Nei Duclós
Entrei no mar. O horizonte dava nos joelhos.
Chuva é rio que volta às origens.
Ventou o dia todo. Nuvens pesadas, um pouco de frio, árvores
se retorcendo. O inverno mandou um telegrama.
Tão lisa que escorrega para o mar. A areia bruta não
consegue segurar. Tem vocação de sereia de escama e sal. Doçura de um amargo
mel.
O amor esclarece. Vemos tudo o que a razão esquece.
Conseguimos nos reconhecer pelas palavras que dispomos em
rede para coragem e sonho. Solidários
espontâneos, sem pose.
Leve para o trabalho o sonho que te alimenta. Ele parece
desconfortável, mas se adapta e cresce, contaminando o mundo.
Não somos vitrines, somos solidão inconformada, pássaros que
se anunciam depois de longa travessia pelo mar adentro.
Expomos o que somos, escassos além da conta, em humano
esforço de reconhecimento.
Todos te fazem carinho, porque reinas no Olimpo. Só eu
conheço a trilha para teu mel e vinho.
A natureza é limitada em eventos para os versos. Vulcões
extintos, tufões, outonos. Preciso prestar atenção no desmaiar das pétalas, as
que se depositam em teu colo.
Nenhum truque da palavra vai contornar esse abismo. Nenhuma
flor medrará batida pelo vento.
Agora nem podes mais
implicar porque está vedado o verso para ti. Pior para nós, que escolhemos ser
desumanos.
Para isso compartilhamos tanta coisa por anos. Para acabar
por uma besteira sem identificação.
Éramos incompatíveis, como navegar na internet e ao mesmo
tempo cozinhar sem queimar a comida.
- Você sabe tudo, disseram.
- Só o mecanismo do que está dito e escrito, disse o poeta.
Leio o código e decifro. Só que isso não serve para nada. Há sempre uma nova
charada renascendo das ruínas.
- De onde você tira os poemas? perguntaram.
- Eu quebro o DNA das palavras, disse o poeta.
- Esse eu já tenho, disse ela.
Poema é como figurinha repetida.
Autores ainda querem "transgredir", um conceito
centenário. A transgressão virou cânone. É um carrossel: a vanguarda acaba na
rabeira.
RETORNO - Imagem desta edição: foto de Vicente Jorge Silva.
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