A biografia profissional mais esconde do que revela. Se a pessoa for muito jovem, não faz nenhum sentido, pois currículo é coisa para quem tem estrada. O mais grave é que os jornalistas são avaliados por gente que nada tem a ver com o jornal, os especialistas em “treinamento”. Esta palavra execrável está relacionada com os experimentos com animais e mostra o degrau a que descemos em falta de humanidade.
MARX EXPLICA - A declaração de Lula de que a capital da Namíbia nem parece ficar num país africano por ser limpa pode ser entendida à luz de Marx, que detectou o problema. O sábio alemão disse que a mentalidade dominante é a mentalidade da classe dominante. Bingo. Lula expressa não o povo que chega ao poder, mas aquela parte do povo que gruda na elite para adquirir vantagens, clona suas idéias e posturas e tenta pensar como os poderosos. Por isso foi mais longe do que FHC no sucateamento do País, enquanto se pavoneia mundo afora como se fosse o rei da cocada preta. Outra declaração sua, a de que nunca foi de esquerda, revela o quanto serviu à pseudo-esquerda, a mesma que agora faz Cooper nas mansões ministeriais e que levou uma vida para botar a mão na bufunfa. A falsa esquerda precisava de um “líder operário” para justificar suas teses da revolução “autêntica” em contraponto ao “populismo” da era trabalhista (no trabalhismo, nunca tiveram chance). Para reforçar esses alicerces de palha, mentiu sobre a História do Brasil, tentando provar que os comunistas foram os responsáveis pelos “avanços” da luta popular e que as reações da direita estavam todas voltadas contra eles. Pura besteira. As grandes manifestações de massa antes de 1930 foram desencadeadas e lideradas pelos anarquistas, já que o comunismo nasceu no Brasil nos anos 20 e desde lá nunca teve expressão significativa. Serviu apenas para justificar a repressão nos anos 60 e 70, quando irresponsavelmente partiu para a luta armada, sem ter cacife para isso. O golpe de 64 não foi contra os comunistas, foi contra a ascensão irresistível nas urnas do trabalhismo vitorioso, que tinha um presidente, João Goulart, no poder, e fatalmente iria colocar Brizola (então o deputado mais votado do País) em Brasília. O golpe foi obra de quatro governadores civis reacionários: Adhemar de Barros em São Paulo, Carlos Lacerda no Rio, Magalhães Pinto em Minas e Ildo Meneghetti no Rio Grande do Sul. Os militares aproveitaram para chegar no comando do processo e erradicar por algum tempo seus aliados civis – que foram substituídos com o tempo, fazendo com que o regime fosse um autoritarismo comandado tanto na caserna quanto nos palácios. Lembro de minha mãe, furiosa com a população de Uruguaiana que se deixou engabelar pela campanha das “mãos limpas” de um candidato a governador anódino, Ferrari, que roubou votos do trabalhismo e deu a vitória para Meneghetti. Ela reclamava do povo, que achava ser possível ascender socialmente se votasse nos ricos. “Votem na xiruzada do PTB”, aconselhava, sabiamente. Quando deram o golpe e o marechal Castello Branco começou a discursar, ela teve um surto de tristeza profunda.
LICITAÇÃO - Já entraram numa licitação para preencher cargo de jornalista? É uma experiência interessante. Nunca te escolhem, alegando que seu currículo não preencheu os requisitos. Você não é avaliado por alguém da redação, um editor, mas por um gerente de treinamento. Se você não está latindo do lado certo, não serve. Cansei de chamar pessoas sem olhar o currículo. Acho que não vale nada. Para quem tem uns cinco ou mais anos de profissão, todos os currículos se parecem: fizeram frilas em tudo que é lugar, sofreram na Gazeta Mercantil, foram explorados por empresas de comunicação muito vivas (lideradas por empregadores que fingem ser jornalistas e por isso desencam em suas colunas as leis trabalhistas, único refúgio do trabalhador despossuído) e por aí afora. Também não gosto de “olho no olho”, como me sugeriu, pouco antes de conhecê-lo, o Carlos Marcondes. Falei para ele: vamos fazer uma reunião, mas temos que nos olhar de soslaio, porque olho no olho é muita responsabilidade. Selecionei a Luciana Felix num estágio porque ela escutou o que eu tinha a perguntar e a dizer, interagiu com o entrevistador. Não tinha currículo, estava no terceiro ano da faculdade. Acabou, em pouco tempo, fazendo matéria de capa da revista que eu editava. Por isso não aturo quem desova currículos oralmente no meu ouvido. Imagino sempre uma vingança: recitar para essa pessoa todo o meu currículo, que tem partes absolutamente inverossímeis, mas verdadeiras, como o fato de ter feito horóscopo no interior de Santa Catarina enquanto fechava páginas e páginas de noticiário internacional a partir de telex em espanhol da UPI. Quem acreditaria num negócio desses?
ERRO HISTÓRICO – Para quem desconfia que aqui só defendo o trabalhismo, é bom destacar que vejo na aliança de Getúlio com Adhemar de Barros nas eleições de 1950 como um grande erro histórico. O acordo era Getúlio ser eleito em 50, o que realmente aconteceu, e apoiar Adhemar para presidente em 1955, o que gorou com o suicídio de Vargas. O pacto é típico da burrice com que o getulismo sempre tratou São Paulo, a começar por 1930, quando impediu que a oposição, encarnada pelo Partido Democrático, assumisse o poder, colocando no lugar dessa liderança legítima, que tinha apoiado a revolução, o interventor desastrado João Alberto. Hoje, quando vejo Brizola abraçando-se a tudo o que não tem nada a ver com o trabalhismo em São Paulo – como foi no passado Adhemar de Barros Filho e Airton Soares – lembro do meu amigo Marcos Faerman, um dos mais brilhantes e talentosos jornalistas do Brasil em todos o tempos, que morreu sem jamais ter entrado no PDT paulista. Faerman era brizolista roxo e nunca foi convidado. O trabalhismo, por seus equívocos em São Paulo, além de perder as eleições (como aconteceu em 1989) deixou que medrasse aqui esse monstro chamado PT, que nasceu à sombra das obras de Getúlio – basta dizer que Lula estudou no Senai, criado em 1942 no governo Vargas, e foi líder do sindicato que, segundo Brizola, existia porque Getúlio tinha colocado a polícia para garantir essa existência. Brizola tem uma vocação explícita para cercar-se de traidores, desde César Maia a Garotinho, e continua fiel aos erros de Getúlio, que nunca permitiu nascer em São Paulo grande lideranças trabalhistas (medo de dividir o poder, certamente). Já desisti da idéia de Brizola dar uma virada nisso, pois o vejo até hoje tentar ser oportunista em São Paulo, em vez de implantar um trabalho aqui de longo prazo, legítimo, convidando os autênticos trabalhistas para participar das atividades do partido. Se tivesse feito isso, há tempos já teria feito um prefeito em São Paulo, em vez de insistir em coisas como aquele ex-prefeito de Osasco que esqueci o nome e que acabou malufando. Lembrei: Francisco Rossi. Brrrr.
RETORNO – O POETA APRONTA
1. Cumprimento o poeta amigo Mario Chamie pelo prêmio que seu fundamental Horizonte de Esgrimas ganhou no concurso da Brasil Telecom e anuncio que dei por encerrado meu quarto livro de poemas, ainda sem editora. Ele responde: "Aleluia! e vivas pelo seu novo livro pronto. É isso aí: o poeta tem que aprontar, ou seja, deixar os seus livros prontos. O resto (editora, lançamento, etc.) fica por conta dos acasos providenciais que acabam acontecendo".
2. Atenção para o glossário: até hoje não consegui explicar direito para um paulista o que significa a palavra xiru. Vou tentar novamente. É simples: é a pessoa do povo, “essa gente” como dizem os responsáveis sociais, aquela parte da população que significa também “o brasileiro” (o brasileiro são os outros, nunca nós). Somos todos xirus.
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