19 de novembro de 2013

GOSTO DE LUZ



Nei Duclós

Diga o que sente, não o que sente vontade.

Pus o copo embaixo do relógio digital para me servir de uma porção de tempo. Tinha gosto de luz.

Sou o brilho amarelo do sol na nuvem que sonha em te alcançar, lua de dia.

É feito de mel o lento desmaiar da tarde sobre si mesma, assim como tua lembrança que se espalha pela pele.

Sempre que te vejo, te amo. Os olhos lembram o coração que sente.

 Fechaste a porta do poema? disse ela antes de dormir. Sim, respondi. Mas deixei a janela aberta.

A saída para os engarrafamentos é a porta do seu carro. Abra e saia.

Intensificas o que dizes com desnecessária poesia. Perdeste o rumo com as quinquilharias. Produtos de brilho, mas tristes. Retome o passo seguro do poema que soa ao redor como um arrulho.

O que fazer com o resto de amor que se mantém vivo? Alimentá-lo com visitas à paisagem do teu rosto? Ou desvestir-se, como as cascas abandonadas nas mutações de outono?

É difícil notar a diferença, eu sei. Parece igual, mas o que fomos não gerava o vazio que agora domina.

Te atiras em alguém parecido. Mas não é a mesma poesia. Atente para a sonoridade mais limpa que inventamos com nosso grude anímico.

Já não estou mais contigo. Digo, comigo.

Não te aconselho mais, desisti. Peguei um trem para o infinito, lá onde moramos uma vez e agora é uma estação de corações partidos.

Não se deite com qualquer palavra. Podes acordar com os restos de um ruído.

Tento ler, não consigo. Livros deveriam ler e não ser lidos. Forraríamos as estantes, pacientes e mudos. Obras célebres e sóbrias nos folhariam


 RETORNO -  Imagem desta edição: foto de Marga Cendón.