29 de fevereiro de 2012

RUY ALTENFELDER: O TEXTO E A AÇÃO


Nei Duclós

A cultura corporativa, nicho do pragmatismo, é um foco gerador de pensamento mergulhado na realidade, já que obedece a estratégias internas e externas de curto, médio e longo prazo. Quem ocupa o topo da cadeia empreendedora é a indústria, parâmetro e origem das outras atividades como comércio e serviços. Produzir é fundamentalmente criar atividades remuneradas para que o mecanismo social funcione e haja rodízio de renda, alimentadora das necessidades básicas humanas. Nessa espiral está situado o trabalho exemplar de Ruy Martins Altenfelder Silva, um pensador full time e um homem de ação, já que participa de inúmeras entidades que movimentam esse volume de idéias que fazem parte do Brasil contemporâneo.

No seu mais recente livro, Repensando o Brasil: Ética para Todos (Pax e Spes, 178 pgs., com prefácio de Ives Gandra Martins), Dr. Ruy contribui, dentro da unidade dos princípios que regem as nações, com a diversidade das propostas que devem orientar o país neste momento de transformações. Pois o discurso sobre a ética está na boca de todos, mas é mais rara sua sintonia fina: como ela funciona, como pode impregnar o tecido social, como vai refazer o esgarçamento provocado pelas rupturas, como vai contribuir para o aperfeiçoamento da atividade política, como vai acompanhar o ritmo de mudanças radicais do mundo nos negócios somando-se aos benefícios, lucros, distribuição de recursos etc.?

É disso que o Dr. Ruy cuida em sua atividade permanente tanto nos eventos que costuma implantar, atraindo as maiores cabeças do país para o debate, quando na sua atividade de escritor, por meio de artigos publicados desde 2004 (com destaque para os mais recentes) nos principais veículos do país, como Estadão e Correio Braziliense. Podemos ver nos seus textos como a eficiência e e a ousadia pautadas pela ética promovem a prosperidade, dentro dos desafios e recursos do nosso tempo, sendo necessário somar nessa tarefa o sistema educacional, a estrutura jurídica, o mundo do trabalho, a cidadania, a burocracia etc.

É importante que nossa elite empresarial continue participando dessa atividade secular fundamental que é repensar sempre o Brasil, nossa charada favorita.Pois não basta os scholars, os políticos, os juristas, os diplomatas se manifestarem, é preciso que os empresários e suas lideranças continuem vindo a campo para poder equilibrar essa grande massa crítica que se forma no convívio nacional. Ruy Altenfelder, por sua decana atividade nesse ramo, é uma das mentes mais atuantes, que honram o núcleo humano ao qual pertence.

Atualmente Presidente Voluntário do Conselho de Administração do CIEE/SP e do Conselho Diretor do CIEE Nacional (Centro de Integração Empresa-Escola) , Ruy Altenfelder, por vários anos, foi diretor geral do Instituto Roberto Simonsen, quando tive o privilégio de conhecê-lo na época em que fiz parte dos quadros de comunicação do sistema Fiesp/Ciesp.

Tanto nas conversas em seu gabinete quando nos eventos patrocinados pelo Instituto, aprendi muito sobre o Brasil e suas atividades econômicas. Convivi com uma variada gama de opiniões e propostas e ajudei a pesquisar sobre o que estava acontecendo no mundo corporativo e quais as soluções que os especialistas apontavam ou estavam elaborando. Acumulei importante acervo crítico, graças ao convívio com a inteligência e a liderança que o parque industrial e suas entidades geram e atraem em sua missão.

O VIVER E O VERBO


Nei Duclós

O que pega é a palavra impregnada do dia. Não a notícia, ou a rotina. Mas a relação entre o viver e o verbo, entre emoção, criação e lógica

Mídia quer intermediar percepção e jogo bruto da vida. Não consegue, é fake. Livros trafegam em outra esfera.Sobra a frase certeira, úmida

Quem quer distância sai da reta

Midia social perdeu a graça. Vamos voltar ao mimeógrafo.

Já sabemos o que você pensa. Agora dá licença.

Tudo o que falo tem uma âncora que não encontra o fundo. Jogo no mar para ver se estabilizo o barco, mas encontro só o infinito

Dei uma palestra para as algas. Elas se retorceram todas.

Perdi o rumo do tema. Fui encontrá-lo olhando para o horizonte, meio alheio.

O evento foi um fracasso. O dia lá fora estava lindo.

O vazio vem da falta de sintonia entre palavra e poder na sobrevivência. Desconfiamos da fala dos outros, perdemos o encanto da diferença

A facilidade de acesso proporcionada pela internet é diretemente proporcional à dificuldade de acesso. Basta a vontade do interlocutor

O que o senhor faz para viver? perguntou o promotor. Trabalho com hipóteses, disse o delegado.

Podemos assistir o Apocalipse? perguntaram os anjos. Só para assinantes, disse o Senhor.

Não me force a escrever qualquer coisa. Nem ache que me engana manipulando minha vontade

Mas eu tenho lugar reservado no Paraíso! reclamou a alma recém chegada. Não está incluído no pacote, disse o encarregado.

Aristocracia cultural, que bebe na classe social mas não se confina a ela, é um racismo up-to-date, metido a correto e excludente


RETORNO – Imagem desta edição: coreografia de Pina Bausch, do filme de Wim Wenders.

28 de fevereiro de 2012

SOBERBA


Nei Duclós

Não confunda amor com desperdício
nem compartilhe vocação com vício
não me diga o que devo ter vivido
não leia pelo avesso o que é escrito

És um dia de verão sonhando a ilha
deixe o abraço evitar os ferimentos
não me faça dizer o que é explícito
desconfie quando a dor faz o deserto

Não é difícil, basta ver o que acontece
quando emerge o melhor do teu acervo
Coração que se expressa pelo beijo

A delícia é a recompensa contra o erro
Não adote o tropeço em coisas fúteis
quando a soberba gera o compromisso



RETORNO – Imagem desta edição: Amy Hanson por Alvaro Beamud Cortes.

GOTAS


Nei Duclós

Não fiquei preso às raízes e ao barro, falando sobre nadas. Levantei as nações da poesia com um berro, que se desfez em gotas de um perfume raro.

Quando falarem em poesia, escute os chocalhos dos vendedores ambulantes de conchas raras. É um código. Eles fazem isso para conversar com meu espírito.

Nunca li nada seu, disse o antologista. É que não existo, respondi. Nasci em outro lugar e outro tempo. Só o amor tomou conhecimento.

Depois perguntarão: que fizeste? Joguei o poema para o céu e ele se multiplicou em milhões de estrelas, direi.

Não tenho mais o que fazer, a não ser mexer no pão da palavra do próximo amanhecer.

Agora esqueçam, o corpo voltou ao rumo. Remo em direção ao sopro divino que alimenta os deuses

Aquele corpo de seda me puxou para a cama e disse agora chega. Venha contar seus versos para a madrugada, irmã da primavera.

Não era minha vez de chorar, meus mestres. Mas as mulheres assim o quiseram, porque me fazia mal: era demais o sonho represado no olhar.

Tão pertinha que sinto o respirar sobre o vidro.

O poema fica no coração de quem ama.

Ela foi atrás de si mesma. Acabou me encontrando, no plantão eterno à espera do seu beijo.


Poesia é como época de colheita. Só fazendo festa para bater parte do estoque. Não há sede para tanta obra.

Vi meu poema na garupa de alguém e mandei um exército resgatá-lo. Ninguém abandona a aldeia sem o brasão marcado na pele.

Levantei velas em direção ao destino: teus olhos.

São alguns versos que sobraram. Tive preguiça de guardá-los.

Se fosses feita de areia, eu, mar, te levaria.

Exatamente meia noite. Ficaste invisível. Talvez seja a roupa. Onde puseste?


RETORNO – Imagem desta edição: Monica Vitti.

FASE


Nei Duclós

Fomos morar longe. Lá onde fabricam o horizonte.

É só uma fase. Ainda seremos Lua Cheia.

Quem poderá dizer que não estamos encantados? Há uma fogueira em teu rosto.

Teu olhar se incendiou quando entrei na sala. Todas as outras luzes se apagaram.

Dançamos uma valsa. A orquestra estava a cem quilômetros de distância.

Como me suportas, como me aguentas? perguntei a horas tantas. Gosto quando cantas, ela me disse.

Subiste na carruagem. Teu vestido tomou conta da paisagem.

Deixaste uma pista. O fiapo vermelho do teu vestido.

Te convidei para ir ao cinema. Estava fechado. Então pedi para imitar uma comédia romântica.

Puxei teus cabelos, conforme pediste. Custo a soltar porque acabei gemendo por mais tempo.

O sol pediu um poema. Retribuiu com a luz dourada sobre o oceano.

Já é hora, disse a Crescente. Recolha-se. Excesso de Lua te deixa grogue.

Levamos o sonho para passear. Que trote, que garbo

Siga meu rastro. Sou o que pisa de lado.

Alguém me expulsa. Teu coração se parte.

Você me entende. Eu falo a língua das cigarras.

Gostei de ver-te. Acho volto amanhã nesta vitrine de loja.

Me deste um beijo. Achei que era uma tempestade.

Agora é partir para outra, não tem conserto. Procuro o túnel do tempo.

Amei tua volta. Agora posso dispensar o vazio das tardes

Perdi de novo. Foste embora como um trem que parte antes da hora.

Sonhei na viagem. Quando acordei estavas ao meu lado.

Pisei no barro. É que me distraí te procurando nos terraços

Te vi por alto. Eu estava consertando a asa.

Pesei a palavra. Dez toneladas sem tua carta.

Dobrei a esquina. Estendi um choro até a praça

Não vieste. Ficou um buraco no universo

Depois perguntam: de onde vem isso tudo? Abro os braços, desolado. Por que é tão dificil entender? Aponto você, que está por toda parte.

Agora te aperto pela cintura. Não reclame.Avisei que hoje eu ficaria zonzo.



RETORNO – Imagem desta edição: Forgotten Horizon, de Salvador Dali.

27 de fevereiro de 2012

A MÃO E O MEDO


Nei Duclós

Dias de tensão, dias de erro
a confusão e o medo
trocando posição
e distribuindo senhas
de guerra e de prisão

Dias em que teu movimento
enfrenta a barra da surpresa
de um inimigo
que por princípio, vence

A confusão e o medo
trocando posição
e distribuindo prêmios
(balas de canhão,
sombras, dinheiro)


RETORNO - 1. Poema do meu livro No Meio da Rua, 1979. 2. Imagem desta edição: cena de Metrópolis, de Fritz Lang.

SANGA


Nei Duclós

Coloco o amor preto no branco
arpão de letra em papel de escama
chumbo na bucha de pólvora seca
gatilho torto na curva de uma roupa

Não imponha o coração na corrente
não me coloque entre marionetes
me desarmei ao te pedir de joelhos
mas ainda sei como viver liberto

Fique atenta ao meu jeito meio rude
que aprendi com mestres da fronteira
gaudérios do pampa, soldados num açude

É a maneira que temos de sobrevivência
guardamos os fuzis no leito de uma sanga
entregamos o sonho no colo de uma deusa


RETORNO – Imagem desta edição: Gisele Bündchen.

ENCAIXE


Nei Duclós

Toda madrugada é a mesma coisa. Colho frases pela metade para ver se encaixam em flores de poucas pétalas.

Estavas toda, ao meu lado. Olhávamos para a Lua pintada no teto. Posso ser tua noite? me perguntaste.

Não adianta te falar de tanto. És imune ao meu olhar de espanto. Não sentes minha vontade rouca. Queres o que, absorta?

Amanhecemos a céu aberto. Quem destampou o forro que nos cobriu há tempos?

Tudo cansa, por que só a poesia deveria pagar o mico de ser o excesso a ser evitado? Quem sabe escolhem o lixo industrial para a implicância.

Fui levar tua bagagem para o sítio. Coloquei num lugar à parte, para que possas organizar à tua maneira. Enquanto isso, farei um chá de muitas ervas para que descanses. Fiz pão e antes que trabalhes duro te ponho na cama.

As palavras que cuidas também são tuas crianças. Olhas para ver se estão bem e depois voltas ao sonho.

Estar sozinho contigo, meu vício. Estar a mil sem ruído, minha vida.

Quietude, palavra composta de lagoa e Lua. Silêncio, ordem interna de almas gêmeas.

Estou chegando, disse ela, despertando a estrela Dalva.

Queria fazer um poema que fosse uma canção, que pudesses lembrar a melodia no aeroporto, no dia em que eu voltasse para ti.

Emudeces por compromisso. Deverias falar pelo prazer.

Deus não manda mensagens. Esqueceu a senha.

O bom de ser ignorado hoje é que você fica livre de homenagens e jamais vai aborrecer alguém na posteridade.

Sabe aquela admiração sem freios, obsessiva? Desconfie. A pessoa quer ser você, ou seja, substituí-lo. Melhor a indiferença e até mesmo a implicância. Ou então a admiração legítima, de reconhecimento do trabalho alheio, que é mais rara.

Amor, só com embalagem. Assim cru não tem chance. À primeira vista, então, manda prender. Não se pode confiar numa criatura selvagem.

O verão insiste. Todos já desistiram. O carnaval foi no século passado. As rotinas voltaram. Todos olham com desconfiança esses dias cheios de gaivotas e cheiro de maresia na lembrança de corpos estendidos.

Eu fico esperando. Sou solidário com o dia, que não tem companhia. Ele providencia tudo, mas fica escutando o latido dos cachorros.

Vai começar o dia. Finja que não é contigo. Passe o batom longe de mim. E saia para as reuniões, tratante

Não podes acumular funções, de amante e confidente. Ficas com a segunda opção, delirante.

Depois não me venha com segredos. Tudo o que se esconde tem um propósito. Aquele.

Falei o que estava querendo. Ouvi que estavas fugindo. Fiquei no que estava fazendo. Adiei o que pensei à toa. Escutaste um ruído, pele arisca?

Cansamos dos mistérios e queremos uma taça de café mal rompe o dia. Ao nosso lado, no balcão, um casal de anjos.

Morar é escolher um lugar para não ser nada.

Queria fazer um poema que fosse uma canção, que pudesses lembrar a melodia no aeroporto, no dia em que eu voltasse para ti.


RETORNO – Imagem desta edição: Jennifer Morrison.

25 de fevereiro de 2012

PLANTA


Nei Duclós

Sou tumbleweed, aquele resto de planta que rola pelo vento do deserto e sopras incessantemente até os confins do mundo.

Mulher custa a agitar as águas interiores. Não a deixe no alto da onda, senão terás que agüentar a ressaca de seu desejo sem chão .

As palavras fazem o que querem comigo, e não o contrário.

Não inventei nada. Tudo é criação das musas que nos deixam perdidos só com um jeito oblíquo de segurar o cabelo.

Nada prestava nela. Principalmente seu jeito de segurar o celular. Implicava com isso. Queria morrer quando ela sacudia a mão livre enquanto apertava o aparelho no ouvido com a outra. Dizia para mim: pára com isso, lindíssima!

Desististe depois de tantas palavras ditas. Quem sou eu para sonhar com a volta?

Tenho uma entrega para fazer: meu coração embrulhado para presente. Não quer saber o que tem dentro?

Em que você está pensando? disse ela. Adivinha, disse ele.

Não agrupe indivíduos em sua percepção. Não veja outro quando olha um e vice versa. Os alvos podem não gostar.

De que falas? pergunta o vento. Dos amores que não alcanço, explico. É minha especialidade, disse ele. Sopro na janela dela, em vão, há séculos.

O amor é feito de pequenas implicâncias. Vê se deixa umas unhas do pé sem pintar, para que caibam meus beijos.

Quero ver agora que estamos de frente. Quero ver, e não apenas com os olhos.

É como no circo, quando caímos juntos com a trapezista. Como nas sessões espíritas, quando incorporamos criaturas do Outro lado para acariciar um sonho. Assim é o toque do poema.

Isso não leva a nada, ela me disse. Por que então chove antes da chuva?perguntei.

Sou só o sujeito da entrega. Não sei ler, disse o Alfabeto.

O amor acabou, junto com a tarde. Olhar tua foto é como um crepúsculo.

A noite virá repetir seus sortilégios. Sussurros conhecidos. Promessas de outras vidas. Cansei de ficar a sós com a multidão de estrelas.

Enquanto não derrubarem todos os ninhos não descansarão. Por isso cortam as árvores e passam trator no chão. Os pássaros são a representação de um Deus interior proibido de sobreviver.


RETORNO – Imagem desta edição: Angie Dicksinson.

VEXAME


Nei Duclós

Não quero que voltes, nunca foste embora
apenas que soltes as feras dos motivos
não podes ferir-me de morte no ostracismo
quando há ainda corpo e coração na roda

Esse mal entendido que assinas com a canhota
me baniu para sempre do reino antes da hora
Não posso me ausentar sem completar o gesto
que guardo para o momento xis da história

Eu ainda não havia cedido à dose de tragédia
que contamina todo amor no jugo inglório
Havia espaço para o vexame, mas fui colhido

Quero outra chance, para poder perder-te
e aí sim embarcar para o meu exílio
Não permitas que, expulso, eu não te ame


RETORNO – Imagem desta edição: Julie Christie.

PLUMA


Nei Duclós

Ela me pegou no pulo. Acho que foi o andar. Um jeito de jogar tudo para um lado, sem ser um requebro. É mais que um charme, é uma decisão do corpo que me caça.

O pé que sobra, do outro lado desse jogo que envolve algo mais do que a cintura, mal toca no chão, pois é feito de pluma. Ela roça o ar rarefeito da minha gávea.

As pernas não se ocupam do resto, não fazem parte do conjunto. Tem vida própria e balançam o vestido sem alarde. Tudo o mais que é dela caminha baixando a guarda. Finge que se resguarda, como se fosse possível, com aquela glória.

Todo dia a mesma hora. Uma boca quase sem batom, parece. Maçãs salientes de um rosto antológico. Nada em especial, claro. Não chama atenção, a beldade. A não ser a minha, grogue.

Mas eu não reparto o que me mata. Passo lotado, sento de costas. E espero que suma, a fantástica.

Costumam ver a beleza se houver destaque. Sair na foto, publicidade. Se for tela ou palco. Jamais quando passa por um átimo e nos derruba virando a cara.

Pior que não há como chegar, nem mesmo comentando o tempo. É inacessível, a que está ao lado. Você aposta: pronto, foi embora. Tenta se recompor, mas é tarde. Foste fisgado, pandorga.

De que falas? pergunta o vento. Dos amores que não alcanço, explico. É minha especialidade, disse ele. Sopro na janela dela, em vão, há séculos.

Sua blusa escassa, sua saia sóbria e curta, tudo nela é de uma prudente beleza, daquelas que te pegam sem querer e depois perguntam, inocentes, o motivo de tanta paixão.

Não sei para que tanto esforço se é para ser devorada, disse ele, cansado de esperar o fim da sessão de maquiagem. Essa é a idéia, disse ela, batendo a porta na cara.

É compulsório o encontro, pois temos compromissos que se cruzam. Tentei até mudar de corredor. Mas debruçada na grande janela de vidro,lá estava ela, sendo refletida como miragem no outro lado da cidade.

Que me adianta mudar de país se verei sempre seu andar de garça, seu respirar de fêmea, oculta em seus modelos beges, a jogar lances mudos sobre os ombros de escultura clássica?

Quando me dei conta, estava me olhando, a danada. E eu sonhando acordado, estava cego para o próximo xeque mate.

Assim fica difícil, malvada. Levo tiro antes de sacar a arma.

De repente, por força de sua presença, fui a nocaute. Acordei no paraíso, sendo sacudido. Era ela.

Noto o esforço que ela faz para chamar a atenção de um sujeito indiferente. Por que ocupo o último lugar da fila? Talvez pelo meu corpo de barro, rosto de pedras, olhar bizarro.

Fiquei sentado com meu embrulho de pássaros no colo. Ela olhava o horizonte, onde eu não me situava. Tentei assobiar, mas um avião rumo ao Nepal passou na mesma hora.

Ela acorda e vai direto ao poema. Lá encontra meu impulso e bebe sem que eu veja. Mostre o arrepio de teu braço, tonta de tanta beleza.

Você acha cedo? Pergunte ao sol quanto tempo esperou para inventar este dia. Pergunte à nuvem quanto demorou para dar o passeio. Cedo é você, estupenda.

Quando venho aqui já estou impregnado do teu beijo. Nasço toda vez que acordas. Sou teu jarro de flor, que regas de olhos quase adormecidos.

Passaste batom com firmeza, de uma cor imperceptível. Isso te deu um ar de mistério. Sabia que estavas diferente, mas achei que era outra coisa e elogiei o cabelo, que não cortas há séculos.

Bem mulherzinha, disse ela, fazendo chover. E eu acredito? Sim.


RETORNO – Imagem desta edição: Marisa Tomei.

24 de fevereiro de 2012

TINTIN: UMA ANTOLOGIA DO CINEMA


Nei Duclós

Para justificar o título, vou citar as cenas de filmes clássicos incluídas em As Aventuras de Tintin (2011), de Steven Spielberg, para ninguém achar que é exagero. O pequeno avião que tenta bater nas pessoas, de Intriga Internacional de Hitchcock, a dupla de aventureiros do deserto que chega na cidade do oriente à beira mar, de Lawrence da Arabia, a perseguição por cima dos telhados do amigo seqüestrado, de O garoto, de Chaplin, a busca de algo precioso no mercado de pulgas, como em Charada, de Stanley Donen, as lutas de capa e espada protagonizadas desde Douglas Fairbanks até Stewart Granger, a alucinada corrida atrás dos facínoras de Em Busca da Arca Perdida , do próprio Spielberg, a busca do tesouro por meio de uma charada decifrada pelo palimpsesto (o texto oculto no pergaminho que só se revela no fogo), de tantos filmes baseados no conto famoso de Edgard Alan Poe, o Crime da Rua Morgue. Está de bom tamanho? Falta o principal.

Spielberg nasceu em 1948 e portanto posso dizer, já que faço parte exatamente da mesma geração, como é que se manifestava nossa paixão pelo cinema. Primeiro, era uma obrigação. Mas não vai jogar futebol? perguntavam escandalizados. Não, eu respondia, eu TENHO que ir ao cinema. E cinema era domingo, pois o resto da semana era dedicado aos estudos. Qual o cardápio? Começavam às dez da manhã com desenhos de Tom e Jerry e faroestes de Roy Rogers, Gene Autry e Rocky Lane. À tarde, era a vez de um filme de aventura, pirata normalmente, e uma comédia, quase obrigatoriamente uma chanchada brasileira, mas havia também muito Gordo e Magro, Fernandel (comediante francês), Cantinflas, etc. Era uma sessão dupla, muito valorizada.

Às quatro da tarde vinha o filé da programação, os grandes faroestes, com John Wayne, Victor Macture, Henry Fonda. Havia também os de guerra e os épicos bíblicos de Cecil B de Mille, mas isso era mais para a sessão das seis, que também freqüentávamos, e a das oito, só dos adultos. Mas o que quero destacar é um detalhe importante na sessão do início da tarde, às 13 horas, quando, ante dos filmes, passavam os seriados. Sim, seriados de ficção e aventura, de Capitão Marvel entre outros. Cada domingo havia um episódio, que durava meia hora, e acabava com grande perigo para o mocinho, salvo na sessão da semana seguinte. Pois bem, Tintin é a soma de toda essa programação. É seriado (promete continuação), é pirata, aventura, ação, comédia, desenho etc.

Qual a diferença entre essa soma/síntese da Sétima Arte costurada num trabalho primoroso de animação, dos outros, que tentam ser encantadores com foco na História do cinema e que não funcionam, como acontece com Hugo, de Scorsese? É porque em Spielberg o amor pelo cinema é legítimo e está fundado em quilômetros de sessões e não na cerebração apenas. Gostamos dos filmes e pensamos conforme o nosso gosto. Não há defasagem entre amor e raciocínio, muito menos mistificação. Nós, a turma do Spielberg, que podemos incluir todos nossos camaradas da fronteira enlouquecidos por cinema, não fomos essencialmente "especialistas". Tomamos conhecimento da vanguarda e de grandes outros clássicos. Mas éramos apenas onívoros. Gostávamos de tudo. Nossa mitologia é mais ampla.

E tudo é o que é Tintin, visto por Spielberg, inclusive desenho. No início do filme, há um toque magistral de metalinguagem: um desenhista pinta na praça um rosto do Tintin do filme e o que aparece no quadro? O personagem desenhado de Hergé. Acho que captei a sua essência diz o pintor. Genial. O “verdadeiro” Tintin é o que vemos na animação (pelo menos essa é a versão de Spielberg). Que, por sua vez, é representado pelo outro Tintin, o que nós conhecemos das histórias em quadrinhos. Todos sabem que o “verdadeiro” Tintin é esse desenhado e não o que existe na animação. Mas quem pode com o cinema, a arte sempre voltada para si mesma?

Se gostei? Ainda pergunta? Saltei da cadeira, cara. Fui em busca do tesouro de Hackham o Terrível e lutei junto com o capitão Haddock. Vibrei com Milu e o repórter que faz coleções de antigas máquinas de escrever em seu apartamento. O repórter que todos sonham ser, que vive suas aventuras. No fundo, o repórter é o criador que segue as pegadas do seu genial personagem. Nesse rastro seguimos decifrando pergaminhos, nós os loucos por cinema. Por isso digo: Spielberg sabe o que faz, acerta sempre. É o que temos de melhor.


RETORNO - Imagem desta edição: Tintin e o capitão Haddock numa cena que se refere à clássica situação de Intriga Internacional, de Hitchcock.

NAUFRÁGIO


Nei Duclós

Nosso amor é um naufrágio romântico que às vezes vem á tona, deixando à mostra a gávea onde passamos os melhores momentos olhando a majestade das estrelas.

Já ia indo embora, mas tão linda me acenaste. Tropecei no verso, como um desastrado. Mas guardo o teu olhar, a minha sorte.

Releve meu impulso, sou misturado como os ventos da tarde. Às vezes estou na praia, às vezes estou em Marte.

Fomos passear naquela tarde, depois do teu desabafo. Foi quando uma porção de ti se abriu para meu laço. Assumi um ar de pretendente sem chance. Mas me salvaste rindo de mim, fogosa.

Só você ouviu o murmúrio dos meus passos, quando me aproximei da janela misturado às estrelas.

Rodearam teu vestido e falaram todas as bobagens. Mas teu rosto impassível dizia que eu estava atrasado. Quando cheguei, teu ar era de surra.

Fugimos da festa esquecendo os sapatos. Fomos saltimbancos em em direção ao sonho. Acordamos abraçados, flagrados na manhã clara depois de nos perder na noite.

Estavas bonita demais no baile. Dois reis ficaram de olho espichado. Mas teu rosto aberto me filmou o tempo todo, anunciando que íamos para uma valsa.

Recompus você peça por peça. O melhor foram os cabelos, que desenhei com as mãos exaustas, depois de ter caprichado em cada curva do teu amor sem volta.

Já foste minha, agora é tarde. Perdemos o referencial da solitária.

Era teu sonho roçando a pele. Mas confundiste com meu toque. Foi assim que fiquei mais perto do que uma peça de roupa.

Quando digo que te beijo é porque é verdade. Sente nos lábios? Sou eu, caprichosa.

O que farias com os tesouros que eles exibem? Melhor ficar comigo, jogando baralho surrado e um copo honesto de vinho. É simples: o amor vence no território livre e sem pose.

O trote do tempo bate ferros em calçadas irregulares de séculos passados. Estávamos em alguma aventura quando registramos esse som em nossa memória.

A carruagem da meia noite passou e nem dei bola. Estava ocupado lendo teus lábios.


RETORNO – Imagem desta edição: Brigitte Bardot.

AFRONTA


Nei Duclós

O tempo trouxe essa perfeita afronta
que é tua beleza de frente, a fronte,
a face, o olho, o queixo, sobrancelha
fora da maquiagem ou dom das lentes

É uma força que vem do miolo, interiores
de águas ferventes, gozo de outros sítios
que emerge como erva beijando a pedra
impressionando pela delicadeza e espanto

Não haverá superação , mesmo querendo
mesmo que a inveja tente com olho grande
sempre ficarei a postos a te abraçar inteira

És a completa obra de deuses em acordo
que num concílio acertaram enfim o cânone
Tu, e mais ninguém, inspiração do gênero


RETORNO – Imagem desta edição: Keira Knightley.

23 de fevereiro de 2012

DIÁLOGO GRAMÁTICO


Nei Duclós

Olha aqui, Dois Pontos: não argumente comigo, disse o Ponto de Exclamação.

Penetra uma vírgula! disse o Ponto. Eu tenho crachá!

O U não saiu no desfile. Foi proibido de usar sua fantasia favorita, o trema.

Quis dizer outra coisa, disse o Entre Aspas.

Descemos no Ponto Final. Voltamos no Primeiro Parágrafo.

Faça bastante perguntas, disse o açougueiro para o ajudante. Aí põe todas essas carnes nos ganchos.

O segredo dos caras é que eles colocaram o Til fazendo pressão. Aumenta tudo.

Temos que mostrar nosso Diferencial, disse o Acento.

Estou em dúvida, disse o Ponto e Vírgula.

Não ultrapasse o travessão, disse a barra.


RETORNO - Imagem desta edição: tirei daqui.

FÁBULA


Nei Duclós

Pousaste perto de mim de asa quebrada. Te tratei com óleos do Oriente. Voltaste a voar, mas prejudicada. A toda hora cais no meu colo, ardente.

Pergunto de onde vieste e dizes do continente. Mas de qual deserto, ciranda? Quem te abateu e de onde tanto fôlego até chegar à minha varanda?

Curada, voas em círculos sobre minha cabeça. Perdeste o norte, tua cabana. Agora sou eu o teto que toca o íntimo do teu amor que sonha.

Acordas num sobressalto com dor nas costas. Faço massagem, prudente. Adormeces de novo, só de manha.

Não sei o que faço com tantas penas. És filha de um anjo, minha verbena. Varro o que sobra de tuas rezas, quando sobes na nuvem para que eu te veja.

Precisas viajar com teu vôo avesso. Preparo tua mala, com alguns ungüentos. E um caderno de folhas brancas, só de poemas.

Custas a sair, porque és confusa. A toda hora escutas o relógio, o ritmo do teu seio. Está muito acelerado, me dizes. Preciso me acalmar, me dê um beijo.

Enfim alçaste vôo na tarde amena. És agora um ponto no horizonte. Fazes par com a Lua, que com sua presença em pleno dia te homenageia. Eu sabia, és feiticeira.

Recebi tua carta, pomba correio. Estás na pátria, onde nasceste. Queres voltar, mas não te deixam. Pois és rainha de um vasto reino.

Respondo que posso te visitar um dia, quando a caravana dos beduínos passar por acaso. O difícil é cruzar o mar oceano com meu pequeno barco.

Ontem enfim ganhei meu ultimato. Ou parto definitivamente para teu trono ou virás com teus exércitos. Mandaste até quebrar as asas de todos eles para que eu possa reconhecer-te.

Deixo meu sítio e minha montanha. Solto os peixes e entrego as chaves para os pássaros. Vou buscá-la, prometo, decisivo. Para isso derroto todos os abutres e os narcisos .

Essa fábula inventei, quando estava solto. Hoje vivo com meu amor num lugar ermo. Ela tem a fronte de princesa. E uma asa que consertei com meu desejo.

Foi uma longa viagem, mas deu tudo certo. Venci todos os laços que a prendiam. Ela me trouxe nos braços, rindo. E caímos embolados num lençol sereno.


RETORNO – Imagem desta edição: Romy Schneider, a Imperatriz.

SCORSESE E A SEGUNDA MORTE DO CINEMA


Nei Duclós

Desprovido de imaginação, Martin Scorsese se notabilizou por filmes apelativos e violentos, conhecidos por todos. Cavou uma grande margem entre sua obra e sua ambição, pois sempre quis ser o maior cineasta do seu tempo. Como jamais vai ser, inventou uma história do cinema em que ele é o receptor, o herdeiro. Inventou seus predecessores, como disse uma vez Borges dos escritores e colocou-se como estuário do gênio da Sétima Arte.

Como não sabe nem dirigir atores – chegou a desperdiçar Matt Damon depois de inventar o canastrão Robert de Niro – seu passivo ficou explícito demais quando fez um balanço e notou que não tinha criado nada “encantador”. Sua boa biografia de Howard Hughes com Leonardo de Caprio não é suficiente diante da avalanche de coisas ruins que fez. Por isso resolveu dirigir A Invenção de Hugo Cabret (2011), uma falsa história sobre a origem da ficção no cinema, encarnada na vida do cineasta George Mèlies, mágico e relojoeiro.


Como o sujeito desastrado que resolve desmontar o mecanismo para saber o que tem dentro e como funciona, Scorsese filma as entranhas das máquinas que deslumbram as pessoas, como os brinquedos, os relógios ou os robôs. Baseado no livro de Brian Selznick, usou exatamente o mesmo mote do filme Tão Forte e Tão Perto, também de 2011, por sua vez ancorado em livro de Jonathan Safran Foer, sobre o garoto que perde o pai e tenta decifrar a mensagem deixada como herança por meio de uma charada – a busca de uma chave perdida que faria funcionar um robô. Não sei quem fez antes, mas o mote é idêntico,apesar dos filmes diferentes, mais um sinal de que existe falta de idéias originais hoje em Hollywood.

O fato é que Scorsese nos aborrece com o longo dramalhão de um órfão chupado das histórias de Dickens que resgata a glória do cineasta caído em desgraça. É de uma simplicidade rastaqüera. A malvada I Guerra acabou com a magia dos primeiros anos heróicos do cinema, já que o público queria então “realidade”. Nada mais falso, pois o cinema se notabilizou na imaginação exatamente quando o pau comeu no mundo. Mas Scorsese faz tudo à sua maneira, falsa.

Os pobres atores mirins, o casal Asa Butterfield e Chloë Grace Moretz, fazem uma performance asmática, pois é com a respiração truncada que eles demonstram emoção, certamente orientados pelo diretor, que não é do ramo. Vemos então sorrisos fora de ordem, suspiros profundos, olhares significativos de teatro amador, entre outras barbaridades. Como o chamado Marty (para os íntimos) não consegue acabar com tudo, salva-se Ben Kingsley, no papel de Mèlies, e Sacha Baron Cohen, no de Inspetor da estação de trem, mas eles não salvam o filme, que naufraga.

Feito sob encomenda para celebrar a si mesmo, sob o álibi que está homenageado a Sétima Arte, Scorsese em Hugo Cabret preenche as necessidades de lugar comum da Academia e foi indicado para inúmeros Oscar. Não vale nenhum. O robô que desenha a Lua atingida por um bólido, como no filme de Mèlies que sobreviveu, faz parte de uma obviedade metafórica de fazer dó. O órfão foge se dependurando no relógio da Torre como Harold Lloyd, na manjada cena de todos os balanços da história do cinema. O contraponto entre livros e filmes exposto como algo empolgante, quando não passa de lugar comum. O desencanto do velho cineasta com a malvadeza do mundo, ele que era tão mágico e ilusionista. Ora...

A homenagem final ao artista que tinha sido dado como morto na I Guerra imita a do filme Chaplin de Richard Attenborough. É o mesmo clímax, a mesma cena, com as mesmas expressões. Marty não tem vergonha de chupar, pois é desprovido de emoções. Sabe que existem e procura gerá-las, mas não consegue. Seu alcance é de um jab do touro indomável ou um surto do motorista de Taxi Driver, ou um clima mal copiado de Coppola de Os Bons Companheiros.

Gosto de desancar Scorsese porque ele é o grão sacerdote de uma religião, a de eternizar o presente e ficar a cavaleiro do passado, como se este tivesse existido só para alimentar o ego dos falsários de hoje. É possível que leve um monte estatuetas. Não deveria, tem concorrentes que o deixam no chinelo. O cinema foi assassinado a primeira vez com o macartismo e hoje com os desvirtuadores de sua história. Mas ele ressuscita sempre que um cineasta de primeiro time consegue fazer um filme.

RETORNO – Imagem desta edição: Asa Butterfield e Chloë Grace Moretz em cena de Hugo.

22 de fevereiro de 2012

PRINCESA


Nei Duclós

Fiquei à toa quando vi tua foto
achei que tudo é perda de tempo
de que vale a Lua diante do teu rosto
para que viver se és o meu remorso?

Que importa os encantos de um soneto
ele é incapaz de te trazer à força
Jamais serei o nobre cavaleiro
e tu a noiva que roubo numa guerra

Navego preso ao destino bruto
passo ao largo do esplendor da costa
onde brilha teu palácio de promessas

Levo no alforje a imagem que machuca
tu, bela entre todas, amargor confuso
Poderias ser minha, a única princesa


RETORNO – Imagem desta edição: Marilyn Monroe.

O DIÁFANO E O HILÁRIO


Nei Duclós

Dois contos extraordinários dão sequência à leitura do livro Obras Primas do Conto Russo, da Martins Editora, que tenho comentado aqui: A Mãe de Branco, de Sologue, e O Mártir da Moda, de Kuprin. Ele abrem o leque da nossa percepção não apenas em relação à literatura russa, que a vemos sempre ligada aos grandes dramas épicos ou à denúncia das mesquinharias cotidianas, ao enfrentamento do clima áspero ou a dura vida nos desertos e na infindável miséria. Eles também nos levam pela mão para os inumeráveis recursos da narrativa, que podem nos transportar para mundos imaginados que nos pareciam exclusivos de nossa mente, mas também, descobrimos abrindo o livro, fazem parte de outros povos; e de realidades próximas que identificam tradicionais assombrações com nações e tempos remotos.

Sologue é um artista da palavra impregnada por aquele clima romântico atraído para a morte e a névoa, tão caro aos nossos poetas como Cruz e Souza ou Álvares de Azevedo. Tamara, o amor impossível, diáfana , quase transparente, é a sedução do celibatário que não suporta gente e festas de fim de ano. Ele prefere mergulhar no seu sonho, lembrando a jovem que namorou rapidamente, antes que fosse acometida por mal súbito e morresse, deixando nosso solteirão abandonado para sempre.

Parece coisa típica do século 19 ou início dos anos 20, mas vemos como a morbidez amorosa atrai multidões até hoje, com vampiros galantes, fantasmas sedutores e alienígenas cheios de charme. Tudo é soma na cultura, não existe mais essa fila analógica de tendências, tudo é simultâneo, contemporâneo. Não há superações. Há, claro, a experiência adquirida, mas a abordagem das várias artes é onívora, ou seja, gosta de tudo. Podemos ser árcades, românticos, radicais, revolucionários. Ou hilários, como o conto de Kuprin sobre o marido muito gordo e rico que, por amor à bela esposa, fica pagando inúmeros micos para acompanhar as modas das artes.

Lá vemos o pobre marido vestindo casacos futuristas, tentando sentar em cadeiras absurdas (como as de “design” hoje, feitas para exposições e não para serem usadas) e querendo o divórcio porque não agüentava mais fazer papel de ridículo diante dos seus amigos e parceiros de negócios. As modinhas que obrigaram nosso amigo a tomar essa decisão, depois que caiu de barriga no chão num lotado espaço de patinação, continuam em vigor, de várias formas. Vi isso muitas vezes. Gente fazendo pose, notando detalhes da tua roupa, fingindo que são vanguarda mas continuam presos a velhos hábitos. No fundo, não mudamos nunca. Somos como esses personagens tão magistralmente retratados pelos mestres russos, que nos encantam com o poder de suas palavras.

Gosto desses temas aparentemente bizarros mas que tem tudo a ver conosco. Tanto as assombrações quanto o humor de situações humanas. Precisamos rir de nós mesmos para que o mundo não se acabe de vez em barbárie. E imaginar outros mundos, para que possamos conviver com o mistério. Esqueci de dizer: o celibatário acaba adotando um órfão, obedecendo assim a sugestão do seu fantasma amoroso. Grandes russos.


RETORNO - 1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: obra de John O´Brien.

CHARME


Nei Duclós

Dorme teu corpo que é puro charme, entregue à noite o que me deslumbra.

Estava quieta em seu conflito, o de ser mulher num mundo bruto, quando despertou-lhe a pétala que se desprendeu do seu suspiro.

Quem te entende, criatura sem conserto, a não ser o sonho, esse intermediário da glória?

Ficou tarde demais para o poema, que pegou no sono em teu colo.

Resta a longa expectativa do teu beijo, que esperei por um tempo, mas que afinal veio.

Pensavas que eu iria embora sem te dizer o que nos sustenta, coração sem medo?

Mas para isso existo, não para o poema, mas para o prazer que sentes ao me ver por perto.

Quero que saibas que jamais desisto. Faço parte de uma corte insolúvel, a do amor e seus jardins suspensos.

Por isso ando meio estranho, como a sentir desconforto no mundo avesso. É o sentimento me dando rasteira. Você acha graça, meu desassossego.

Se soubesses como és bonita, não terias essas crises de desespero. Bastaria ouvir os pássaros brigando por ti, maravilha.

Sim, eu exagero. Quero levar daqui o que sobra em nós, magnífica.

Estava perdido antes de sentir teu cheiro, meu norte e meu mistério.

Agora tira o que nos divide, essa armadura de momentos tristes, e deixa eu atingir o que nos renova, tua fonte de puro açúcar.

Estavam todas reunidas em seus assentos, lençóis de linho, cálices de vento, quando então cheguei com a palavra que arrepia a pele.

O poema é pretensioso, acha que arrebenta. Mas é apenas espuma diante de ti, portento.

Um beijo de boa noite, disse o anjo. Fiquei com gosto de estrelas, disse ela.


RETORNO – Imagem desta edição: Rita Hayworth.

GARY OLDMAN COMO ESPIÃO: O ATOR QUE SABE DEMAIS


Nei Duclós

Cinema é para ser visto, não analisado. É como um documento de fonte primária: você vê apenas o que está colocado ali para poder saber o que ele registra de fato. No fundo, não existe conteúdo em nenhum lugar, apenas linguagem. Vamos pegar esse admirável filme Tinker Tailor Soldier spy (O Espião que Sabia Demais, diz o título brasileiro, que sabe de menos), dirigido por Tomas Alfredson e com roteiro de Bridget O'Connor e Peter Straughan, baseado em novela de John Le Carré, de 1974.

Gary Oldman, o espião militante com talento para a costura e a funilaria, como sugere o título original, que também é uma referência aos códigos de tratamento entre os profissionais da informação, compõe o design imutável de rosto, corpo, postura e roupas que é uma síntese de todas as suas emoções, expectativas, determinações e surpresas. Como ele faz isso?

Costumo dizer que não existe reconstituição de época e sim a disposição do cenário em função da narrativa. O filme é uma composição de elementos analógicos num mundo impensável hoje, sem a interferência radical da digitalização. Procurar o nome do agente duplo infiltrado num agência ultra secreta britânica pesquisando arquivos de papel em armários de metal, gravando conversas naquelas fitas gigantescas por meio de estenógrafas diligentes parece ser um surto de imaginação de um mundo morto. Mas ele funcionava assim e não faz muito tempo. Deixou inúmeras pistas, seguidas pelo filme.

Gary Oldman, meu atual candidato ao Oscar de melhor ator 2012, está bem cercado do que há de melhor: o veterano genial John Hurt, que recentemente detonou em Melancolia, de Lars Von Trier, quando fez o ex-marido cercado de amantes gordinhas, todas com o mesmo nome, e que neste assume a cadeira de chefe dos espiões; Colin Firth, que sempre está bem mesmo num filme errado como O Discurso do Rei, agora num papel decisivo ; Toby Jones , que fez um Truman Capote magnífico mas foi sufocado pelo outro Capote do oscarizado Phillipe Seymor Hoffmann, e que aqui faz um asqueroso burocrata da espionagem com rabo preso; e o jovem ator Benedict Cumberbatch que interpreta um calado e convincente Peter Guillam, o braço direito de Smiley, o espião aposentado que volta à cena para decifrar o mistério.

Smiley é, claro, Oldman. Como ele faz isso? Começa com as linhas do rosto, sempre as mesmas. Não são apenas rugas, são roteiros definidos de uma soma de expressões, mascaradas numa só. Com essa persona ele enfrenta seus inimigos com a frieza de um expert, a sabedoria de um paciente caçador, o tirocínio de um veterano. Ele encara, desconfia, sofre, se surpreende, ameaça, vence, ironiza, tudo com essas linhas do rosto que compôs uma vez só e chega. Trata-se de um trabalho de gênio, não da maquiagem, mas da concentração, matéria prima da interpretação. Ao redor desse rosto, como moldura, o cabelo aprumado para jamais sair do lugar. Essa imobilidade capilar representa a forma imutável do investigador sem coração.

Mas tem mais. Ele usa sempre o mesmo tipo de terno e gravata, o mesmo capote, o clássico gabardine, a pasta de couro, o andar com um tranco meio sonso. Seu andar faz parte da paisagem, é um dos elementos dessa disposição do cenário a que me referi acima. Quando tira a roupa para andar um pouco no clube, ele mantém à tona a rotina dos óculos muito largos, que amplia seu olhar de coruja nos interlocutores que aos poucos se desarmam e se apavoram. Smiley é o âncora da história que se apresenta complicada, mas que no fundo é simples, trata-se de um corte na idiotia humana cacifada pelas potências.

O filme foi acusado de confuso porque espicaça a preguiça de ver. Precisamos abrir os olhos para o cinema e não esperar entretenimento ou qualquer outra baboseira. É Arte, não brincadeira. Os atores se matam para mostrar o que sabem. O espectador precisa estar à altura desses monstros (os que encarnam os personagens, como Oldman) ou cavaleiros (os que conduzem o personagem pela mão, como Colin Firth). Mantenha a postura na cadeira. Cinema não é para passar o tempo.

21 de fevereiro de 2012

VESTIDO


Nei Duclós

Que os deuses do amor e da alegria te cerquem de doçura nesta manhã. Que o prazer seja tua companhia e lembres de mim quando os ventos travessos levantarem teu vestido.

Você estava toda lisinha no seu vestido fino, com as curvas emoldurando a paisagem. O desfecho foi um beijo suave e molhado antes que a noite viesse nos dizer obrigado.

Não acredito na minha sorte. Deverias estar encantando as estrelas mas preferes dividir comigo algo mais prosaico, um lençol, um chuveiro.

Quando o silêncio tem perfume, que exala naturalmente, é porque alguém se apaixonou e não quer dar bandeira. Acha que engana.

Perguntam porque insistimos nisso. Não sentem o mel escorrendo? Parece que não sei.

É só um convite. Não tira pedaço. Apareça.

Fiz a ronda nos canteiros. As flores dormiam, mas de um jeito diferente. Algumas pétalas respiravam sonhos. Eras tu, comigo.

Bem, já disse o que não devia. Agora parto num navio que sai agora. Mande mensagens. Eu pego na volta do apocalipse.

Te fazem sofrer porque são aliens, vieram de planetas de mosaico. Ninguém pode abalar uma rainha. Volte para a terra, magnífica.

Fica pertinha que assim acostumo. Teu corpo de deusa como um paraíso

Esquece o cara, cansei de ser teu confidente. Vou te contar um segredo: quero você para mim. Vê se abre uma brecha.

A poesia seca e considerada, com trocadilhos extremos, muito estudada, sonha em ser poema em teu colo, fada.

Agora que ninguém está vendo, invente uma rima. Preciso de música. Vinda de ti, musa.

Os ventos correm como potros soltos pelo mar, levantando espuma e areia. A calmaria é quando mergulham em busca das sereias.

Agradeça quem lhe faz feliz.

Ela não suporta xaveco, prefere temas mais contundentes, como achar meus poemas uma porcaria. Eu tento acertar, submisso. Tudo pode a realeza feminina.

Guarde suas críticas. Nem tudo é poesia. Fique tranqüilo. Mais da metade é só viagem na alegoria. Desfile de paixões sem brilho. Esperanças.

Elogio ofende. Seja duro. Diga que aquilo não presta. Se ela perguntar por que, desconverse. Jogue a charada no ar, depois roube um beijo.

Certo, não vamos debater o que expressamos de mais frágil. Não teria graça. Preferimos ficar em roda, trocando versos. É a nossa força.

Mirei no alvo mas parece que atirei a esmo. E sou bom de pontaria. É que tinha muita gente.




RETORNO - Imagem desta edição: Liv Tyler.

CIGANA


Nei Duclós

Não adiamos o dia, assim como o poema
que de si próprio não se distancia
o tempo matura a multidão vazia
no terreno entre a dor e a semeadura

Não deixamos para ontem a conjura
amor amarrado à polidez dos lírios
não há sentido quando a voz tardia
define o verso em raso pedregulho

Contraímos a dívida de um amor seguro
Acumulando sons do céu em rodízio
mesmo que até os deuses desconfiem

Varra o caminho com seu único vestido
com esse andar de cigana e profecia
que eu não compareço, nômade no escuro


RETORNO – Imagem desta edição: obra de Pablo Picasso.

ENTREGA


Nei Duclós


Diga sim para mim. Estou exausto do não.

A estrela do mar deitada na praia é a representação perfeita da tua entrega, que ainda não aconteceu. Esperas que eu chegue na maré cheia.

Alguém tirou meus sapatos no escuro. Não vi quem era. Só me dei conta na manhã seguinte. Tinhas voltado, invisível.

O laço da tua perna na minha, teu cheiro no meu ombro, o lábio todo solto,a respiração doce: quem disse que dormimos? No céu tudo é sonho.

É só fantasia, disse o coração partido. É tudo o que eu tenho, respondeu o espírito.

Não se perca de mim, eu disse. Deixe para fugir outro dia. Hoje me acompanhe no crepúsculo. Vamos aguardar Vésper assumir o trono.

Exauri o amor, raspei o fundo do tacho. Restou você, meu oculto poço artesiano.

Nenhum desamor vale esse sofrimento. Esqueça a maldade. Junte-se a nós, coração silencioso depois da tempestade.

Não pense que vai fazer de mim gato e sapato. Sou capaz de coisa pior. Já bati o recorde de respiração presa. Foi quando viajaste.

Não sei o que é pior. Te convencer que te amo ou me convencer que não me queres.

Contigo à tarde corro, à noite morro, de manhã socorro. Ressaca de amor no forro. Nosso corpo torra. Se for embora, bato o carro.

Não sou solidário nem firmei contrato com tuas recordações. Não lembro de ti, peste.

Mulher é jardim: cavar, suar, revolver, regar, florir, colher. É flor: pétala,cor, espinho, cacho,espiral, cheiro, pólen. Trabalho pesado. Basta oferecer, preguiçoso.

Não és boa em metáforas. É tudo preto no branco. Por isso esse amor não deslancha. Atolou no verbo.

Tento ser malvado só para te agradar. Mas reclamas. Por isso sou bom, por falta de opção.

Estive assim de conseguir o que queria. Mas aí fui fazer não sei o que.

Cometo os mesmos erros do século passado. É uma questão de princípios

Eu não tenho experiência. Não sou laboratório.

Contigo à tarde corro, à noite morro, de manhã socorro. Ressaca de amor no forro. Nosso corpo torra. Se for embora, bato o carro.

Já esqueci, pode voltar. Quando te vir de braço com alguém, juro vou passar por cima disso. Não vai doer nada.

Para que brigar? Vamos acertar os ponteiros. Eu fico com o dos minutos. É maior, tem mais alcance.

Você gosta mas somos estranhos. Eu gosto porque ficamos próximos. Quem explica essa ponte que a palavra tece entre temporais?



RETORNO – Imagem desta edição: obra de Hans Dahl.

19 de fevereiro de 2012

EXTREMA


Nei Duclós

Palavra pede poema, fuga da incerteza
quer um lugar na mesa onde me entrego
pão entre convivas, os verbos e teu beijo
acostumados aos hábitos da paixão

Seja qualquer verso, atirado a esmo
no chão que me sustenta e não dão valor
ode, elegia, soneto, rima livre ou presa
importa que se diga, e toque o coração

Palavra é como teu rosto, lençol de seda
que roça em mim no momento de pavor
quando dou perdida a vida sobre a terra

É quando escuto tua voz, mulher extrema
que agarro com a violência da delicadeza
cintura de princesa, mordida de leão


RETORNO – Imagem desta edição: Jacqueline Bisset.

KIAROSTAMI E A DIALÉTICA DO FALSO E O VERDADEIRO



Nei Duclós

A cópia certificada, reconhecida como fiel ao original, dele se destaca por sua especificidade, pois não se trata da mesma coisa. Não pode, portanto, ser desprezada como mera clonagem, já que somos, por exemplo, reproduções reconhecidas de nossos ancestrais, mas criaturas diversas. Há uma dupla natureza no ser, como se ele imitasse o princípio quântico da porção básica de energia que tanto pode ser partícula quanto onda. Em seu filme Copie conforme, de 2010, Abbas Kiarostami trabalha essa dialética entre o falso e o verdadeiro, em que ambos trocam de papel, por meio do relacionamento de um casal, interpretado por Juliette Binoche e William Shimell.

A mulher é o compromisso, o homem, a irresponsabilidade. Ela arrosta com todos os problemas do filho adolescente, viciado em jogos eletrônicos e McDonald´s, e está separada do marido depois de 15 anos de relacionamento. Ele acha que o homem tem de viver uma vida à parte da família e acha o garoto um ssábio pelo seu hedonismo. Paradoxalmente, a mulher é a fantasia, o homem o pragmatismo. Ela sonha com um relacionamento duradouro, ele aposta numa vida sem vínculos.

O homem acaba de lançar um livro, que tem o mesmo título do filme, em que explora com diletantismo a dupla personalidade da cópia e do original na história da Arte. Por abordar o tema de modo pessoal, a partir de estímulos não acadêmicos, ele é uma espécie de cópia de um scholar, um especialista. Por negociar produtos da Arte sem se aprofundar no assunto, ela é também a imitação de uma especialista no mercado das esculturas e pinturas.

A cena e a história do filho que segue a mãe sem nunca alcançá-la, de propósito, é uma metáfora desse jogo entre a origem e sua reprodução. Trata-se do insight que originou o livro do autor, que está sendo alvo do assédio da mulher. Pois o filho flagra a mãe de olho no escritor, que lança sua obra participando de maneira irresponsável de um evento, deixando as pessoas esperando por nada, só porque o dia está bonito lá fora. O álibi dela é seu interesse pelo tema e por isso compra vários exemplares para dar de presente.


Ela cria a oportunidade do encontro levando-o para uma aldeia que combina exposição de arte com hotelaria e lugar de celebração de casamentos, pois é famoso para dar sorte a quem começa uma vida conjugal. Está na cara a armadilha: ela precisa de um novo casamento e por isso carrega seu futuro marido para um lugar inspirador. Mas a dialética da dupla natureza das coisas e situações se manifesta.

Binoche mostra uma Gioconda tida como verdadeira, de ancestralidade romana, mas era apenas cópia encomendada por Lorenzo de Médici a um falsário. A percepção sobre a obra a certificava como verdadeira, mas foi considerada falsa. Mas a população que freqüenta o lugar não se importa e celebra uma escultura na praça, também cópia, como se fosse verdadeira. O relacionamento fictício que se estabelece no casal, em que ele faz o papel do marido que volta e ela da esposa que recupera seu casamento, é também uma cópia, mas soa como verdadeira. É verdadeira para o espectador, pois o cineasta nos lembra que a interpretação é também a reprodução certificada de originais. Personagens são cópias ou são autênticos? São as duas coisas ao mesmo tempo, ás vezes se repelem, outras se confundem numa só.

Um personagem histórico interpretado numa peça ou filme é apenas representação, mas é encarado como verdadeiro para a história funcionar. Assim é o cinema, assim é a Arte: um desdobramento infinito de referências que tanto o amador quando o profissional tentam decifrar nas suas origens e trajetórias. Kiarostami nos brinda com um filme brilhante, que tem Juliette Binoche como a grande presença. Ela é uma Gioconda fiel ao seu original, a mulher de meia idade que se reinventa por meio da arte num novo relacionamento, que é ao mesmo tempo resgate do antigo.

O título brasileiro é Cópia Fiel, deveria ser Cópia Certificada, como fizeram os americanos. Devemos lembrar que nunca vemos o filme original, mas uma cópia sua. Kiarostami, que é de ramo, sabe que todo filme é sobre cinema.

18 de fevereiro de 2012

CARROSSEL


Nei Duclós

Soneto é fantasia, carnaval de letra,
nudez de alegoria. Acaba em cinza,
poeira do destino. Você que foi musa
por um dia sabe como isso funciona.

Pura fantasmagoria o poema limite
quatorze punhais na esquina, versos
sem compostura, melodias de revista
na ferrrugem de um carrossel na chuva

A verdade acaba contigo? Imagine
o poema que se enfeita para a estréia
e acaba numa happy hour no subúrbio

Ele é o pierrot de remota colombina
amante sem ter sido, apenas lantejoula
que brilhou ao teu lado e agora só suspira


RETORNO - Imagem desta edição: Colombina,obra de Liscia Weiss.

INÍCIO


Nei Duclós

Todos os dias acordo no início da minha vida.

Tempo não se acumula. Se gasta como vento de ontem. Temos apenas o que nos resta e não dá para medir.

Memória não são eventos ou o resgate das percepções mortas. Memória é o que você cria quando aborda o tempo disfarçado de calendário.

Não faça barulho. Deus está ouvindo.

Já acabou o Juizo Final? disse o anjo.Como conseguiu ser tão rápido?Preguiça, disse Deus. Me orientei pela pele e condenei todos os tatuados

A vida é uma tempestade, só deixa estrago. No final, restam apenas os cacos da louça que tantas vezes polimos com nossa baba de anjos.

Tempo não se acumula. Se gasta como vento de ontem. Temos apenas o que nos resta e não

Estar na frente do tempo é chover antes da tempestade.


QUEM PÔS WHISKY NO MEU WHISKY?


Já não digo coisa com coisa. Quem pôs whisky no meu whisky?

Conselho errado é um sossego. Por ex.: Não discorde de mim.Não porque eu esteja certo, mas por preguiça de perder o amigo.Diga sim por vício

Gosto da palavra desperdício. Soa tão bonito. Parece chuva com sol sobre uma tarde perdida.

Distribuiram milhões de camisinhas mas o pessoal está saindo de smoking.

Adepto, afiliado, fiel, partididário, parceiro, sócio: há muitas formas de amarrar o bode onde não se deve.

Obrigado por nada, disse o peixe.

Mensagens não enviadas que se acumulam na sua caixa postal provocam uma pressão de mil milibares na época do carnaval.

No trânsito, todos os carros, caminhões, caçambas, pedestres, ciclistas, motos e carroças confluem para um só ponto: exatamente onde vc está

Carnaval são celulites que vibram ao som do baticum e de letras preciosas como "por ti portinari".

Escancarar a boca franzindo o nariz, em pose celebratosa cool, em cima de um carro merdórico, é a essência do carnaval cretino da ditadura.

Desvirtuado das origens, as mobilizações de massa em grandes eventos políticos, o aceno para a multidão é o vazio promovido pelo espetáculo.

Quando falam a palavra "folia" me dá a impressão de alguém com dentes para frente e bochechões no sorriso alvar. Me dá urticária.

Tríduo momesco é uma espécie de infecção da linguagem.


SOL A PINO

Somos o repasto do sol a pino. Deus, guarde um pouco disto para o inverno!

Carma é conselho de guru sertanejo.

As gravatas sobreviveram de uma época amena, quando eu fazia parte do mundo conhecido e a vida era risonha. Existia algo que nunca mais vi, salário.

Salário era um pedaço do patronato arrancado dele todo mês, por força da lei. Mas parece que deram um jeito nisso.

Ela monta num cometa sem trajetória fixa. De vez em quando assoma e acena. E some, no gelo do cosmo indiferente.

Gosto da palavra desperdício. Soa tão bonito. Parece chuva com sol sobre uma tarde perdida.

A mensagem não é o meio, é o extremo.

Não faço idéia de ti. Só faço o que me pedem

Pronto, meia noite. Viraste abóbora. E eu achando que era a Cinderela.


RETORNO – Imagem desta edição: obra de Claude Lorrain.

LOUD & CLOSE: A MORTE INACESSÍVEL E A COSTURA DA AMÉRICA


Nei Duclós


Se “loud” significa alto, por que foi traduzido para “forte” no título do filme Extremely Loud & Incredibly Close ? O filme é de 2011, dirigido por Stephen Daldry, que nos deu grandes obras, como O Leitor e As Horas. Alto ao extremo e perto (ou fechado) além da conta é o lugar onde se encontra Tom Hanks, no topo das Torres Gêmeas no 11 de setembro de 2001. De lá ele despenca, depois de tentar entrar em contato com a família pelo celular. Nesses minutos terminais, gravados pelo seu filho (o garoto Thomas Horn, que surta com a perda do pai), ele significa o desafio de uma cultura que se propõe hegemônica e, portanto, não admite a morte.

O pai que cai da torre encaminhou uma charada para o filho que o busca por meio desse labirinto por não ter um corpo para se despedir. O garoto procura encaixar uma chave encontrada no armário em lugares identificados por proprietários com um determinado sobrenome. É um modo de tentar reverter o que era tão próximo e de repente ficou tão inacessível. Dessa dor (a busca obsessiva em direção ao funeral adiado) é feito o filme, que tem como âncora a presença de dois magníficos artistas: Sandra Bullock, a que reprime o choro convulso que no fim a derruba, e Max Von Sydow, o avô distante e mudo que se comunica por bilhetes escritos a mão. Há ainda John Goodman, o porteiro que tudo entrega, e Viola Davis, a que salva o casamento ajudando o menino.

O cinema americano produziu inúmeros filmes sobre o espírito que volta do julgamento celestial para uma nova chance. O céu erra, a América jamais. O soldado que some no front e volta anos mais tarde transtornado é outra encarnação desse mito que dribla a morte. Nos faroestes, os bons rapazes jamais morriam, isso era função dos malfeitores. Sendo bom e justo você acaba sempre voltando para casa, lugar da eternidade. O pânico do garoto que perdeu o pai é seguir seu destino, o de desaparecer. Seus medos são trabalhados pelo avô, que o estimula a enfrentá-los. E seus passos são amparados pela mãe, que tudo provê, o matriarcado que assiste seus filhos principalmente na tragédia.

A morte do pai no fundo não importa, o que vale é sua lição ser seguida pelo filho, o que é garantia de sobrevivência da identidade da nação. O pai convida o garoto a ir o mais alto possível no balanço e de lá atirar-se no abismo. O menino acha perigoso e não vai. Mas descobre, na sua dor, que precisa fazer exatamente isso, desencavar o sentido do recado paterno para também ousar subir, por mais ameaçador que isso seja. Não podemos desistir de atingir o topo, diz o filme, já que fomos para lá e de lá não despencaremos jamais. Permanecer acima é o que conta.

É uma narrativa endógena, escrita por Eric Roth baseado no livro de Jonathan Safran Foer. Não aparecem terroristas, só a diversidade humana da América, que inclui a todos, de qualquer raça, cor, gênero, situação social. A democracia atingida mortalmente pelo terror tenta lamber as feridas e aposta as fichas na nova geração, o futuro. Não será possível manter a hegemonia sem que o menino decifre a charada e na busca se relacione com todas as comunidades dispersas americanas. Ficaram todos traumatizados com o impacto do atentado, mas é preciso costurá-los, perguntar pela fechadura onde cabe a chave misteriosa. Esta, pertence a um homem que também perdeu o pai, tirano, indiferente, que lhe deixou uma herança. Por mais dura que seja a relação pai e filho é ela que mantém viva a linhagem da nação atingida por um raio.

Mantenha, América, o espírito unido e permaneça no alto. Para isso, voe como seus pais e pelas mãos da nova geração resgate todos seus contemporâneos em fuga. A mortandade de 11/9 não faz sentido, o que faz é recompor a vida por meio da superação das feridas. Um filme tocante, com grandes interpretações e uma história complicada que no fim se revela quase um conto infantil. Quando comecei a ver, achei que sabia o que iria acontecer e acabei falando o que não devia. Mas fui até o fim e descobri um trabalho importante. Sempre procuro enxergar o cinema americano como estratégia de sobrevivência da identidade nacional. Eles jamais perdem o foco. Impressionante.



RETORNO - Imagem desta edição: Tom Hanks e Thomas Horn: a presença paterna que se esvai e a busca obsessiva por um sentido na vida.

17 de fevereiro de 2012

SEMPRE


Nei Duclós

Você ficou para sempre. Gostou mesmo daquele poema.

Todo mundo faz poesia, ela disse. Só eu faço para ti, respondi.

Para que tantos versos? ela perguntou. Alguém tem que fazer o serviço, respondi.

Fazes versos para quem voa, ela disse. Gosto das andorinhas, ele respondeu.

Bastante de mim para teres tudo.

Foi só um sonho. Por isso existe.

Então diga que me ama com rima, ela disse. Eu te amo com rima, respondi. Mas precisa ter paciência, esperar minha obra prima.

Quem é você? ela perguntou. Sou o sujeito mais perigoso do planeta Terra, respondi. Alguém acredita nisso? ela insistiu. Não, mas soa bem, falei.

A platéia está cheia! disseram os estreantes, em pânico. Acalmem-se, disse o veterano. Contem as cabeças e multipliquem pelo valor da entrada.

Você se despede quando me vê. Vou fazer o mesmo. Dizer adeus para mim mesmo toda vez que teu rosto aparecer na minha frente.

Então diga que me ama com rima, ela disse. Eu te amo com rima, respondi. Mas precisa ter paciência, esperar minha obra prima.

Você é complicado, hem, ela disse. Está bem, não quero saber teu signo, falei.

Deixa de desculpas e me beije, pedi. Já perdemos tempo fingindo.

Pensa que me engana, conversador, ela disse. Você falou o tempo todo, repliquei.

No fundo nada sabes do amor, ela falou. Me reprove todos os anos, pedi.

Você não tem um coração, ela me disse. Está contigo, respondi.

Vou-me embora de ti, disse a confidente. Deixa os segredos, respondi. Vou precisar deles

É bom estar aqui, disse a viajante. Só de passagem, disse o amante.

E se eu resolver ficar? ela perguntou. Desfaço tuas malas definitivamente, respondi.

Só quem vai embora tem chance contigo? ela perguntou, distante. Sim, respondi. A falta é a única maneira de saber quem amamos.

Demos muitas voltas mas no fim pousamos. Amor é quando se aninha o coração retirante.


RETORNO – Imagem desta edição: obra de Claude Lorrain.

16 de fevereiro de 2012

GÁS


Nei Duclós

Deveria estar longe daqui, onde possa respirar. Mas confundo você com oxigênio.

Pergunto por que me inflou esse tempo todo. Não consigo pousar. Agora tua ausência é uma seta no meu balão de gás.

Foi-se o tempo das memórias, foi-se o tempo do balanço, foi-se o tempo da esperança. Ficou apenas esse eterno presente, como um sol que não descansa.

Amadurecemos só depois da perda. Antes a eternidade é uma criança.

Lendo alguma coisa na sala de espera, você cruzou as pernas de escultura grega para me dizer alguma coisa. Deixei passar minha vez para espichar o suspense. Descobri que era uma forma de me desejar bom dia.

Quem se importa com a memória? O bom é estar perto do que tens de sobra.

Todos são sérios em suas arenas de glória. Só você é um anônimo da poesia sem pausa.

Pediram para esperar e eu fui embora. Não preciso entrar na fila da imoral miséria.

Flor do Pantanal que dura apenas uma tarde, és meu único sustento, amor sem futuro.

Acham que és frágil por descrever o amasso. Mas já estiveste na guerra e sabes manejar um fuzil. Há várias formas de coragem.

Desperta que estou sem arsenal. Preciso de tua assistência para cruzar o umbral que me separa da manhã e suas histórias.

Concordo que falta ainda para a estrela puxar o sol que está debaixo das cobertas. Por isso aguardo o momento certo, quando tua boca abrir sem querer um suspiro de te quero.

Fomos diminuindo o espaço em comum até ficarmos apertados entre paredes virtuais, confinados em quartos remotos situados em planetas diversos. Estamos quase indiferentes. Somos música ao longe

O melhor de um dia perfeito é não cumprir agenda. Não ficar atirado, mas prestar atenção aos desvãos entre as camadas da luz, lá onde mora a chance de real sobrevivência

Pergunto por que me inflou esse tempo todo. Não consigo pousar. Agora tua ausência é uma seta no meu balão de gás.

Fiquei fora esse tempo todo. Contigo dentro.

Demorei porque estava atento ao movimento das ondas, onde navegas o barco da minha esperança.

Não se invoque, é só namoro. Uma hora a gente salta fora, como nos bailes em que pedias licença no auge do grude traiçoeiro, quando te surpreendia com minha gana.

Pode sair agora. Já tenho o molde do teu corpo em minha mente pirada com teu cheiro.

Não falas mais comigo. Teu silêncio é um memorial de flores. Deposito um ramo nele e converso com as lembranças. Estás de vestido vermelho e usas batom da mesma cor no riso sem vergonha.

Não importa o beijo. Mas o que fica dele. Portal para um palácio de caprichos.

Nunca mais nos falamos, desde aquele soneto. Releve. Escrevi para o vento levar até onde um dia me queiras.


RETORNO - Imagem desta edição: Adrienne Palicki.

15 de fevereiro de 2012

PELE


Nei Duclós

O poema é a tua pele.

Passei o dia bem. Acordaste no meu ouvido e dormirás no meu abraço.

Não ceda a esse bandido. Saia da cerimônia e venha comigo. O coração de uma mulher não se negocia, disse o amante e saiu a galope com a noiva na garupa.

Não esqueça os beijos, ela disse da janela do ônibus. Não estão contigo? perguntei. Os milhões que estão por vir, gritou.

Leve esses poemas para viagem, ele disse. Vou colocá-los na bolsa. O coração já está lotado deles, disse ela.

Sou feia, ela disse. Só quando vais embora, disse ele.

Adeus, disse ela. Não quer que eu te leve? disse ele.

Aqui ninguém pensa em amor, disseram na balada. Por isso ela ficou num canto, quieta. Até que uma gota de perfume saiu do seu rosto e atingiu um olhar

Amor é traiçoeiro, ficamos sempre em desvantagem. Quem pode com ele, quem pode sem ele?

Amor é normal. As pessoas perdem o chão e acham possível voar.

Não é bem assim, ela disse. Volte para sua cidade e espere meu chamado. Não, ficar de chapéu estendido na praça também não pode.

Amor não é egoista. Queremos o melhor para a pessoa amada. Desde que lhe falte tudo e me peça colo.

Sei que estás bem, mas não vem ao caso. Eu não estou bem, malvada.

Cristalizei na espera. Virei estátua de sal olhando nosso amor no passado enquanto fingias fugir das cidades devassas.

Não vou falar mais em saudade. É uma franquia em desuso. Melhor assumir logo que é pânico mesmo.

Acordaste ainda mais apaixonada. Vi pelo cheiro.

A realidade é que é falsa. O amor é real.

Por que existe tanta interrupção para o amor e para as coisas chatas não?

Meu rosto em teus tesouros, meu sonho soprando alto.

Deitado em teu piso e sobre teu teto, meu corpo louco por ti, minha poesia te vestindo, te despindo.

Não insista, ela disse. Só mais uma vez, a milésima última, ele disse.

Coisa boa, ela falou.



RETORNO – Imagem desta edição: Monica Bellucci.

GORKI E O POVO


Nei Ducós

Povo é uma palavra complicada no Brasil. Em inglês people significa povo e gente. Não existe essa diferença entre “nós” e “essa gente”, o povão velho de guerra. Fez-se toda uma política equivocada a partir do conceito de povo. País de escravos, todo mundo se acha senhor. Identificamos as pessoas pela exclusão. Governava-se para os ricos no Império e na República Velha. Na era Vargas, o governo em tese era voltado para os trabalhadores. A intensificação dos conflitos levou à ruptura de 1964, num golpe dado para evitar uma república popular ala Cuba. Foi o que se disse, pelo menos.

A partir da anistia em 1979, os intelectuais orgânicos (aparelhados pelos partidos emergentes) inventaram o termo populismo para afastar a ameaça da volta do varguismo via Brizola. Seria governar falsamente para o povo, traindo-o. A fonte era Getúlio, mas o fato é que o populismo surgiu com Jânio Quadros, um clone desastrado de Getulio que inclusive escandia as sílabas como no sotaque gaúcho. Jânio foi um líder de massas que surgiu sob medida para o anti-getulismo. Acirrou os ânimos por pura irresponsabilidade e ânsia de poder. Mas falávamos do povo.

Na literatura temos a explosão do romance dos anos 30, que até hoje impõe o imaginário do país, ou pelo menos impunha até a chegada da Tropa de Elite e Cidade de Deus, que explodiram a idéia de um país rural. O país daquele romance regional logo após a subida de Getulio ao poder em 1930 ainda sobrevive nas novelas das seis, mas nos livros deu lugar a uma mistura de tipos de todas as escalas sociais. Temos desde a classe média baixa e devassa em Dalton Trevisan e Rubem Fonseca, até a explosão a partir dos anos 90, em que o caos urbano é representado pela mixórdia humana de todas as taras e dessintonias nos autores mais recentes.

Na Rússia do século 19, havia essa postura bem pensante dos intelectuais em relação à grande massa de camponeses e marginalizados das cidades, até que chegou Maximo,o Amargo, ou Gorki, que veio da Rússia profunda, do povo mesmo e mostrou que a humanidade a qual pertencia nada tinha de cavalheiresco ou nobre ou desprezível. Eram brutos, geniais, soberbos, mesquinhos. Humanos por toda a conta. No livro que estou comentando aqui, uma seleta de contos russos do século 19 publicado em 1964 pela Martins Editora, Gorki comparece com o conto O Acidente, que faz parte de sua brilhante memorialística.

Tive o privilégio de ler e fazer um ensaio sobre os três tomos das memórias desse escritor número 1 que são Infância, Ganhando Meu Pão e Minhas Universidades. Texto magistral e enxuto, Gorki neste conto mostra como três rapazes embrutecidos fazem serviços pesados e caem na tentação do roubo e da mentira. E como expressam sua espiritualidade pelo avesso, ao serem contratados pela velha carola que lê a Bíblia enquanto eles pegam no pesado.

O narrador é o próprio Gorki, que sofreu horrores até ser aclamado como um gênio literário pelo povo russo. Há ainda o debochado e o ingênuo, ambos vítimas das péssimas condições de sobrevivência. Gorki mostra tudo sem fazer firulas. Precisamos desse exemplo para entendermos que fazemos parte do povo e não nos destacamos dele como se fôssemos os eleitos.


RETORNO – Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana