Nei Duclós
O
encarregado de selecionar originais numa editora e prepará-los para agradar o
público é diferente dos outros homens casados que ficam solteiros no verão
novaiorquino. Ele conta com a imaginação, não precisa exercer sua liberdade
conjugal virando a noite jogando pôquer ou conquistando alguma beldade da hora.
Ele tem conjugada a seu apartamento a Marilyn Monroe. Ela cai no seu colo, mas
sua cabeça está dividida entre a sorte e o remorso, entre inocência e culpa,
entre oportunidade e compromisso, entre servidão e liberdade.
Ele tenta
transformar num roteiro de esplendor e glória o script que a realidade lhe
oferece – a mais bela mulher do mundo muito a fim de ficar com ele no
apartamento climatizado, e que prefere homens casados a vorazes solteirões. Mas
sua atitude é uma comédia, pois ao mesmo tempo em que é atraído pelo abismo do
desejo, equilibra-se na fidelidade precária de uma vida rotineira, que abriu
uma brecha inverossímel. Seu affair não consumado é como a capa apelativa de um
livro sério, sua especialidade profissional. Distorce o conteúdo em função das
vendas, perverte o texto imaginando o título e o desenho. Ele sonha o que não
tem coragem de exercer. Tapa a realidade com uma ilusão.
O homem
casado e provisoriamente solteiro (interpretado por Tom Ewell) tenta entender
sua situação como se fosse um padrão da psiquiatria enganadora, que detecta a
instabilidade conjugal no sétimo ano de casamento, o que provoca uma coceira de
desejos. Uma medicina que torna qualquer caso interessante desde que se cobre
50 dólares a hora, uma fortuna em 1955, data em que foi lançado este filme, The
Seven Year Itch (A Coceira do Sétimo Ano, que no Brasil se chama O Pecado Mora
ao Lado), do gênio Billy Wilder. Tenta dividir sua angústia – a infidelidade
conjugal oportunista e calhorda, uma
traição à família que passa férias na praia – com o patrão, o médico, o
síndico. Mas ao tentar consertar a imagem de um homem íntegro, acaba se
afundando na contradição de ter uma loura no quarto enquanto recebe visitas que
poderão desmascarar o escândalo.
As cenas que
imagina com a mulheraça são a fina flor da ironia de Wilder em relação aos
clichês sexuais do cinema, em que garanhões cantam beldades sentando ao piano e
atacando alguma canção inesquecível. A mulher tornada vaporosa no sonho no
fundo é uma doce e ingênua deliciosa que não tem nenhuma culpa e encarna a
liberdade que o cara de meia idade persegue sem conseguir encontrar.
Marilyn,
esplendorosa, tinha 29 anos na época e faz papel de uma mulher de 22, uma
performance que lhe custou o casamento com Joe DiMaggio. Ele tem quase 50 e diz
no filme que está com 38 anos. São dois universos que não se tocam. O seco e
pervertido pai de família que nega querer traçar a vizinha porque tem medo do
escândalo, e a modelo que atrai multidões com suas performances. É desse filme
o momento maravilhoso em que sua saia sobe ate o pescoço graças ao vento
provocado pelo metrô.
Mas a cena
mais encantadora da história do cinema é sem dúvida Tom Ewell e Marilyn Monroe
tocando o bife. Ali a Sétima Arte chegou ao auge do encantamento. O bife se
sobrepondo a Rachmaninoff. A alegria
superando a tensão. A liberdade salvando o espírito confinado em celas sociais.
Num mundo em que o anúncio de pasta de dente da mulher gloriosa atrai mais plateia
do que em toda a carreira de Sarah Bernhardt. O cinema fazendo comédia sobre si
mesmo. A beleza da mulher se sintonizando com a sensibilidade masculina,
repartida entre o prazer e o pânico.
Há inúmeros
insinuações hilárias sobre o drama desta comédia. A garrafa de leite como
metáfora do atraso masculino que não toma a iniciativa. O dedão do pé ou da mão
sugado por uma torneira ou uma garrafa de champanha, impedindo o desdobramento
do assédio. Em época de muitas censuras, o cinema dava um jeito para contar a
história com todas as letras. Ou com todas as imagens permitidas e de duplo
sentido, que driblavam o olho mau dos inimigos da Sétima Arte.
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