Nei Duclós
Espíritos sentam nas cadeiras vazias do jardim
e lançam para dentro de casa olhares limpos
noto que não se importam com o sereno
e ficam imóveis em vestes brancas de linho
algodão que cobria o açúcar nos cotonifícios
Reconheço aquela antiga tia, a avó que nunca vi
parentes remotos de mundos perdidos, brasis
varridos pela chuva e submersos nos quintais
com nomes hoje improváveis como Zaida, Tita
e aquele que recitava os Sertões para as visitas
Nada lembro de ti, ancestral da minha origem
por isso meus descendentes vão se confundir
achar que a família começou comigo
Serei uma espécie de patriarca sem prestígio
nascido entre quinquilharias urbanas e telecines
Nada daquele perfil bíblico dono de sesmarias
que apascentava populações com um só grito
mas alguém que usava calça brim coringa
e brincava de mocinho sonhando com estrelas
sem prestar atenção nas heranças de sangue
Serei como o fundador de uma nação vazia
sem História suficiente para alimentar os mitos
a não ser que eu desenterre as estátuas de vidro
que se quebraram na avalanche de avenidas
e retome as histórias narradas ao redor do fogo
Serei eu então o espírito a ocupar lugar no jardim
a lançar o olhar sem mácula para a casa do futuro
onde crianças verão uma sombra entre relâmpagos
vou contar o que vivi na fantasia, já que a vida
só teve graça quando fantasmas visitavam o menino
Nei Duclós
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