29 de julho de 2017

ARMADILHAS DA IDEIA


Nei Duclós 

Aristóteles precisou provar que o mundo existia fora do Ser, contrariando assim os idealistas da linhagem platônica que colocavam o mundo nos limites da Ideia. Marx pretendeu ser pragmático e realista mas acabou formatando um idealismo fechado. Foi um autor radical   identificado com o Antigo Testamento, sendo o proletariado o povo escolhido, e com a tradição filosófica alemã, mitificando as sociedades pré-burguesas num mundo de equilíbrio social rompido pelo capitalismo, impondo a luta de classes como paradigma de uma História que se pretendia científica e era apenas ideológica.

A esquerda do Brasil ainda se pauta pelos ditames do Manifesto Comunista de 1848, e as versões de Engels da obra de Marx, que destacam o conflito burguesia x proletariado como o perfil definitivo de um mundo que mudou profundamente desde o século 19. Alguns bolsões da esquerda (com defecções no tucanato, que compartilha a mesma origem na universidade pública e na militância clandestina) foram temperados pelas intervenções filosóficas de Lenin e a atualização retrógrada do marxismo primitivo feita por Gramsci. Mas passaram ao largo da desmistificação do marxismo, que ficou a cargo de vários autores na segunda metade do século passado.

Esse atraso da esquerda reflete o atraso dos adversários, que também estão encerrados num mundo ideal, o do neo-liberalismo ou do capitalismo primitivo, duas soluções sagradas para o Brasil sem soberania (a falta de soberania identifica as preferências de ambos os lados, um sendo entreguista do Ocidente na Guerra Fria, outro da Asia na Globalização). A criminalização das ideias opostoa levam ao conflito, não de classes, mas de interesses dependentes do butim, o dinheiro público do pega quem puder.

Esquerda e direita são assim prisioneiras do idealismo, deixando a cargo da população o pragmatismo da luta pela sobrevivência, uma realidade que prescinde de posições ideológicas ou paradigmas filosóficos.   A criminalidade, a miséria, o sucateamento dos serviços públicos, a corrupção endêmica confinam a cidadania às portas fechadas, mas devassadas por milícias e assaltantes, enquanto a politicalha se deblatera na superestrutura (pendurada nos orçamentos suspeitos) como se a mentira tivesse a força da realidade e a solução para os males da nação dependesse apenas dos habitantes considerados apáticos e pusilânimes e que atualmente participam de uma fuga em massa do país.

Falo isso escudado no brilhante livro do professor Orlando Tambosi, O declínio do marxismo e a herança hegeliana – Lucio Colleti e o debate italiano (1945-1991), publicado pela editora da Ufsc em 1999, título que passou ao largo da comunidade acadêmica, que tem mais o que fazer.   Voltarei a este livro em posts futuros. Não sei se entendi direito a complexa trama filosófica do livro, mas algo ficou da explanação minuciosa, elogiada pelo próprio Colletti, que diz não haver nem na Italia um estudo dessa envergadura. Ou seja, o professor está isento das minhas observações, já que sou um aprendiz e um leigo, procurando palmilhar um pouco o universo do meu filho filósofo, Miguel Lobato Duclós, que se foi em 2015 deixando vasto acervo como legado, em textos e livros.


 RETORNO - Acesse o blog de Tambosi    http://otambosi.blogspot.com.br/2006/04/uma-crtica-marxista.html

2 comentários:

  1. Caro Nei, você fez uma interpretação livre de alguns tópicos do livro, tratando de alguns conceitos que não abordo ("neo-liberalismo", globalização etc.).
    Agradeço a leitura do livro que, em alguns pontos, é mesmo difícil, pois versado na, digamos, técnica filosófica.

    Lamento muitíssimo a perda do seu filho, que gostava de filosofia, algo raro hoje em dia.

    Grande abraço.

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    1. Obrigado por seu comentário, professor. E por entender que tomei liberdades que não fazem parte do livro. Mas seu estudo profundo e detalhado é um estimulo ao pensamento livre. Mas prometo me concentrar mais nas técnicas filosóficas, para ficar mais próximo da filosofia.

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