Sul. Leiam o que foi publicado na revista:

MAGALHÃES

"O Governador Magalhães Pinto, de Minas Gerais, liderou o grande movimento político-militar em defesa do regime democrático. Sem perder a serenidade um só momento, o dirigente udenista manteve o clima emocional, a união de Minas e a decisão de conquistar a vitória. Quando ela foi conquistada, declarou com exclusividade para “O Cruzeiro”: "O movimento restaurador da legalidade, que Minas tomou a iniciativa e a responsabilidade de desencadear, com o apoio de todos os brasileiros, em breve estará concluído com a formação de um Govêrno em condições de promover a paz, o desenvolvimento nacional e a justiça social. Belo Horizonte, 2 de abril de 1964.

ADHEMAR

O Governador Adhemar de Barros em entrevista exclusiva cedida a “O Cruzeiro” – a primeira desde a eclosão do movimento armado contra o govêrno do Sr. João Goulart –, disse que dará combate sem trégua aos comunistas, caçando-os onde estiverem, em qualquer ponto do território nacional. Visìvelmente eufórico, apesar do cansaço de muitas horas sem dormir, o Sr. Adhemar de Barros começou dizendo que o movimento revolucionário por êle comandado em São Paulo começou na noite de 31 de março de março, “para valer”.
– Quando vocês todos estavam dormindo, sonhando com a liberdade, nós já mandávamos os primeiros comunistas para a Casa de Detenção.
E frisou:
– Mas à velha Casa de Detenção, pois não têm mais direito nem à cadeia nova.

“A Polícia de São Paulo” – continuou – “agiu com absoluta segurança, colaborando com o General Amaury Kruel, que desde o início estava integrado no nosso esquema de libertação nacional. Naquela altura, eu e mais seis governadores de Estado (Minas, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Guanabara, Mato Grosso e Paraná) já tínhamos pronto o decreto de beligerância que iria instaurar o primeiro govêrno brasileiro. Eu próprio redigi o manifesto que ainda se encontra em meu poder. Queria com isso comunicar ao Mundo que no Brasil ainda havia líderes realmente democratas que não toleram o jôgo vermelho.

“O Brasil retornará agora à sua política internacional de apoio incondicional ao Ocidente. À sua política de livre iniciativa. Abandonamos o tripé instalado pelo Goulart. Tripé apoiado em órgãos espúrios como CGT, UNE, PAC, PUA e outros. No govêrno dele mandavam os pelegos, os estudantes vermelhos, os camponeses doutrinados e os escravos de Moscou.

LACERDA

Antes, durante e depois da crise, o Governador Lacerda estêve no centro dos acontecimentos. E, como é de seu feitio, pronunciou-se diversas vêzes com a maior veemência. Na tarde do dia 1º de abril, anunciando ao povo a vitória das fôrças comandadas pelo General Olímpio Mourão Filho, o Governador da Guanabara fêz declarações através do rádio, declarações que constituem verdadeira súmula do que êle dissera até então. Depois de se dirigir às donas de casa, pedindo-lhes que se mantivessem calmas, o Governador passou a analisar o Sr. João Goulart, seu Govêrno e as causas que determinaram a necessidade do seu afastamento. “De herdeiro de alguns hectares de terra, transformou-se, em poucos anos, em proprietário de mais de 550 mil hectares – uma área igual a quatro vêzes e meia o território da Guanabara.”

E prosseguiu: “Associado do Sr. Wilson Fadul (que por isso foi ser Ministro da Saúde, e não porque seja um cientista), em quatro anos, com dinheiro do Banco do Brasil, e com dinheiro cuja origem não explica, o Sr. João Goulart transformou-se num dos homens mais ricos dêste País, com três bois por hectare em suas fazendas”.

“O Sr. João Goulart é um leviano que nunca estudou – e não estudou porque não quis, não é porque não pôde. E agora, no Govêrno do País, queria levar-nos ao comunismo.” Explicando que discordara da investidura do Sr. João Goulart na Presidência da República, mas terminara aceitando-a, disse o Governador Lacerda: “Eu o conhecia bem. Mas, como bom democrata, submeti-me à vontade da maioria, quando entrou em vigor a fórmula do Parlamentarismo. Mas o Sr. João Goulart não queria governar. Adulava, de dia, os trabalhadores que condenava ao desemprêgo, de noite. O Sr. João Goulart jurou fidelidade ao Parlamentarismo, para logo em seguida impor o plebiscito, e todo o povo votou. Eu não votei porque achava que o plebiscito era uma palhaçada, e repito que era”.

“Quem quiser fazer reformas deve ter a honestidade de dizer que as fará sem reformar a Constituição. Há necessidades de se fazer reformas, e eu acho que se pode fazer isso sem se mexer na Constituição. Mas o Sr. João Goulart não queria isso. Montou um dispositivo sindical nos moldes fascistas, com dinheiro do Ministério do Trabalho, dinheiro roubado do impôsto sindical, roubado do salário dos trabalhadores, para pagar as manifestações de banderinhas e as farras dos homens do Ministério do Trabalho.”

“Ao mesmo tempo, começou a criar dificuldades para a Imprensa, para os jornais, para o rádio e a televisão, iniciando um processo de escravização dos homens livres que fazem a imprensa do nosso País. Depois de criar as dificuldades, o Sr. João Goulart oferecia-se para resolvê-las, enquanto dava curso ao processo de entreguismo do Brasil à Rússia. O Sr. João Goulart foi o maior entreguista que já teve êste país.”

JUSCELINO

Dizendo que a legalidade é anticomunista mas não é antipopular, o ex-Presidente Juscelino Kubitschek, candidato do PSD ao Palácio do Planalto em 1965, afirmou em entrevista exclusiva a “O Cruzeiro” que a hora é de grandeza democrática, e que o Brasil precisa de reformas contra os privilégios e contra os extremismos. A palavra do líder que estêve, também, no centro dos últimos acontecimentos é decisiva para o desarmamento dos espíritos, agora que o País volta à paz e ao trabalho.

"É com o pensamento voltado para Deus, grato à sua proteção ao Brasil e ao seu povo, que saúdo a nossa gente pela restauração da paz, com legalidade, com disciplina e com a hierarquia restauradas nas Fôrças Armadas. No auge da crise, quando era próxima a possibilidade de derramamento do generoso sangue brasileiro, o apêlo à paz, com legalidade, disciplina e hierarquia, tinha de ser ouvido. E foi ouvido. A paz está mantida. A legalidade engrandecida. A disciplina e a hierarquia rejuvenescidas. Mas do que nunca o Brasil precisa de paz: nos espíritos e nos corações. A mente clara, para pensar sem ódios e sem rancores. A convalescença terá de ser curta, sem radicalizações e sem ressentimento. Não manteremos a paz da Democracia representativa com sentimentos de vingança e rancores condenáveis.

A hora é de grandeza democrática. De grandeza da própria Democracia. De volta à rota do progresso pela criação da riqueza e da multiplicação das oportunidades de viver melhor. Sem progresso não haverá liberdade para alcançar a justa distribuição da riqueza. Continuaremos a socializar o escasso.

A paz não exclui, todavia, a vigilância democrática. O perigo comunista não estava, como se viu, no comportamento do povo e dos trabalhadores, ordeiros e democratas. O perigo comunista estava na infiltração em comandos administrativos. A vigilância democrática não significa, porém, a oficialização em qualquer ponto do território nacional do liberticídio, do desrespeito às liberdades individuais e associativas. E muito menos daquelas liberdades que mais de perto se relacionam com as aspirações populares e com os direitos associativos, com os sindicatos libertados de influências políticas de cúpula.

A legalidade é anticomunista, mas não é antipopular. A legalidade democrática deverá estar aberta, em todos os seus canais de comunicação, ao livre curso dos debates. A legalidade democrática abre também a possibilidade de recolocar o problema das reformas de base. As reformas realmente democráticas, dentro da ordem social e econômica. Reformas que elevem o padrão de vida do povo, nos campos e nas cidades, significando socialização da riqueza, com a preservação integral do princípio da propriedade privada, que cumpre estender e generalizar, dando prioridade aos que nada possuem.

Não temos dúvida em afirmar que a Democracia só será consolidada e enriquecida com a conquista permanente da devoção popular. A legalidade democrática nos conduzirá às eleições. Será a continuidade do regime, já restaurado com a posse, pelo Congresso, do meu eminente companheiro de partido, o Presidente Ranieri Mazzilli. O ritual democrático está firme. É preciso, agora, que os fins que êle simboliza sejam realizados pela ação dos brasileiros lúcidos e tolerantes.

O Brasil das reformas é o Brasil democrático, contra privilégios e contra extremismos. É o Brasil sem frustrações. Esperançoso, rico e mais justo."

RETORNO - 1. Imagem de hoje: vocês vêem algum militar na capa da edição que celebra o golpe? 2. Vemos nos depoimentos acima o conjunto de justificativas para a maior tragédia brasileira. Cheios de ódio, rancor, ressentimento, calúnias, mentiras, singelezes sinistras (como JK falando em democracia! que a democracia "está consolidada"!) temos o quadro da destruição do Brasil Soberano. Lacerda acusando Jango de censura à imprensa! De ter latifúndios! (o golpe de 64 abriu as comportas para o latifúndio). Falando mal do plebiscito, que derrotou-o fragorasamente. Dizendo que "discordara da investidura" de Jango, ou seja, discordou da Constituição (a posse do vice-presidente) que ele dizia defender! E acusando o presidente deposto (quanta covardia!) de entreguista, vejam só. O grande entreguista acusando os outros do seu maior crime.

Os civis ficaram no poder de fato, na política econômica. Os militares entraram com seu programa nacional e assumiram o Planalto, mas pagaram o mico, ou seja, foram queimados pela direita civil, que retomou as rédeas políticas em 1985. Foi simples: os civis golpistas, logo que viram não terem acesso ao Planalto, posaram de vítimas da ditadura que eles mesmo implantaram. E assim clonaram as oposição à tirania e recuperaram o poder total na chamada retomada democrática. Retomada sem soberania, claro.

RUBENS JARDIM, A PALAVRA PLENA


O gentil, talentoso, atencioso, importante, militante poeta Rubens Jardim lança um novo livro de poemas depois de 30 anos sem publicar! Um dos caras que integraram a Catequese Poética, fundada por Lindolf Bell, que tinha como lema: "O lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os lugares". A Catequese foi um movimento cultural que semeou aos quatro ventos a noção da poesia para todos, fora dos clubes, igrejinhas, conluios, conciliábulos, que ensinou os brasileiros a ir para rua dizer o que era preciso ser dito a plenos pulmões. Pois ele agora estará perto de você com sua obra recém saída da gráfica. Vá até lá e diga: obrigado, poeta, por voltar até nós, os deserdados da terra. A seguir, publico na íntegra as informações que Rubens Jardim me enviou sobre esse lançamento:

O livro *Cantares da Paixão*, do poeta Rubens Jardim, será lançado na Livraria Martins Fontes (da av. Paulista), no dia 9 de dezembro, a partir das 18h30 até às 21h30.

Após 30 anos longe do circuito editorial, Rubens Jardim, poeta paulistano da geração de 60 vai finalmente publicar um livro de poemas: Cantares da Paixão, com apresentação de Afonso Romano de Sant’Anna e prefácio de Cláudio Willer. O livro, publicado pela editora ArtePau Brasil, reúne em 160 páginas fartamente ilustradas, alguns poemas já publicados em livros anteriores—mas a grande maioria é constituída por poemas inéditos.

Segundo Claudio Willer, poeta e crítico, o que caracteriza o trabalho de Rubens Jardim é ele querer “uma poesia total cujo centro é a palavra plena, mas que inclui o visual - o elaborado tratamento gráfico e a grande quantidade de ilustrações -, o biográfico - ao qual remetem informações no livro e temas de alguns dos poemas -, e o restante do contexto, daquilo que ocorreu nestas últimas décadas. No limite, aspira a uma síntese, através da qual se confundiria com seus poemas, e vice-versa: é a unidade sugerida pelo confronto, lado a lado, dos poemas sobre a rosa real e a rosa irreal; a coexistência do existente e do imaginado, do antiornato e do pleno pigmento. Para realizar essa síntese, a própria palavra tem que ultrapassar-se: daí criar vocábulos em alguns de seus poemas, além de explorar as possibilidades das homofonias e anagramas ".

Também para o poeta Afonso Romano de Sant’Anna, o aspecto dominante desse trabalho de Rubens Jardim, poeta que vem da geração de 60 é a superação dos limites entre os grupos oriundos daquela época, e a criação de soluções pessoais para a questão da comunicação poética. Diz Sant’Anna que “neste livro ele se dá uma liberdade rara transitando entre as mais variadas formas. Pode-se dizer que ele faz uma síntese do que seria o poema-cartaz, o hai-kai, o poema-piada, o caligrama, a publicidade e o poema convencional. Pode tanto produzir um poema com o mínimo de palavras ou letras, como um magnifico soneto. Pode compor um poema voltado para problemas sociais ou para a repressão política, ou pode dedicar-se à sua infância e a temas subjetivamente familiares. E tudo com a desenvoltura de quem sabe o que está fazendo.”

PERFIL

Rubens Jardim, 62 anos, jornalista e poeta. Publicou poemas nas antologias: 4 Novos Poetas na poesia nova(1965,SP), Antologia da Catequese Poética (1968,SP), Poesia del brasile d'oggi(1969,ITÁLIA), Vício da Palavra (1977,SP), Fui Eu (1998,SP), Poesia para todos (2000,RJ), Antologia Poética da Geração 60 (2000,SP), Letras de Babel (2001,URUGUAI), Paixão por São Paulo (2004,SP), Rayo de Esperanza (2004, Espanha), Congresso Brasileiro de Poesia (2008,RS). É autor de dois livros de poemas: Ultimatum e Espelho Riscado.

Promoveu e organizou o Ano Jorge de Lima em 1973, (em comemoração aos 80 anos do nascimento do poeta), evento que contou com o apoio de Carlos Drummond de Andrade, Menotti del Pichia, Cassiano Ricardo, Raduan Nassar e outras figuras importantes da literatura do Brasil. Organizou e publicou Jorge, 80 Anos (uma espécie de iniciação à parte menos conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano).

O QUE JÁ SE FALOU DESTE POETA

“Poeta Rubens Jardim: deixo de responder à sua carta-desencanto porque a melhor resposta lhe foi dada por você mesmo, em Espelho Riscado, cadernos de poesia-2. A poesia é exatamente o projeto de solução que encontramos para os desencontros e absurdos do mundo. E você dá bravamente o recado, em seus versos. Portanto, é seguir em frente, com as armas da lucidez e da esperança.” Carlos Drummond de Andrade

“Rubens Jardim, que parece ser o mais maduro do grupo --mais maduro e, no fundo, mais amargurado -- diz, significativamente, que sua infância foi exata como um relógio sem ponteiros.” Rolmes Barbosa (Suplemento Literário de O Estado de São Paulo)

“Rubens é o poeta de hoje, definitivo e consumado. Ele só seria o poeta do futuro - como gostam de prever os críticos de rugas e casaca - se a arte admitisse progresso. Flávio Márcio, (dramaturgo)

“Poeta de talento o jovem Rubens Jardim do Ultimatum, que diz com o desassombro de seus 20 anos poesia em praça pública (como naquele Comício Poético, em outubro de 65, na Praça da Sé, em São Paulo)... E eu planto aqui no cerne de cada coração, o ultimatum da minha última esperança...Stella Leonardos ( Jornal de Letras)

“Três livros de poesias nos vieram às mãos esta semana. Um deles é firmado pelo jovem poeta Rubens Jardim. E tem um título bélico: Ultimatum. A poesia de Rubens tem aquele sabor próprio da geração que os maiores insistem em não compreender, por comodismo ou incapacidade. É o protesto.” J.Pereira (Diário de São Paulo).

23 de novembro de 2008

NO, NO SE PUEDE


Lula agora quer rosnar com os países da América Espanhola. Mostrou os dentes para o Equador, que tem como território o equivalente aos municípios de Uruguaiana e Alegrete somados. Lula achava que o prestígio do País vinha do fato de ele ser o rei da cocada preta, o gostosão das massas, o imperador das esquerdas submissas, o pacificador dos Andes, o Abanador Profissional para as Câmaras, o Sorridente Alvar ao lado do Côco Bicho Chavez. Deixou-se fotografar com Evo Morales dando-lhe uma prensa por trás. Era filmado gargalhando ao lado dos meliantes, que tungaram o patrimônio brasileiro e agora ameaçam romper acordos internacionais. Começam com Itaipu e terminam no Acre. É esperar para ver.

A cama está feita, pois no Brasil há um grande movimento a favor do ditador paraguaio Solano Lopes, tratado como libertador, quando era apenas um ditador facínora inescrupuloso e assassino, que invadiu o Brasil (minha cidade, Uruguaiana, foi totalmente destruída pelas tropas paraguaias, que também aprontaram em São Borja e Itaqui, onde entraram em todas as casas para roubar e quando não roubavam cortavam tudo a golpes de sabres). O Chavez vem aqui e cacifa escola de samba. Sin fronteras, claro, na America Nuestra (coincidentemente, falada em espanhol). Para que fronteiras, se elas comportam para nós, brasileiros, o território maior, melhor, mais rico e mais potente? O negócio é clamar pelo internacionalismo poncho e conga a favor dos povos oprimidos. Não existe povo sem nação. Se você foder com a nação, acaba com o povo, oprimido ou não. Disso muitos brasileiros não se deram conta.

O respeito ao Brasil vinha das guerras, quando disputamos os territórios espanhóis travando uma luta de vida ou morte. Por isso o Brasil era respeitado, porque compareceu no campo de batalha. Nossas fronteiras vem dessa luta. A paz com os vizinhos vem dessas guerras, inclusive com algumas derrotas ótimas, como a contra os uruguaios, que conquistaram sua independência. Na batalha de Tuiti, os bravos mortos de ambos os lados foram queimados para não espalhar doenças. Aos milhares, uma fogueira de gente. Foi por isso. Não porque Lula é o gostosão do Atlântico ao Pacífico. Aí ele foi deixando os caras fazerem o que quisessem, não havia reação nenhuma. Si, se puede: já que o gigante gosta que lhe passem a mão na bunda, então vamos roubar tudo o que eles tem aqui dentro dos nossos países. O Assessor Cuca, Sargento Garcia, aplaudia.

Agora Lula quer rosnar. Tarde piaste. Quando sair do poder, algum estadista de verdade deve ocupar o seu lugar. Nada a ver com imperialismo tupiniquim, como querem os espertalhões gringos (para servirmos de bucha de canhão). Mas tem a ver com soberania. A Newsweek saiu com uma matéria dizendo que somos potência econômica e por isso a Gran Cucaracha está assanhada. O Brasil não é potência econômica, é quintal do imperialismo e deixa o povo na mais completa miséria. Esbagaçou o patrimônio público, atrelou a moeda às moedas mais poderosas, entregou-se à ciranda financeira, destrói sem parar as matas, mete soja e gado em tudo que é lugar, vende adoidado terra para estrangeiros, divide-se em centenas de grupos étnicos (ninguém mais é brasileiro).

O bairrismo, que despreza o Brasil soberano em favor do “sangue” de alguma nação estrangeira, é o brinquedinho dos boçais. O Brasil precisa de estadistas à altura da sua História. No, no se puede.

22 de novembro de 2008

O QUE É FUTEBOL?

Futebol não é espetáculo. Se fosse, não existiria retranca e nem estaria focado nos resultados. Uma ópera, um concerto, um filme são espetáculos. Futebol é conflito, exercido dentro de regras rigorosas, que a toda hora são transgredidas, porque somos vocacionados para o confronto e não tem apito que segure. É uma representação da guerra: 22 pessoas se enfrentam para ver quem ganha, multidões carregam bandeiras e cantam hinos épicos. A torcida é a população civil, exposta à metralha e ao bombardeio, enquanto os 22 jogadores são as Forças Armadas. Há ainda os cartolas, que são os estrategistas, e a crônica esportiva, que são os correspondentes de guerra.

É natural que um correspondente no front tome partido. Era assim a cobertura de futebol antigamente. Depois inventaram a isenção, rompida a toda hora, quando o narrador é brasileiro num jogo da seleção, paulista num jogo contra alguém de fora do seu estado , carioca quando acha que o futebol brasileiro só se justifica num Flaflu (no Maraca). O que não dá para suportar é ver os comentaristas lamentando (em vez de reportar direito, sem falsos espantos) as brigas dentro e fora do campo, como se isso fosse algo que não pertencesse ao futebol. Assumem os interesses da corporações que os sustentam, pois as emissoras apostam no espetáculo, enfoque exigido pela publicidade, quando há simplemente porrada - e as mortes na saída dos jogos não me deixam mentir.

No jogo deste domingo, entre Corinthians e Avaí, no Pacaembu, o tempo fechou dentro de campo. O Timão queria colocar a mão na taça sem deixar que o adversário carimbasse a faixa. E o Avaí, depois de 30 anos de jejum na série A, queria mostrar que está à altura para participar da primeira divisão nacional. O futebol assim mostrou a cara e a guerra emergiu sem piedade. Mão na fuça doutro, carrinho criminoso, socos, pontapés, xingamentos: quem disse que esse jogo é como uma peça de teatro ou um festejo de fogos de artifício?

Há necessidade de brigar. As torcidas organizadas, que se atiram no alambrado, invadem cidades com rojões e armas, com uniformes que são suas fardas, agrupadas em divisões de combate que atacam os inimigos nas arquibancadas, tudo isso é a vontade que as pessoas tem de eliminar os semelhantes. Inventaram o futebol para dar um pouco de vazão a esse espírito guerreiro, que toma conta da pessoa desde a infância, chega ao auge na juventude e, na decrepitude, se recolhe em autores de massacres, facínoras encastelados nos poderes.

Não gostamos uns dos outros, queremos acabar com a raça dos contemporâneos. Há sempre um motivo para as coisas degringolarem. Olhar atravessado, dizer algo que o outro não entendeu, contato físico não intencional, qualquer detalhe pode desencadear uma saraivada de golpes. A todo momento, há brigas na saída de boates, festas e bailes. Seguranças enfrentam garotos. Não falo da violência dos assaltos, mas dos mal entendidos. Da sede de sangue que há em cada minuto, o que deixa toda a cultura humanista falando sozinha.

O futebol lida com essas coisas. Falam que os europeus são uns fofos e aplaudem as jogadas, mas isso acontece depois que eles promoveram várias mortandades nos estádios. A polícia foi em cima e começou a prender os autores dos crimes, aí houve mais equilíbrio. Mas não tem como negar uma série de evidências que o futebol oferece. Como a celebração do gol com gestos de brutalidade, como socos no ar, movimentos fortes de punhos fechados. Como o violento agarra-agarra dentro da área (quando o olhar do árbitro sofre com a confusão). Como o cotovelaço no rosto no canto do gramado. E assim por diante.

Digo isso porque estou cansado dessa coisa hipócrita que virou lei e que assevera ser o futebbol um grande espetáculo. Se o adversário joga o fino e faz um saco de glols no meu time eu vou amaldiçoá-lo até a quinta geração. Não existe nada mais cruel do que vibrar com a desgraça alheia, e é isso o que acontece no futebol. Quando vencemos, enxovalhamos o inimigo. É risível os gestos de agradecimento ao Alto que os jogadores fazem depois de um lance bem sucedido, como se Deus tomasse partido.

Ou será que toma? É possível. Jamais permitiu, por exemplo, que o E.C Uruguaiana participasse de um campeonato estadual da primeira divisão. Em compensação, colocou na história do nosso time o maior goleiro de todos os tempos, Eurico Lara, o Craque Imortal (segundo está eternizado por Lupiscínio Rodrigues no hino do Grêmio). Essa é a sina do glorioso auri-negro: ser lenda sem jamais ter sido campeão estadual.

21 de novembro de 2008

JUVENTUDE FORA DE HORA


Nei Duclós

Cinema de autor na América é uma linhagem abandonada, apesar da sua importância para a história do cinema. Está, inclusive, na origem de tudo, com Grifith e O Nascimento de uma nação. Ganha força com Frank Capra, Billy Wilder (europeu de nascimento, mas cineasta americano), Nick Ray, Arthur Penn, experimenta a ruptura com John Cassavets e chega ao máximo com Orson Welles. Hoje, é representado por Clint Eastwood, um pouco por Sean Penn, entre outros. Para continuar autor, Woody Allen migrou para a Europa. Francis Ford Coppola ficou dez anos sem filmar até voltar ao cinema de autor com Youth without Youth (a tradução literal é Juventude sem Juventude, mas pode ser encarado como no título acima ou no alternativo Mocidade Depois de Velho), lançado em 2007.

Quem fez esta indicação foi o meu amigo Ricky Bols, que gosta dos meus textos sobre cinema que posto aqui. Com Tim Roth, Alexandra Maria Lara e Bruno Graz, o filme é baseado numa novela do romeno Mircea Eliade, mas foi totalmente escrito, produzido e dirigido por Coppola. Trata-se de uma viagem no tempo, em que um lingüista pesquisa a origem da linguagem e para isso ganha o que todos os grandes estudiosos precisam desesperadamente: mais de uma vida, para realizar projetos ambiciosos demais. A nova vida do catedrático já senil, interpretado por Roth, é inaugurada por uma carga poderosa de um raio, que o rejuvenesce.

O fenômeno atrai a atenção dos nazistas, envolvidos historicamente em magias do Mal, como mostraram os autores de Os Despertar dos Mágicos, antigo best-seller hoje esquecido de Louis Pauwels e Jacques Bergier e que pode ser lido online. A delirante ficção de Mircea é, em si, um projeto ambicioso demais. Como um Borges (como já foi notado por estudiosos), ele navega por assuntos como a migração das almas, reencarnação, a existência de um Duplo (tema fundamental na literatura de Carlos Castaneda), espiritualidade oriental etc.. Coppola (ou talvez Mircea, já que não li a novela) coloca a história em função de um conflito, entre o projeto de uma vida e o amor. Numa das encarnações da amada, ela vai embora porque não consegue entrar no mundo dele. Na seguinte, mergulha tão fundo que envelhece e corre o risco de enlouquecer – e por isso a relação também não dá certo, não vai adiante.

O resultado é a solidão e a regressão. Toda a trajetória do desamparado professor romeno de línguas acaba num livro inacabado, em dois amores partidos, na negação do seu Duplo (somos um Outro) e na volta à rotina que o condenava, entre professores intelectuais senis e omissos, enquanto a guerra bate na porta com as botas do nazismo. O filme é também um projeto ambicioso demais para Coppola, que filma o que quer, depois de sofrer tanto com seus megafracassos de bilheterias, seu esbagaçamento de prazos e verbas, entre outras tempestades.

A juventude que chega tardiamente e viabiliza uma segunda chance para a profissão e o amor, seria fruto dos impactos da ciência na humanidade ou apenas perda de tempo? Nossa geração, que se recusou a abraçar o que estava programado e ousou novos caminhos, dando a si uma nova oportunidade, que elegeu a juventude como o insumo permanente do risco e de uma vida plena, sofre hoje com esse conflito: para onde foram tantas conquistas, tanto conhecimento acumulado, tanta experiência? Voltamos à estaca zero ou conseguimos realmente mudar tudo? Somos o professor recém saído da recuperação, cheio de projetos, driblando a tirania, ou aquele que volta ao seu regaço de modorra e esquecimento e acaba se perdendo no meio da noite e da neve? Eis a atualidade candente dessa nova obra de Coppola.

Em Roma, num festival em que lançou seu filme, argumentou que a crítica deveria dar vez a autores que quisessem ousar, experimentar e não apenas ficar cobrando que faça filme de gangsters . Sim, teve uns bois cornetas que disseram que ele precisava fazer o que sabia fazer, ou seja, filme de bandidos. O cara é uma enciclopédia do cinema, cada filme seu é uma escola diferente, é autor de uma obra que ninguém mais tem hoje, se equipara aos grandes mestres e querem que ele faça filme de tiroteio e roubos. É de chorar.

Neste Youth without Youth, o grande cineasta faz um trravelling sobre a história da Sétima Arte. É um filme de amor, de espionagem, de especulação filosófica, de suspense, às vezes de terror, de ficção científica, de viagens. Tem grandes homenagens ao cinema noir, como na perseguição que o professor sofre nos becos sinistros, quando luz e sombra, chapéus de feltro e casacões, pistolas automáticas e rostos em close criam o clima inesquecível dessa arte sem igual, o cinema policial americano clássico.

Há muitos Coppola, todos ótimos. Cada pessoa tem suas preferências. Eu destaco o roteiro (que ganhou o Oscar) para Patton, a narrativa épica sobre um protagonista da II Grande Guerra; e O Poderoso Chefão III, a denúncia de que a maior máfia é invisível, está no comando e domina o mundo por meio da manipulação das economias dos países ricos, o que é uma situação cada vez mais evidente.

Os Coppola obrigatórios, como Apocalipse Now e os dois primeiros Godfather nem precisa citar, são eternos. Mas há os menos considerados, igualmente ótimos, como Peggy Sue e Tucker. O cineasta prefere seu filme mais radical A Conversação, que ganhou a Palma de Ouro de Cannes e é sobre um espião que surta diante da descoberta de que seu trabalho servia para causas escusas. A perda da inocência de um profissional da guerra é um aspecto recorrente do cinema americano, que coloca os heróis deslocados na volta para casa, em desgraça nos quartéis das Forças Armadas ou da CIA, em países distantes onde entram em crise de consciência.

Em Youth Without Youth, Coppola retoma o fio de suas múltiplas narrativas, apostando na inteligência dos espectadores, peitando a crítica submissa e sem nenhuma luz. Talvez seja por isso, o excesso de sombras, que tenha trazido Coppola a Florianópolis nos últimos anos, onde pretende criar projetos imobiliários, no mínimo uma casa debruçada para o mar. Que salte esta primavera, tão chuvosa e sombria e venha no verão, que o verão da ilha o espera, com camarão e tainha na brasa.

Vem, cara, que a gente nem vai te cobrar filmes de gângsters. Prometemos também nem comentar teu excelente Juventude fora de hora. Na tua presença, a gente se cala. É o que devem fazer os espectadores com juízo, quando encontram, por acaso, uma das encarnações do gênio.

RETORNO - Imagem de hoje: Tim Roth, múltiplo em Youth without youth, de Francis Ford Coppola.

20 de novembro de 2008

QUINTANA: UMA CITAÇÃO ANTOLÓGICA


Ney Gastal - Três poetas da nova geração e do teu agrado?
Mario Quintana - Daqui dos pagos ? Ayala, Duclós, Nejar, Trevisan, em ordem alfabética.

Esse é o trecho em que sou citado, ao lado de outros três autores importantes, pelo grande poeta, numa entrevista a Ney Gastal, no Correio do Povo de Porto Alegre. A entrevista completa está neste link. O título do texto é Conta o poeta: “Incomoda quando ninguém se preocupa comigo”. É importante resgatar essa citação antológica. Na época, eu tinha lançado apenas um livro de poemas, Outubro, editado pelo Instituto Estadual do Livro, dirigido por Lygia Averbruck. Nesse livro, eu tinha feito um poema em homenagem a Mário, mas não havia colocado o nome do homenageado. Na organização do livro, que esteve a cargo de Claudio Levitan, Juarez Fonseca, Ida Duclós e Caio Fernando Abreu, foi exatamente Caio que me perguntou: "Bonito poema, para quem é?" Eu disse e ele foi no osso: "Por que você não coloca o nome do poeta no título? Foi o que fiz:

MARIO QUINTANA

Nei Duclós

Olhem o antipoda
olhem o animal da palavra
É um dinossauro na cidade de vidro
Borboleta branca na floresta queimada

Respeitem seu andar
e desconfiem com temor
da sua conversa fiada

Ele é o flagelo do Senhor
e vocês não sabem

Para fazer esse poema, me baseei na obra do poeta, especialmente a parte que menos chama atenção, que é sua contundência, sua profunda ironia (hoje é comum confundi-lo como um autor de auto-ajuda, ou de tiradas anedóticas). E também no ritmo e no jeito do andar de Mario, que palmilhava o centro de Porto Alegre, sentava nos bancos da Praça da Alfândega, quase sempre sozinho. Na época em que deu a entrevista, tinha completado 70 anos. Quem me enviou o recorte do Correio do Povo para São Paulo, onde eu já estava morando, foi Caio: "Este é o maior elogio da sua vida", escreveu ele, numa de suas várias cartas para mim.

É importante resgatar esse fato. É a jóia mais preciosa da minha fortuna crítica. Fui ungido pelo Mestre quando eu despontava para a vida de escritor.

O MAIS DO MUNDO


Agora alguém tem ser o mais do mundo. Na disputa entre Cristiano Ronaldo (que se assina Ronaldo, por que será?) e Kaká, o tempo todo esse assunto veio à tona. O público do Gama é que não perdoou. Vingou-se do assédio das garotas em cima do português (gritar que quer dar é uma das marcas registradas do nosso tempo) colocando as coisas no lugar: Cristiâââano, viaaaaado! Galvão Bueno (sempre ele) disse que o motivo é porque Cristiano não jogou nada, mas o motivo é outro. A máscara foi punida. Mascarado, só o Zorro.

Bastou Luis Fabiano fazer três gols para começarem a lembrar que ele é conhecido agora como o Fabuloso. É como o Adriano, que era o Imperador. Depois o cara se perde e caem em cima. Inventa o mascarado e aí querem o quê? Tem aquele jogador de futsal, o Falcão, que vem sempre citado como o melhor do mundo. Assim como Hortência é a Rainha e a outra é a Magic Paula. Mania de querer achar o máximo no médio. Todos sabem que Rei só tem um, Pelé, que compareceu no estádio do Gama vestindo um conjunto azul, fechado no pescoço. Deve ser uma nova religião. Foi bonito ver o Rei aos 68 anos sendo abraçado. Quando entrevistado pela Globo começou a argumentar, no que foi cortado imediatamente por Galvão Bueno, que não suporta as arengas do Pelé.

Aí elegem a mais sexy, o mais comedor, o mais fornecedor. El Gran Rompedor, El Maestro Total, El Dia em que Me quieras. No cuspe a distância tem o melhor do mundo, o Pojadas. Na Peteca de Praia o maior do mundo é o Índio Carijó. No lançamento de dardo é Tonto, o Pele Vermelha. No martelo é Porrada, o Fodão. Tem também o corredor mais rápido do oeste, que é Silver, o Empalhado. Na derrubada de latas é Pimpão, o Enganador. No jogo de dardos é Tell, o Maçã de Ouro. Sem falar nos medalhistas da natação: Ele, Boto, Ninfa, a Sílfide, Lagoa Negra, o Monstro. Tem um melhor do mundo para cada atividade humana. O melhor do mundo em porrinha, em bafo, em peido de sovaco, em bodoque, em bulita, em taco, em aro, em bola de pano.

Tem o Sete Trouxa, que é o melhor do mundo em mendicância. O Pepe Caravana, que é o melhor do mundo em cachimbadas. O Chagas e Silva, o melhor estancieiro do mundo. O Sincero, o bebum mais transparente do mundo. Rato, Tano, Gringo e Macaco, os melhores do mundo da zona do Cafarate. O melhor goleiro do mundo é o Gilmar, qualquer Gilmar, menos esse Gilmar. O melhor center foba é Amauri, que só tira de puxeta. O melhor meia do mundo é Paré, o melhor atacante Xirunga, o melhor chutador é Nick, o melhor chedinho quem dá é o Gorrinha (chedinho é o chute que pega na veia). Tem para todo melhor do mundo.

Ronaldinho era o Fenômeno, hoje não é mais nada, porque queimaram todos os seus cartuchos. Profissional do futebol desde criança, Ronaldinho encheu de tudo, escapou com vida, hoje é fera ferida, animal arisco ( ainda dizem que Roberto Carlos não é o bicho). O pior é isso, pespegar no cangote do sujeito ou sujeita o epíteto. Não falam mais Marta, falam Marta, a melhor do mundo. Vejo Marta brilhante como sempre, mas sugada, exausta. Marta é mártir do futebol arte. Joga o fino numa época de pontapés.

A mídia é fiel até o osso com essas coisas. Nunca abandona um apelido, uma qualificação. As pessoas não existem sozinhas, com seus próprios nomes. O moço do começo da fila é um tratante porque curte essa de ser o mandante. A redação mais brilhante não é minha é a do meliante. Chega, a bobagem tomou conta. Já fui "mais melhor" (antes davam cascudo para quem dizia mais melhor, agora é moda).

RETORNO - 1. Imagem de hoje: Zorro, Tonto e Silver. 2. A seleção brasileira, pentacampeã do mundo, deu uma lavada no arrogante Portugal por 6x2. Serviu para mostrar a um time europeu quem tem cinco estrelas na camisa. Ué, o Dunga não era péssimo? Agora vale? Que mistério é esse em que um treinador enxovalhado sai de campo com uma vitória completa? O motivo da má vontade é sempre a mesma: a percepção sobre a realidade, na mídia, costuma beirar a idiotia (fruto, quase sempre, da má fé). A crônica esportiva vive de carona nos resultados. Se é bom, muito bem. Se é ruim, é porque time e treinador nunca prestaram e todos merecem ser fuzilados. Assim é mole. É preciso arrostar nas derrotas e ver a médio e longo prazo e não se entregar como um filho da mãe ao que parece ser evidente.

19 de novembro de 2008

O QUE VAI PELO MUNDO


Esse era o título de uma seção das Atualidades Francesas, quando existiam Atualidades Francesas. Era no tempo da Panair, tema de documentário completo que está estreando este mês. Agora, vão reclamar para o bispo. A ditadura destruiu a Panair, e como a ditadura continua, a Panair não foi "anistiada” nem voltou à ativa. Sucatearam as empresas brasileiras, como Transbrasil, Vasp, Varig e abriram as comportas para gigantes como a American Airlines, por mais que o Brizola tivesse avisado (mas quem dava bola?).

O casal de artistas Dudu Nobre e Adriana Bom Bom foi enxovalhado pela tripulação da AA num vôo. O comissário de bordo chamou Nobre de macaco. É isso que dá, entregar a soberania. Ninguém respeita. O cidadão, que nada tem a ver com isso, paga. Mas Nobre promete revidar até o fim, na Justiça. Vamos ver.

Falo em Panair anistiada porque, bem como notou Paulo Moreira Leite, Diretor da Sucursal de Brasília da revista Época, no seu blog, anistiaram Jango, quando o presidente deposto é quem deveria anistiar quem hoje o anistia. No blog de PML, fui homenageado por ele com carinhosa manifestação: "Caros: registro aqui neste blogue a presença do grande jornalista Nei Duclós, mestre dos bons — na profissão e na vida".

A subprime, o crédito podre inventado pelos americanos para convencer as pessoas a continuarem comprando imóveis depois que o símbolo do mercado imobiliário, as Torres Gêmeas, foram para as picas, está sendo suprimida do agronegócio. Isso gera inadimplência geral e as máquinas colheitadeiras, compradas todas a prazo, estão sendo recolhidas pelos bancos. Agiotagem antigamente era crime. Hoje é lei.

Folheio Caras na sala de espera do dentista e vejo o passado absoluto, acontecido dias atrás. Atriz famosa e passadaça que saiu na capa várias vezes exibindo seu marido moço e saradão hoje só sai com oito seguranças, porque tem medo que o ex (o mesmo moço poderoso) a pegue na saída. Casal formado por ator longevo e mulher jovem brinca de esguicho num jardim de delícias, mas é o mesmo casal que se separou logo depois porque ela queria ter filho e ele, claro, não. Galã glamouroso que exibia seu olhar sampacu para as frangas nas páginas coloridas agora está internado com problemas de saúde provocado pela dependência das drogas.

Luana Piovanni , em Caras, beija o cara que hoje é ex. Confessa agora que se arrepende da relação. Luana briga com produtora da Globo. Parece que destratou a outra porque queria comida light. Luana desperdiça talento e beleza. Perde tempo, seu tempo, que até agora esteve a seu favor. Estrela é poder dizer para milhões de pessoas: sou apenas uma pessoa comum. E não: me tratem como rainha! Soberba não dá estrelato para ninguém. Isso se as queixas contra Luana forem procedentes. Se não forem, parem de perseguir a guria!

Recebo pelo correio o livro Navegando pelo Rio Grande, de Geraldo Hasse (JÁ Editores). Importante e extensa reportagem, fartamente ilustrada, do nosso jornalista morador do município de Osorio, no litoral riograndense, e que bate o bumbo na imprensa de todo o país. De cara, me desasna, pois sempre achei que Rio Grande vinha do rio da Prata e Geraldo, amparado por séria documentação, nos garante que a Lagoa dos Patos é que era o Rio Grande de São Pedro original. Em Uruguaiana, Geraldo visitou o Museu do Rio Uruguai, que eu pretendo também conhecer quando for, se tudo der certo, na próxima semana para a Feira do Livro da minha terra.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: tripulação da Panair do Brasil, onde as pessoas eram tratadas com consideração e respeito. "Coincidência": isso acontecia na Era Vargas. Foi, por isso, punida pelo golpe de 1964, que continua em vigor. 2. A magnífica revista cultural on-line Cronopios, editada por Edson Cruz, publica, com chamada de capa, meu texto Galo inventa a manhã.

18 de novembro de 2008

AVC NA FRANÇA


Nei Duclós (*)

Os franceses são capazes de produzir grandes blockbusters, cheios de ação, milionários. Também são craques em narrativas comerciais, como provam suas inúmeras produções refilmadas pelos americanos. Mas a França ainda é e sempre foi o centro internacional da cultura humanista. Não pode jamais querer ser americana, sob pena de sofrer um AVC, Acidente Vascular Cerebral, como acontece com o protagonista de “O escafandro e a borboleta” (2007), de Julian Schnabel.

O jornalista Jean-Dominique Bauby, editor da Elle, interpretado por Mathieu Amalric, está no auge: carro novo, rico, bem sucedido, invejado e pretensamente livre. Deixou a família e evita qualquer relacionamento maduro com as mulheres. Quando tem o derrame, descobre que se afastou das coisas essenciais, do amor, da responsabilidade, dos filhos, da cultura. Pelo olho esquerdo, que ainda está vivo e em movimento, ele vê o resultado do choque entre a vida estéril e o acervo acumulado que abandonou. No fundo, tinha deixado à deriva seu próprio país, ou o que há de melhor nele.

Uma das coisas essenciais que voltam é a memória. Marcel Proust, no capítulo Combray, do livro “No Caminho de Swan”, escreveu: “Quando mais nada subsistisse de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas - sozinhos, mais frágeis, porém mais vivos, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis -, o odor e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, lembrando, aguardando, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, e suportando sem ceder, em sua gotícula impalpável, o edifício imenso da recordação”. Esses vestígios imateriais são representados, no filme, pelos espíritos, que vagam arrastando suas longas vestes e cercam o paciente terminal de visões, atenção e afeto.

Tudo some da vista, o dinheiro, o crédito, a casa hiper-valorizada. Vemos então que essas evidências eram a ilusão dos nossos sentidos bem nutridos, que o sentimento de devorar o mundo todos os dias não tinha base sólida. Em “O escafandro e a borboleta”, o pesado mergulho liberta a leveza do entendimento. A vida desperdiçada, sem conexão com o passado, dá lugar à criação e à emoção, presas num corpo imobilizado.

RETORNO - 1(*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 18 de novembro de 2008, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: o jornalista francês e seus fantasmas em "O Escafandro e a borboleta". 3. De vez em quando o noticiário econômico - conjunto de frases com sentido que formam conceitos sem sentido - tem uma recaída e entrega o ouro. Prestei hoje atenção no termo Subprime, que é o crédito a rodo proporcionado pelos EUA depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Como a brutalidade provocou o efeito dominó de uma ameaça de recessão no mercado imobiliário (quem iria pagar os tubos por coisas que poderiam cair como um castelo de cartas?) então eles inventaram esse crédito sem garantia. Ou seja, eles mesmos criaram o crédito podre, alimentando a especulação financeira e a tal bolha (que é o mercado antes do estouro). Explodiu tudo, fazendo estrago. É como costumo dizer: são eles. São sempre eles.

16 de novembro de 2008

TIGRE À SOMBRA


Nei Duclós

Talvez a morte seja a eternidade
Uma surda revolta contra o tempo
Um corte na avalanche dos segundos
Um jeito de evitar a próxima aurora
Resolver de vez a espiral do futuro
Evitar a dor da espera e o desespero

Talvez a morte seja a soma do presente
Como um iceberg visto à distância
Perfeito, em sua alegoria imóvel
Posto ao largo pelo vasto continente
Que se basta, como um tigre à sombra
Depois de devorar todos os rebanhos

Somos alimentados pelos minutos
Como velhos confinados em fazendas
A sorver a sopa servida com descaso
Mas temos apenas esse prato de espuma
Para enfrentar o fim do mundo previsível
O frio que vem do cosmo, a idade hostil

Um dragão na sesta, isso é a eternidade
Coleção estéril, savana de miragens
Caçadores confinados longe na floresta
Jipes sem serventia apodrecendo ao sol
Rifles de repetição enterrados nas raízes
E fotos de safaris em ninhadas de abutres

Talvez a morte seja o fim desses eventos
Que é a vida ressecando o próprio seio
E a eternidade, uma festa de surpresas
Perfil extremo de um Deus sob o sereno
Aquela estátua de Deus que nos aguarda
No sopro da varanda em tetos de silêncio

SERENO - 1. Imagem para este poema: John Wayne em "Rastros de Ódio", de John Ford. 2. Esta é mais uma edição do Diário da Fonte no fim-de-semana. Esporte, cinema, poesia: um jornal precisa ter de tudo. Mais!, te cuida.

O DIRETOR QUE TEM MEDO DA SOMBRA


O americano, nascido na Índia, M. Night Shyamalan, morre de medo da natureza. No seu mais recente filme, Fim dos Tempos (The Happening) o vento, as árvores, a grama espalham um vírus que elimina o sentimento de auto-preservação da espécie e todo mundo começa a se suicidar. Em A Vila (The Village), os habitantes retrô de um lugarejo oitocentista em pleno século 21 se cagam de medo do que eles próprios inventaram, monstros. Onde ? Claro, na floresta, lugar extremo da natureza. Em A Dama Na Água, tudo o que é natural assusta: a ninfa, a grama, o lobo Mau que a persegue, a chuva, a sombra.

Em todos os seus filmes existe esse medo atávico de regredir para suas origens, o povo e a nação de onde veio. Mais realista que o rei, ele é o fruto da paranóia americana em seu esplendor. Pois se um americano nativo sente medo, não sofre essa obsessão paranóica de Mr. Night, já que um americano sabe que pertence ao seu lugar, por direito, o que não acontece com Mr. Night, de pele escura, nascido num país longínquo.

Ele ficou milionário com O Sexto Sentido, que é o pavor de ser considerado um excluído, alguém que morreu e não sabe. Por se cagar de medo, Night cada vez mais regride. Da história de fantasmas ele partiu para o spielbergiano Sinais, que é uma conspiração da natureza contra a civilização, os plantadores de milho. Do conto infantil sobre a ninfa, ele mergulhou no medão de sofrer um golpe de ar, de respirar esporos e morrer de rinite alérgica.

Shyamalan acha que faz filmes que o amedrontam, quando no fundo faz filmes que tentam retratar seu pavor diante de tudo o que é natural. Agarrou-se à Filadélfia, onde foi criado, centro da civilização a qual pertence, a americana. Lá ele vive seu pesadelo artístico, sendo considerado gênio por alguns, quando não passa de uma exacerbação da cultura do império, que sonha com super-heróis e teme ter o corpo fragilizado pela ameaça de fraturas em todos os ossos, como acontece com Corpo Fechado. Ele procura desesperadamente uma saída para sua obsessão, o medo de ficar à mercê das intempéries, sem teto, sem país que o abrigue.

Shyamalan é o migrante que encontrou um lar no país rico distante e faz qualquer coisa para continuar nele. Disfarça esse objetivo carregando uma espiritualidade ungida pelos lugares comuns do deserto a qual pertence, ou seja, a auto-ajuda via cultura indiana. A Índia tem pavor sagrado da natureza, basta ver o que fazem bois e vacas em suas ruas. Multidões se atiram num rio de poluição crescente para se purificar. A sabedoria indiana cai como uma luva no Império sem alma. Serve como parâmetro de sentimentos profundos, desde que a natureza ao redor não tenha chance de ressuscitar.

Night teme que a natureza se manifeste. Ele não está denunciando a agressão aos recursos naturais. Se sente ótimo assim, na riqueza do país que devorou o mundo. Tem medo que haja insubordinação. Que o mar, que fica bem longe da Filadélfia, despeje criaturas na piscina da sua casa; que suas commodities bem plantadas sofram o ataque de alienígenas; que as pessoas mortas venham lhe assombrar. Shyamalan tem medo da próprio sombra. Se considera um Stuart Little, filme no qual fez o roteiro, um ser minúsculo, louco para ser adotado pela América.

Sabe filmar, mas força muito a barra. Em O Sexto Sentido acertou por ter optado por um suspense policial, uma investigação noir. Depois degringolou em inúmeros delírios. É um menino leitor de gibi, amante do ET, de Spielberg e talvez, nos seus filmes de paranóia total, não tenha denunciado a vida sob Bush, como quer a crítica. Mas simplesmente tenha apontado o quanto o terrorismo de estado tinha razão.

RETORNO - Imagem deste post: Ashlyn Sanchez, Mark Wahlberg e Zooey Deschanel fogem do vento em "The Happening" (Fim dos tempos).

O QUE É ESPORTE?


Esporte é a capacidade de as pessoas cometerem gestos bizarros que ficam impunes. No futebol é um espanto: marmanjos se abraçam coletivamente antes de entrar em campo e na hora do gol; atacantes pegam zagueiros por trás nos treinamentos; multidões de chuteiras caem como chuva em alguém deitado que acaba de colocar a bola no ângulo. Sem falar no agarra-agarra das áreas, os tapinhas amistosos na cara, as trocas de camisa nos intervalos (talvez o maior enigma do futebol). Há mais: quando levantam as duas mãos depois de cometerem um crime em campo, como a dizer: “Não fui eu!” Ou: “Fui eu, mas não devo ser punido”.

A impunidade garante a continuidade das bizarrices. No vôlei, há uma espécie de regra burocrática dos tapinhas nas mãos. Façam o que fizerem, todos precisam se estapear as palmas das mãos. Imagino que, se não fizerem isso, serão condenados à prisão perpétua. Pois é tamanha a dedicação com que se entregam a esse ofício, o de dar tapinhas nas mãos uns nos outros, que só pode ser uma determinação de entidades internacionais poderosas. Artigo 1: cumprimente, a cada segundo de jogo, com um tapa na palma da mão do colega de equipe para provar que você é cool, senão vai ter.

No basquete tem aquele gesto do cara que se dependura na cesta, para delírio dos babacas que adoram esse tipo de esporte, inventado pelos americanos que jamais conseguiram jogar o jogo dos seus senhores, os ingleses futebolísticos. O sujeito já fez o ponto, ou os dois, mas precisa se dependurar que nem um imbecil na cesta para provar que sabe enterrar. É puro exibicionismo que deveria ser punido com dez chibatadas em público. Mas acontece o contrário: todos adoram e ainda uivam nas arquibancadas.

No tênis tem a ruginha na testa significativa (a fingir produção de pensamento) antes do saque, que nesse tipo de jogo é uma espécie de punhalada criminosa. Não se pode admirar um jogo em que os contendores querem eliminar fisicamente o outro com um bostaço de cara, um petardo de primeira, um tiro de canhão já no início do lance. Tênis é pura covardia. Só para disfarçar, às vezes eles colocam uma bola fraquinha pelo alto, mas isso também é um prevalecimento. O adversário já está batido, então fazem esse tipo de coisa para humilhar. Sem falar nas diagonais com efeito em cantos impossíveis de alcançar, entre outros expedientes sacanas.

Beisebol não dá nem para comentar. O cara encolhe a perna como cão antes de mijar e joga a bolinha a toda velocidade contra o coitado que está com o pau na mão a poucos metros de distância. Deve ser quase impossível acertar aquela joça e quando isso acontece saem correndo que nem umas bestas. Correm apenas, sem driblar, sem dominar a bola, sem colocar no ângulo. Que graça tem isso? Rebater a bolinha impossível? Jogá-la para os eucaliptos e dizer que é home run? E de onde vem tanto carisma? Vejo filmes americanos sobre o esporte. É totalmente incompreensível. “Quem estava na primeira base”, como dizia a velha piada de Abott e Costello. Isso mesmo, sem ponto de interrogação. “Quem” era o nome do jogador. Muito, muito engraçado.

Mas nada se compara ao handebol. Quando éramos guris, havia uma surra coletiva em quem pegava a bola com a mão e tentava fazer o gol atirando sem dó em cima do goleiro. Isso não se faz. Mas se faz. Chama-se handebol, o jogo mais execrável da face da terra. Mil vezes a peteca de praia, pelo menos é mais honesta em sua falta absoluta de importância.

Deixei por último o pior deles, a Fórmula 1. Os caras roncam os motores e gastam os pneus numa pista autista, que não leva a lugar nenhum. Depois comemoram jogando hectolitros de uma josta que dizem ser champagne. Deve ser mijo de camelo engarrafado. Esqueci também de comentar o gesto mais cretino do esporte: beijar o símbolo da camisa. Dá nojo. Por que não vão beijar um cacto? Ou se roçar numa tuna? Os clubes são joguetes nas mãos de uma máfia terrível que domina o esporte em escala mundial. Vai gastar amor numa camisa que faz propaganda de algum produto ridículo? Quando alguém beija a camisa do seu clube, está beijando a marca do patrocinador. Deveria vomitar, não babar como um energúmeno.

Nossa, hoje encarnei o pior de Sinistrus Joe.

RETORNO - Imagem de hoje: "Salve-se quem puder", foto de Helcio Toth. Pelo menos o box é sincero, não tem frescura. Isso sim é ripa na chulipa.