21 de março de 2008

DOIS FILMES POLÍTICOS

"Leões e cordeiros”, de Robert Redford, e "Brizola: Tempos de Luta”, documentário de Tabajara Ruas, são filmes políticos urgentes, que merecem ser vistos. Abordo as duas obras em capítulos separados, a seguir.



AUTOCRÍTICA DO DÓLAR FURADO

Quanta “coincidência”: a má-consciência dos militantes democratas de Hollywood, da imprensa e da intelectualidade em geral, que embarcaram na canoa furada de Bush no Iraque, se manifesta em tom de autocrítica bem no momento em que a guerra cobra a conta, ajudando a fazer água na economia do dólar furado. Perigo: os dito progressistas podem perder dinheiro! Pânico geral. Quando o bolso está sob ameaça, é hora de rever tudo.

O rebento mais explícito dessa reviravolta é o filme Leões e Cordeiros. O título original é “Leões por cordeiros”, ou Lions for lambs, expressão que faz parte de uma frase citada no filme, de autoria de um alemão, sobre os soldados ingleses na Primeira Guerra, que sofriam sob o tacão de comandantes pífios. Guerreiros sob as ordens dos covardões seria a tradução na lata, limpa de metáforas.

É o álibi perfeito para o roteirista Matthew Michael Carnahan e o diretor Robert Redford criticarem a direção da guerra, mas não a guerra em si. O grande problema não é o direito de os americanos meterem a pata no mundo como bem entendem a partir do 11 de setembro de 2001 (já faziam antes, o atentado só serviu para intensificar a vocação). Mas sim a quantidade de corpos que voltam em sacos plásticos, a bufunfa jogada fora (as armas tirando recursos da indústria do entretenimento), e, claro, as eleições presidenciais deste ano, pois é disso que se trata. Se um presidente democrata vencer, o que acontece com a guerra?

O filme procura dar uma resposta. Se Obama ou Hillary chegarem à Casa Branca, a guerra fatalmente entrará numa fase mais “racional”. Sairá da guarda dos falcões para se abrigar no destino da correção política (o que seria um resgate das melhores intenções da nação que virou Império). Ao mesmo tempo em que irá desmascarar os responsáveis diretos pelo massacre (tanto os republicanos que impuseram o terror quanto os democratas que foram coniventes), fará uma convocação para que as melhores cabeças de se encarreguem da guerra, não deixando que ela fique ao sabor dos atuais criminosos.

O filme tem o cuidado de valorizar os soldados que dançam na montanha gelada sob o fogo muçulmano, e de denunciar a conivência da mídia (comprada por grandes negociantes). Chama a atenção da juventude alienada e privilegiada, que se beneficia dos contingentes excluídos, que procuram as Forças Armadas para lutar pelo país que os deixou de fora. Essa inclusão feita na marra por negros e chicanos é condenada, o que vale é a opção consciente dos americanos loirinhos e ricos.

O filme é sobre culpa, alienação e perspectivas a partir do fim da era Bush. Deixa de lado o principal: a possibilidade de os Estados Unidos contestarem de fato seu direito ao terror internacional sob a capa do super-heroismo. Isso é citado superficialmente, já que uma obra metida a consciente não poderia deixar esse aspecto de fora. Mas a abordagem não é séria. Pois os americanos se enredaram na ditadura depois que sofreram o ataque de 11 de setembro. Colhem o regime que disseminaram pelo mundo. São vítimas e agentes do Mal que imaginam combater.



UMA PLANTA NO DESERTO

“Votem em qualquer um de nós, menos na direita, que quer entregar o país”, diz Brizola em Tempos de Luta, documentário de Tabajara Ruas, selecionado para o Festival de Cinema do Recife, que será realizado no final do abril até maio. Ele se referia a Lula, entre outros candidatos. Mal sabia o que iria acontecer mais tarde e que denunciou, com veemência, logo no primeiro mandato do governo petista. Deveria ter dito: Votem em mim, que é a única garantia de o Brasil não ser entregue aos estrangeiros. Mas Brizola é de uma terra em que soar convencido é crime. Que pune o egoísmo e celebra a generosidade, virtude que jorrava do líder porque se alimentava do povo a quem servia.

Duas cenas constrangedoras denunciam a traição a que foi submetido: uma, a de Tancredo Neves de cabeça baixa e mexendo em alguma coisa, como a negar o que estava sendo dito por Brizola ao microfone, na Cadelária, quando o movimento Diretas-já ganhou força. A outra, a de Brizola levantando a mão do candidato Lula em 1989, quando perdemos a chance de termos um estadista de verdade no Planalto. Meio por cento de diferença e pronto, lá estava o movimento de resistência popular encarnado pelo falso operário diante de Collor, o bom-mocismo da extrema direita.

O documentário é enxuto, super-bem feito, se aprofunda no movimento da Legalidade e deixa de fora, de propósito, algumas passagens, especialmente as dificuldades do final da vida. “Quis filmar a lenda”, disse Taba para mim quando me deu de presente um exemplar do seu novo filme (que não pode ser comercializado, segundo determinações dos contratos de financiamento). Conseguiu. É emocionante. A água fria fica a cargo da aparição sinistra de Lula, FHC e Jarbas Passarinho. Surpreendentemente, Stedile e Dilma Roussef deram os melhores depoimentos. É supreendente para mim, que tenho os dois em baixíssima conta, fato que deve tirar o sono deles em noites sem lua.

Flavio Tavares e Mario Soares fizeram pouco de Brizola, achando que o gênio político foi influenciado por Che Guevara (Tavares) ou resolveu se civilizar quando chegou na Europa (Soares). E Carlos Luppi, o ministro do governo traidor, chama Brizola de “bom gaúcho”, uma espécie de “bom mineiro”, ou seja, um sujeito esperto e matreiro. É impressionante como as pessoas projetam nos outros os próprios defeitos.

Mas está tudo lá: a encampação da ITT no RGS, feito de maneira legal, a fundação do Movimento dos Sem Terra (coisa que saiu da cabeça de Brizola) a resistência democrática em 61 contra o golpe de estado, a infância dura, a juventude suada, a ascensão irresistível de quem deveria ter sido nosso presidente, e que não foi, porque a ditadura se consolidou e o maior objetivo era impedir que ele chegasse ao poder. Triste sina a do país que perdeu a soberania e que hoje lambe as feridas lembrando os grandes estadistas do Brasil soberano, aquela nação que foi assassinada.

RETORNO - Imagens de hoje: na primeira foto, Merryl Strip e Tom Cruise no filme de Redford; na segunda, cartaz do documentário que concorre em Recife.

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