Nei Duclós
Autodidata é quando aprendemos por conta própria, sem
auxílio da educação oficial,mas prefiro ver como uma decisão da criatividade,
quando dispomos do conhecimento nos moldes que nós mesmos formatamos. De teatro
sei o básico, mas gosto de assumir o espírito ensaístico que procura entender
os assuntos por meio da invenção ou da elaboração do que flui pelo imaginário.
Acho que as redes sociais são a grande arena de teatro de hoje, com seus
personagens, roteiros, diálogos, imagens, vozes e "a contribuição milionária
de todos os erros", como dizia Oswald de Andrade. O teatro mesmo continua
firme, mas à parte do que se estabelece aqui neste espaço social onde todos são
intérpretes e autores.
Assim como o cinema, a televisão, a arte e a literatura, o
teatro também foi devorado pela grande Ágora de interação e debate que são as
redes sociais, que pela sua multiplicidade e acesso disponível para todos não
tem esse carisma tradicional das representações clássicas e por isso é esnobado
como manifestação menor. É uma grande salada em ebulição permanente, onde
confluem e muitas vezes perecem autorias, ideias, conceitos, gestos, memórias,
planos, fatos e mentiras.
Acredito (não tenho certeza) que na Grécia antiga o teatro
era um plano B, um sistema que existia à parte do grande sistema macro formado
pela política, os negócios, as guerras, os ofícios, as academias. Interagia com
o que acontecia nesses espaços, especialmente o da praça pública onde se
manifestavam as muitas camadas da população, mas não era o próprio sistema
“real”, nem apenas uma representação, embora tivesse muito de representação.
Era um universo à parte, com suas histórias, tramas, reis, assassinatos. Tudo
muito parecido com a vida real, mas existia como respiradouro social.
Não que a sociedade respirasse pelo teatro, já que ela tinha
seus próprios meios, como é o caso da guerra e da riqueza, maso teatro era a
própria respiração que os espíritos exerciam como vidas paralelas, para
desenvolver talentos, desaguar a imaginação, alcançar outros mundos. Grécia e
Roma eram sociedade altamente espiritualizadas, haja vista a quantidade de
templos em homenagem aos deuses. O conceito de pagão não cabe em civilizações
que não desprezavam os sonhos, os sinais, os augúrios, as charadas e onde o
poder físico se submetia ao poder espiritual, não na figura dos sacerdotes
poderosos,(às vezes, sim) mas na fé que
os reis tinham nesse mundo além dos limites físicos.
É um paradoxo que depois de tanta experiência religiosa nos
debatamos com o pragmatismo e a mediocridade nas redes sociais, tomadas pela
violência verbal e os gaps que dividem grupos, destroem amizades e não deixam
vir à tona o que pode haver de melhor entre nós, que é a graça e a força do
talento da criação artística. Há muita oferta, mas não hegemonia do amor e da
arte no mundo onde estamos.
As redes sociais são a oportunidade de levarmos tudo isso a
sério e contribuir com nossa esperança, estudos, experiências para que possamos
nos identificar num nível mais acima. Isso sim pode interferir na paisagem lunar
da política e dos negócios. É como se os reis antigos acabassem reproduzindo o
que tinham visto nas peças. Talvez os autores teatrais fossem os roteiristas da
realidade que não conseguiam dominar. Seria bom pensarmos nesse sentido e
colocar as mãos à obra por algo que nos transcenda e as futuras gerações
agradeçam.
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