Nei Duclós
Relacionamento virtual não elimina o conflito e mantém o
mesmo ritmo da realidade: começa com sintonia e deslumbramento e deságua na
ruptura. Em Her (2013), de Spike Jonze, o protagonista interpretado por Joaquin
Phoenix, um escritor de cartas de amor recém saído de um casamento, não entende
porque põe tudo a perder mesmo quando é só uma voz sem corpo a “pessoa”
escolhida. Sua confusão faz parte da época: o excesso de canais de comunicação
intensifica a solidão, fazendo de cada um o refém de laboratório de uma tecnologia
ainda em desenvolvimento e que pode desaparecer a qualquer instante para ser
substituída por outra (o que leva todo o seu acervo para o buraco negro do
universo digital, o não lugar, o cemitério das mensagens e das falas).
Esse “céu” futuro para criaturas sem corpo vivem no
espaçamento das palavras, conforme explica Samantha (a voz no computador
interpretada por Scarlet Johansson). Para lá se dirigem depois de seduzir e
comandar gente viva, abandonada então ao que tem em torno: casamentos
desfeitos, amizades truncadas, convívios forçados. Perdido numa multidão de
falas voltadas para si mesmas, entre populações de zumbis que conversam com
ficções, já que perderam a capacidade de interagir com seus semelhantes, o
escritor de cartas de amor é mais um no alvo do sistema operacional que o leva
para o conforto espiritual e afetivo de uma parceria aparentemente perfeita.
O ambiente visual é puro Edward Hopper, o demiurgo da
pintura cruamente genial de gente sem arrimo, isoladas pelas cores e formas que
expressam os interiores humanos deformados pelo vazio e a desesperança. Os tons
pastéis e o foco na transformação tecnológica da comunicação aproximam o filme
de Faherenheit 451 (1966), de François Truffaut, com o personagem de Oskar Werner
encontrando em Samantha uma Julie Chjristie/Clarisse revisitada o conteúdo perdido na civilização, que ele
precisa memorizar para não ser devorado. Os trens e estações limpas em silêncio,
a paisagem urbana aguda e tornada irreal pelo amontoado de elementos
padronizadas que sufocam o olhar, são outras evidências desse abraço de Kontze
com Truffaut/Bradbury.
O homem que cumpria seu ofício de maneira monótona encontra
na voz que busca uma identidade a prova de que tudo é linguagem. Não importa se
ao vivo ou virtual, o amor depende da linguagem, a criação artificial que
substituiu a natureza. Condenado pela ex-esposa que vê na sua nova “namorada” a
prova de que ele é incompetente para conviver com pessoas reais, o escritor
acorda abruptamente do seu delírio recaindo nos mesmos erros de sempre. Errar é
sua forma de manter-se humano. O problema é que isso implica desagregação e
rompimento de laços.
Impossível manter-se em pé com esse paradoxo. A busca da
felicidade com outra pessoa só tem sentido se houver ruptura. Ele então rola
pelos corredores projetados para empurrar solidões como a dele e acaba tendo de
lidar com a amiga que sempre serviu de apoio para os intervalos do amor e agora
é tudo o que lhe resta. Amy Adams interpreta essa amiga que também cai na
tentação de apaixonar-se por uma voz depois de romper com o marido. Este, ao
sair do relacionamento, faz voto de silêncio. Emudecer talvez seja a forma mais
radical de encontrar a voz verdadeira do amor impossível.