Nei Duclós
Aristóteles precisou provar que o mundo existia fora do Ser,
contrariando assim os idealistas da linhagem platônica que colocavam o mundo
nos limites da Ideia. Marx pretendeu ser pragmático e realista mas acabou
formatando um idealismo fechado. Foi um autor radical identificado
com o Antigo Testamento, sendo o proletariado o povo escolhido, e com a
tradição filosófica alemã, mitificando as sociedades pré-burguesas num mundo de
equilíbrio social rompido pelo capitalismo, impondo a
luta de classes como paradigma de uma História que se pretendia científica e
era apenas ideológica.
A esquerda do Brasil ainda se pauta pelos ditames do
Manifesto Comunista de 1848, e as versões de Engels da obra de Marx, que
destacam o conflito burguesia x proletariado como o perfil definitivo de um
mundo que mudou profundamente desde o século 19. Alguns bolsões da esquerda
(com defecções no tucanato, que compartilha a mesma origem na universidade
pública e na militância clandestina) foram temperados pelas intervenções
filosóficas de Lenin e a atualização retrógrada do marxismo primitivo feita por
Gramsci. Mas passaram ao largo da desmistificação do marxismo, que ficou a
cargo de vários autores na segunda metade do século passado.
Esse atraso da esquerda reflete o atraso dos adversários,
que também estão encerrados num mundo ideal, o do neo-liberalismo ou do
capitalismo primitivo, duas soluções sagradas para o Brasil sem soberania (a
falta de soberania identifica as preferências de ambos os lados, um sendo
entreguista do Ocidente na Guerra Fria, outro da Asia na Globalização). A
criminalização das ideias opostoa levam ao conflito, não de classes, mas de interesses
dependentes do butim, o dinheiro público do pega quem puder.
Esquerda e direita são assim prisioneiras do idealismo,
deixando a cargo da população o pragmatismo da luta pela sobrevivência, uma
realidade que prescinde de posições ideológicas ou paradigmas filosóficos. A
criminalidade, a miséria, o sucateamento dos serviços públicos, a corrupção
endêmica confinam a cidadania às portas fechadas, mas devassadas por milícias e
assaltantes, enquanto a politicalha se deblatera na superestrutura (pendurada
nos orçamentos suspeitos) como se a mentira tivesse a força da realidade e a
solução para os males da nação dependesse apenas dos habitantes considerados
apáticos e pusilânimes e que atualmente participam de uma fuga em massa do país.
Falo isso escudado no brilhante livro do professor Orlando
Tambosi, O declínio do marxismo e a herança hegeliana – Lucio Colleti e o
debate italiano (1945-1991), publicado pela editora da Ufsc em 1999, título que
passou ao largo da comunidade acadêmica, que tem mais o que fazer. Voltarei
a este livro em posts futuros. Não sei se entendi direito a complexa trama
filosófica do livro, mas algo ficou da explanação minuciosa, elogiada pelo
próprio Colletti, que diz não haver nem na Italia um estudo dessa envergadura. Ou
seja, o professor está isento das minhas observações, já que sou um aprendiz e
um leigo, procurando palmilhar um pouco o universo do meu filho filósofo,
Miguel Lobato Duclós, que se foi em 2015 deixando vasto acervo como legado, em
textos e livros.
RETORNO - Acesse o blog de Tambosi
http://otambosi.blogspot.com.br/2006/04/uma-crtica-marxista.html
Caro Nei, você fez uma interpretação livre de alguns tópicos do livro, tratando de alguns conceitos que não abordo ("neo-liberalismo", globalização etc.).
ResponderExcluirAgradeço a leitura do livro que, em alguns pontos, é mesmo difícil, pois versado na, digamos, técnica filosófica.
Lamento muitíssimo a perda do seu filho, que gostava de filosofia, algo raro hoje em dia.
Grande abraço.
Obrigado por seu comentário, professor. E por entender que tomei liberdades que não fazem parte do livro. Mas seu estudo profundo e detalhado é um estimulo ao pensamento livre. Mas prometo me concentrar mais nas técnicas filosóficas, para ficar mais próximo da filosofia.
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