2 de junho de 2010

O OBSCURANTISMO ILUSTRADO


Com o acesso fácil e generoso a todo tipo de informação, o obscurantismo tornou-se ilustrado. Não tapeia mais as trevas, ao contrário, trafega nos terrenos das citações e princípios, argumentando paralelamente aos tiros que são dados para mantê-lo na ativa. São vasos comunicantes: as idéias sedutoras e as informações irrecorríveis servem de biombo e máscara para massacres e genocídios, e estes apóiam as trevas da razão e do sentimento. A grande dificuldade é saber o que é obscurantismo, já que todas as pessoas se parecem, tanto os inocentes úteis quanto os culpados inúteis.

Não é preciso fazer o teste para capturar o falso iluminista. Basta um fato decisivo, que inclua mortos, para ver se o sujeito carrega nas costas os cadáveres e diz que foi bem feito, apenas legítima defesa. No momento em que o ex-sábio de todas as horas mostra os dentes, sabemos do que se trata. Eles estão por toda a parte, aparelhados, a serviço de alguma organização ou país, prontos para tentarem primeiro te seduzir com idéias comuns, compartilhadas; depois te convencer do caráter irredutível de algumas situações; terceiro te colocam ao lado deles, para que haja quorum na hora em que a merda explodir. E quando a merda explode, eles te cobram coerência ou ficam chocados se você, num gesto de espírito livre, denuncia a barbaridade.

Imediatamente, se fizeres isso, serás chamado de tudo um pouco. Atrasado, terrorista, mentiroso, caluniador, imbecil, ignorante, burro, a serviço do mal, entre outros mimos. Mas você apenas está do lado de quem não matou naquele massacre, que foi vítima, apesar das imagens manipuladas ou falsas. Ou será que os mortos se suicidaram e os soldados eram tão corretos que nem armas dispunham, já que usavam luvas de pelica, ou melhor, de amianto para descer no convés para uma conversa informal, uma roda de chimarrão supimpa, uma happy hour em águas internacionais?

O obscurantismo ilustrado normalmente é titulado e esfrega a superioridade na hora agá, quando você, por obra de sua natureza incauta, esperneia diante do óbvio, da crueldade sem limites, da brutalidade contra um Prêmio Nobel, uma sobrevivente do holocausto, nove parlamentares europeus, uma cineasta brasileira (acusada aqui de “coreana” para ser jogada nos braços da ditadura da Coreia do Norte).

O evento trágico que colocou de luto a comunidade internacional e foi condenada unanimemente pela maioria dos países, pela ONU e pela imprensa do próprio algoz, serviu para me abrir os olhos. Eu achava que estava agradando alguns quadros que no fundo eram aparelhados. Estavam a serviço das forças que atuaram no massacre, impedindo que cheguem aos habitantes abandonados alguma coisa que a civilização produz e é negada. Mas isso eu não via. Enxerguei agora, com clareza impactante. Junto às acusações, veio o preconceito de classe, de raça, de hemisfério.

Passada a primeira fase do temporal, eis que o obscurantismo ilustrado tenta se recompor, dizer que vai se informar melhor, confessa quase arrependimento por ter sido tão letal na acusações antes de fazer qualquer balanço da situação. Mas é tarde demais. Não faço parte de esquemas, de sistemas. Se o erro está em um lado ou outro do conflito, não interessa. Receberão sempre a crítica, o alerta, a palavra dura. É preciso saber que nós, os não-soldados, os de espírito livre, somos muitos e não nos amedrontaremos diante das pressões.

Cultuam a morte, essas eternas vítimas que se acham no direito de matar. Não seria a hora de se libertar de tanto jugo do passado, depois de tanta vingança? Porque o ódio apenas cultiva o ovo da serpente.

Sempre achei que naquela região falta um pouco de chuva. De gente que durma a sesta com o som da água no telhado. Com barulho de pingo da folha encharcada. Com crianças brincando nas poças depois da chuvarada. Chega desse sol sem limite, desse ódio sem fim, de bandidos dos dois lados, desse pseudoiluminismo e que de tanto espargir as luzes de uma falsa razão, acaba cegando todo mundo. Ainda vão nos levar todos para o buraco, esse lugar de óleo e ódio, sinônimos que vertem do fundo da miséria moral e do coração seco.

RETORNO - Leia a brasileira que enfrentou a barra. http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/iara-lee-por-que-vou-a-gaza.html

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