Nei Duclós
Estudei os reis condecorados da História
havia sangue nos uniformes da coragem
e bandeiras aos trapos sendo celebradas
Folhei páginas onde troavam os canhões
das batalhas reproduzidas em cores épicas
e as espadas tiniam nas provas finais
tínhamos orgulho da saga que nos excluía
A nós eram reservados os reis folclóricos
imperadores que empreendiam a fuga
e cruzavam o mar corridos pela pólvora
e sentavam no trono mais ignóbil
que ao puxar a espada viravam piada
e não mereciam a admiração mais tênue
pois em tudo conseguiram fazer errado
Não sabíamos que dentro de casa tínhamos
heróis anônimos de inúmeras guerras
as que nunca foram estudadas no colégio
e ignoradas pelo tempo afora, como se fossem
uma espécie de doença contagiosa
Assim ficamos à parte da linhagem secular
das lutas do país feito a fogo e ferro
Sorte que tínhamos os serões na noite alta
o que já era uma transgressão pois a infância
devia por lei deitar cedo. Era como se nós
estivéssemos no acampamento de campanha
com aquele cheiro pesado de lona do exército
tapeando os mosquitos e ficando em claro
agarrados aos fuzis atentos ao inimigo
Pai e tio contavam os causos do tiroteio
abrindo os braços em arco e fazendo caras
de profunda sobriedade, expressões duras
dos meninos que
foram cruzando as terras
enfrentando as
madrugadas perigosas
vendo os
companheiros tombarem
em gestos que
jamais saíram da memória
Assim eram os
bravos da nossa nação
usavam chinelos
depois que tudo passou
olhavam para o rio
e lembravam a refrega
e tentavam nos
assustar com as palavras
Foi isso que
aprendi dos narradores do pampa
os homens que o
Brasil esqueceu para sempre
e que dormem o sono
justo da eternidade
RETORNO - Imagem desta edição: meu pai, à direita, de bigode, deitado, ao lado da criança, em 1930.
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