21 de julho de 2010

ESPÍRITOS


Nei Duclós (*)

Há fantasmas que respiram. Não se contentam em aparecer no canto do olho exausto, lá no território cada vez maior das ilusões visuais. Outros se formam no ar, aproveitando alguns sinais soltos, como um galho fino que se desprende e risca o cenário onde procuramos calor no inverno irreversível. Apoiadas pelo vôo de insetos maiores, sobreviventes de um verão remoto, essas evidências acabam formando um corpo em movimento, numa cena perdida. Ela não faz parte da memória, e sim da imaginação de alguém que não somos, mas existe, num dos inúmeros lados do poliedro do universo.

Sentados no sofá, a respiração quase imperceptível no outro extremo da sala nos faz virar bruscamente a cabeça. O foco então se firma no aparato doméstico: pia, fogão, geladeira, estante, e nada mais. Para onde foi aquele aceno que tentava puxar conversa e agora deve estar amargando seu passeio solitário numa alameda ainda não capturada pelos pintores? Que mistério é esse, situado fora do cânone, do Olimpo dos enigmas aceitos?

Aprendemos que o universo é múltiplo, a anti-matéria existe mas não dá as caras (ou dá?), um fóton pode ter outra natureza além da emanação de energia e todas essas portas abertas para especulações variadas. Os cientistas são ladinos, gostam de deixar algo pendente para não serem desmoralizados novamente por teorias da relatividade, das cordas ou dos buracos de minhoca. Aparentemente, está tudo dito e o que fica implícito é assunto confinado aos especialistas. Nós temos de nos conformar com o que percebemos, e imaginar a chave para descobrir do que é feito nossa passagem pela terra.

Minhas conversas sobre ciência nunca vão adiante porque não acredito no big bang, na estrutura do átomo ou na gravidade. Li recentemente um renomado cientista dizer que, para ele, a gravidade não existe, é apenas sintoma de uma qualidade inerente à matéria, ou algo assim. Agora estamos liberados para achar estranho que corpos celestes se atraiam e se afastem mutuamente, num conflito que deixa as coisas suspensas no éter. E se dissermos que os astros são criaturas obedientes a outros princípios, como o deslizamento sobre superfícies invisíveis? Poderão rir até não poder mais.

Talvez só os fantasmas nos escutem. Os espíritos, que vivem no que parece ser penumbra e que para eles deve ser dia claro.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 20 de julho de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: obra de Goya.

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