Um jornal ou revista, ou um programa de rádio ou televisão, não deve ser escravo da corporação que representa. Um produto de comunicação é a parte mais visível da família de uma entidade ou empresa, e jamais deve ser tratado como um serviçal, um subalterno, uma lata de lixo de vaidades. O que deve predominar é o jornalismo, que define a credibilidade do veículo e serve de vitrine das ações do patrocinador, sem se entregar a alguns lugares comuns que não passam de mesquinharias do velho marketing.
A CHAVE DO ENIGMA – O marketing já está bem servido da área comercial, da publicidade, dos eventos e das relações públicas. Deve respeitar o jornalismo feito dentro de casa, que é ofício à parte, específico, e demanda grande dose de experiência (e que, na sua especificidade, está a serviço do marketing, mas sem fazer parte deste como um capacho asqueroso). Um jornalista é especializado em jornalismo, não no assunto que aborda. Quem é especializado no tema das reportagens são as fontes. O trabalho do repórter ou editor é arrancar da fonte a chave do enigma, fazer com que ela decodifique a linguagem que domina, para que possa ser veiculada para o maior número possível de públicos. Nesse território minado, o jornalista, coitado, pisa em ovos. Primeiro, porque tem sempre alguém mais entendido em comunicação do que ele, alguém que confunde alfabetização ou mesmo formação superior com capacidade profissional jornalística, o que é um equívoco. Para muita gente poderosa dentro das corporações, a presença de um jornalista – tido sempre como um analfabeto, alguém que costuma errar o que veicula – é uma ameaça ao seu status de gênio. Normalmente, um diretor ou presidente gosta de desovar sua fala exigindo que ela seja integralmente veiculada como saiu. No máximo, pedem para (argh!) “dourar” a pílula, como se o jornalista fosse passador de verniz em sapato alheio. A engenharia da linguagem é a mais terrível das especialidades, pois praticamente desmascara as linguagens corporativas e as joga para os leigos com eficácia, derrubando assim torrezinhas de marfim e colocando pseudo-biografias nos seus devidos lugares.
MISSÃO POSSÍVEL – Pode-se argumentar que essa é uma missão impossível, já que os veículos corporativos servem para colocar o presidente na capa, o diretor com cara de conteúdo tergiversando sobre alguma abobrinha de plantão e funcionários sorridentes, em grande parte das vezes preservando tartarugas e ensinando capoeira (ah, a responsabilidade social, essa moda que serve para dar esmolas às massas desprovidas de direitos, que se estivessem bem servidas, as massas, colocariam a correr todos os bem intencionados que ficam distribuindo gestos de amor em frente às câmaras). Mas o jornalista, para cravar seu trabalho, precisa ser um estrategista. O truque é fazer tudo o que pedem, para poder fazer tudo o que se deve. O importante é como fazer: o que poderia ser uma notinha pífia de oba-oba pode se transformar numa bela reportagem, com repercussão certa na grande imprensa (que faz a festa sem jamais, claro, citar os veículos corporativos, já que estes “não são jornalismo”) . Pedem para dar destaque num evento festivo? Pois esse evento também está cheio de informação, basta saber fazer. Um diretor escreve algo ilegível? Reescreva, baseado no que ele disse, e mostre o resultado. Ele vai gostar. Uma reunião da consultoria aconselhando o óbvio para assustados funcionários que morrem de medo de perder o emprego? Vá atrás do que a consultoria tem no acervo, faça uma matéria com estatísticas, perfis de comportamento etc. Aproveito para lembrar o que fazem as inúmeras emissoras de televisão corporativas, como as TV Senado, Câmara, Assembléia: ficam mostrando as figuras engravatadas falando o tempo todo. Mas que desperdício! Façam televisão! Televisão não é parlamento, é comunicação. Contribuam para democratizar a informação, lutem contra a ditadura civil.
DITADURA CIVIL – Preciso aqui reforçar o conceito de ditadura civil, que uso para encher o saco dos eternos “heróis” (os verdadeiros morreram) que “lutaram” contra a ditadura militar (para mim, um regime civil/militar autoritário). Lembro que ela foi inaugurada com a morte de Tancredo Neves, quando o presidente Figueiredo não quis passar a faixa para o ex-presidente da Arena, José Sarney, em 1985 (símbolo do novo golpe, tanto é verdade que até hoje está no poder). Mas foi implantada de fato com o Plano Real, do FHC, que é fruto do susto do País diante dos fracassos dos planos econômicos e da visível corrupção da Nova República. A ditadura civil manifesta-se na política pelo estamento (Raymundo Faoro); na economia pela gestão dos fundos de pensão (Chico de Oliveira); na ideologia pelo deslocamento das idéias em relação à realidade brasileira (Roberto Schwarz); na mídia pela concentração de poder em poucos donos e pela crise permanente, que serve para mantê-la sob jugo (Mangabeira Unger); na prática pela corrupção e pela violência; e no marketing pela cara anódina do ministro Palocci, serviçal do FMI, no “nóis-neste-país” do presidente Lula (que já cansou o mundo com sua arenga) e na postura de maquiavel de província de dois Josés, Genoíno e Dirceu. Enquanto isso (ou “mientras tanto”, como dizem os hispânicos) o ruralismo reacionário debocha com os transgênicos, José Rainha e Deolinda estão no cárcere, o coronelato e o resto da direita deita e rola, com a boca na botija, pronta para recuperar o marketing desta ditadura, que tão brilhantemente montaram a partir da apropriação da fala e da frustração da revolta popular.
Que esperavam? Que eu falasse só de jornalismo corporativo hoje? Tenham dó!
RETORNO – Ontem o Diário da Fonte completou um mês de edições ininterruptas e foi agraciado com uma súbita, embora modesta, alta das visitas. Sinal que o blog, se for tratado seriamente, pode um dia se transformar num veículo importante de comunicação, apesar de ainda sofrer preconceitos da parte, digamos, mais “nobre” da mídia. Falando nisso, é bom assistir ao Boris Casoy neste sábado, quando irá ao ar uma matéria sobre blogs, com destaque para a fotógrafa Regina Agrella, do http://www.fotoblog.blogger.com.br/
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