29 de novembro de 2003

O JORNALISMO COMO ESCOLA

Se você assumir todas as tarefas do jornalismo, da pauta ao fechamento, da reportagem à edição, da coluna à primeira página, do caderno cultural ao noticiário político, da nota ao caderno especial, você está apto a colocar todo esse conhecimento não apenas nos redutos da notícia, mas em todo o espectro da comunicação. Não há melhor aprendizado, por ser completo, árduo e complicado.

UM RIO EM NOSSA VIDA – O jornalismo, como eu entendo e tive a oportunidade de me envolver, é uma formação humanista completa, pois aprofunda os princípios clássicos da convivência humana. É preciso ética, seriedade, talento e suor. É um trabalho de equipe, que depende do repasse contínuo de conhecimentos, pois a difusão do que se aprende viabiliza o trabalho e a sobrevivência de todos. Não faz sentido, portanto, uma redação dividida pela vaidade ou o oportunismo. Compartilhar é o verbo principal de um grupo de pessoas que se dedica a refletir, descobrir, prospectar e intervir na realidade. Para que ocorra a formação completa do jornalista numa redação, deve-se garantir o fluxo das funções, o rodízio de cargos, a comunhão de interesses, a admiração mútua, a crítica fundamentada, baseada em tudo o que a experiência formata não só no presente, como a herança de gerações passadas, que deixaram seu rastro de luz em inumeráveis trabalhos. Por mais complexa que seja a atividade jornalística, ela obedece a alguns vetores principais que garantem o bom funcionamento e a desenvoltura das redações. É assim em todos os setores: o rádio ainda define muita coisa na televisão e as revistas e jornais ainda seguem o que foi formatado há tempos, apesar das modernizações e mudanças. A divisão por setores do noticiário, os editoriais entre as primeiras páginas, a manchete principal, os cabeçalhos, a seção de cartas, o espaço nobre das grandes reportagens (cada vez mais raras) são definições que cruzam os tempos, significando que a herança, longe de ser uma velharia, é uma garantia da continuidade de soluções que funcionam. Por isso insisto tanto em linhagem no jornalismo, aquele rio de talento e experiência que passa pelo jornalismo ao longo do tempo e beneficia as novas gerações, que antes ou durante o desenvolvimento do seu trabalho, entram em contato com o que há de melhor do que foi feito antes deles.

SÍNTESE - É obrigação do jornalista veterano repassar o que sabe para quem está chegando. Não se deve deitar na experiência, nem vender caro suas lições. O fundamental é a transparência desse processo, para que haja recepção completa e retorno dos mais jovens. Ao mesmo tempo, o veterano acaba aprendendo muito nessa sintonia, porque a meninada sempre traz muita bagagem boa e não apenas entusiasmo ou inexperiência. Dar atenção a quem chega é também um ato de humildade: reconhecer que o sabido é um presente de quem estava ali quando chegamos, e que nunca se sabe o suficiente, já que o aprendizado é para todos, o tempo todo. No fundo, as coisas mais importantes são as mais simples, mas a simplicidade é uma síntese que demanda muita reflexão. Depurar a experiência num conjunto de claro de informações sobre o exercício profissional não deve ser motivo de exposição numa vitrina, mas um acervo exposto ao aprimoramento. A partir disso, quando mais nos aprofundamos nas tarefas jornalísticas, mais poderemos intervir em outras áreas. Numa assessoria de imprensa, por exemplo, fazer o serviço focado na informação e no atendimento ao que os leitores precisam é algo que trazemos do jornalismo. No marketing, a sobriedade do jornalismo serve de contraponto ao que a divulgação traz de superficial ou oportunista. A redação de artigos na comunicação empresarial bebe no que o trabalho dos editorialistas tem de melhor. Numa editora, a formatação de livros pode obedecer (não obrigatoriamente) ao que a criatividade desenvolvida numa redação soube ensinar. E assim por diante.

OS MESTRES - Com Mino Carta aprendi como fazer uma revista a partir do ponto zero, entre muitas outras coisas. Com Tarso de Castro, do que é capaz um caderno cultural e o que pode-se conseguir apostando em pessoas desconhecidas. Com Macedo Miranda, Filho, aprendi a editar textos de revista. Com Hélio Nascimento, o clássico crítico de cinema de Porto Alegre, a profundidade possível de se alcançar em poucas linhas de resenha. Com Wagner Carelli, a força da imaginação e das idéias próprias. Com Reginaldo Fortuna, a importância do cruzamento entre o clássico e o moderno, não só no departamento de arte, mas também na redação e na fotografia. Com Samuel Wainer, a adaptação veloz dos recursos escassos ao que se pretende transmitir. Com Cláudio Abramo, a dignidade de um diretor de redação, o poder da ética e a capacidade de um veículo impor-se pela postura do seu conteúdo. Com Múcio Borges da Fonseca, a necessidade de planejar uma edição sem abrir mão da emoção de trabalhar. Com Caco Barcellos, o despreendimento da coragem, um atributo pessoal que nele adquire uma intensidade que nem de longe podemos sonhar. Com Leonid Strelaiev, a fidelidade total ao talento a serviço da revelação – o que é nele não um ornamento, mas um princípio de vida, que leva radicalmente até o fim, coisa que também não ouso chegar perto, mas que me serve como parâmetro. De todos eles, recebi, como a praia recebe o mar. E a partir desse ponto, procuro devolver às águas da nossa profissão tudo que aprendi, só pelo prazer de ver os navios partirem novamente, em direção ao infinito.

RETORNO – Trechos do texto acima foram lidos por José Paulo Lanyi neste sábado, 29, no programa Comunique-se da allTV. Foram duas horas de conversa. Quero agradecer ao Lanyi e ao Eduardo Ribeiro pela oportunidade de apresentar minhas idéias e meu trabalho. Foi bom demais. Depois do programa fomos ao lançamento do livro de Lanyi "Quando Dorme o Vilarejo" (teatro, XXIV Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos-2002), quando tive a oportunidade de ganhar o autógrafo desse ex-morador de Itaqui e Alegrete, que na Paulicéia semeia a amizade como poucos.

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