Nei Duclós
Diga o que sente, não o que sente
vontade.
Pus o copo embaixo do relógio
digital para me servir de uma porção de tempo. Tinha gosto de luz.
Sou o brilho amarelo do sol na nuvem
que sonha em te alcançar, lua de dia.
É feito de mel o lento desmaiar da
tarde sobre si mesma, assim como tua lembrança que se espalha pela pele.
Sempre que te vejo, te amo. Os olhos
lembram o coração que sente.
Fechaste a porta do poema? disse ela antes de
dormir. Sim, respondi. Mas deixei a janela aberta.
A saída para os engarrafamentos é a
porta do seu carro. Abra e saia.
Intensificas o que dizes com
desnecessária poesia. Perdeste o rumo com as quinquilharias. Produtos de
brilho, mas tristes. Retome o passo seguro do poema que soa ao redor como um
arrulho.
O que fazer com o resto de amor que
se mantém vivo? Alimentá-lo com visitas à paisagem do teu rosto? Ou
desvestir-se, como as cascas abandonadas nas mutações de outono?
É difícil notar a diferença, eu sei.
Parece igual, mas o que fomos não gerava o vazio que agora domina.
Te atiras em alguém parecido. Mas
não é a mesma poesia. Atente para a sonoridade mais limpa que inventamos com
nosso grude anímico.
Já não estou mais contigo. Digo,
comigo.
Não te aconselho mais, desisti.
Peguei um trem para o infinito, lá onde moramos uma vez e agora é uma estação
de corações partidos.
Não se deite com qualquer palavra.
Podes acordar com os restos de um ruído.
Tento ler, não consigo. Livros
deveriam ler e não ser lidos. Forraríamos as estantes, pacientes e mudos. Obras
célebres e sóbrias nos folhariam
RETORNO - Imagem desta edição: foto de Marga Cendón.