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25 de maio de 2006
BRASIL DESPEDAÇADO
A tragédia do Brasil é que a mediocridade clonou o talento, o bandido assumiu o papel de legislador, a pequenez substituiu o carisma, o vazio faz pose de estadista e todas as qualidades humanas que sobreviveram emigraram, ficando o país na mais completa solidão, impregnada por um clima de funeral em ritmo de festa, de alegrias forçadas, de patriotismo de eventos. Viver se transformou numa campanha de marketing e a liberdade, esse vôo rumo às estrelas, virou uma roda-pião de frustrações e vingança. Tal qual nesse filme soberbo (mais um) de Walter Salles, Abril Despedaçado, que reporta o sol como pesadelo, a luz como redenção, o ódio como intensidade do impasse e o sair porta afora como único caminho possível para a existência real.
LUTA - Ficar e entregar-se ao conflito seria capitular. Desistir da luta e assumir uma contradição mais vasta (ser feliz sabendo que vai morrer um dia), é a maneira de encontrar a salvação. Diante do mar depois do seu gesto de transfiguração, Rodrigo Santoro (esse ator raro, que nos surpreende desde o Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky) enxerga uma possibilidade: o de se misturar ao que vê, infinidade de sonhos que fluem pelo horizonte de promessas. Na terra nua, no povoado em ruínas, no velório em chamas, nos rostos crispados, nasce o riso, fruto da fraternidade, e o amor desencadeia a chuva. E ainda teve gente que falou mal do filme, que o achou pesado e arrastado. Querem certamente aquela corridinha americana em que tudo explode atrás. Querem ação! Não sabem que a verdadeira ação está no olhar e que tudo o mais é alienação. Se te enganaram com câmaras espertas, perseguições de automóvel, cortes apressados e expressões cool, você já sabe: estão te fazendo uma cama de gato, te levando para lugar nenhum.
IMPECÁVEL - Mas experimente seguir a narrativa do Menino Pacu, interpretado pelo menino de teatro de rua Ravi Ramos Lacerda. E veja o que ele faz com um chapéu e um pano negro de luto familiar. Siga suas histórias, que inventa a partir de um livro presenteado por Clara, interpretada por Flávia Marco Antonio, que engole fogo, rodopia no ar e veio do circo. Siga o círculo do Pai, interpretado por José Dumond, que faz parte da linhagem de grandes atores brasileiros. E acompanhe a dor da Mãe, interpretada por Rita Assemany, premiada atriz de teatro da Bahia. E ria com Salustiano, o que nasceu morto, interpretado por Luiz Carlos Vasconcelos, o Drausio Varella de Carandiru, que conquistou o Brasil com sua performance circense. Abrace o cinema brasileiro, não para prestigiá-lo, mas aprender um pouco sobre a sétima arte, para se aprofundar em Brasil, para entender que a vida pode sair da percepção viciada de uma realidade que nos mata. Viaje com Walter Salles, essa bênção do cinema, essa inteligência superior, esse texto impecável, essa imagem que fica impregnada como cheiro de terra em dia de chuva. E não escute os medíocres, não se deixe enredar pelas artimanhas do nada e descubra que a emoção nos leva para outra verdade e é de lá que precisamos olhar o país despedaçado.
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