22 de junho de 2010

MARACANAZO



Nei Duclós (*)


Sem talento para o drible, fui afastado para a função de goleiro, onde permaneci até ficar taludo o suficiente para descobrir que não conseguiria peitar a carga dos atacantes daqueles tempos, em que os marmanjos eram criados a leite com nata e carne recém abatida.

Quando o antibiótico ainda era novidade e a vacina causava revolta, não existia todo esse aparato de salvar petizes sem condições de sobrevivência. A seleção natural colocava no pedregulho a brutalidade das chuteiras. Diante de um tropel de cavalaria, o arqueiro em dúvida sobre sua vocação para o esporte só tinha mesmo que tirar o time de campo.

Antes disso, quando ainda éramos franzinos, era possível exibir-se em lances favoritos, como catar no ângulo ou interceptar o chute vindo da ponta, encaixando no ar o vôo arisco que iria cair na cabeça de alguém postado para matar. Mas a concorrência, principalmente nos torneios oficiais do colégio, não permitia que saíssemos da reserva, onde amargávamos tardes inteiras vendo os outros jogar. Duplamente excluídos, só nos restava o exílio absoluto: o futebol de salão, desprezado pelos mais fortes.

Não sei por que chamam esse jogo hoje de futsal, que parece nome de purgante. Na época foi uma solução honrosa, pois aos poucos os reflexos treinados na velocidade da pequena cancha chamavam a atenção das platéias, atraídas pelos craques que surgiam na nova modalidade. Sobrou então para mim a honrosa posição de defensor da seleção do colégio, já que devíamos levar as cores nacionais para território estrangeiro, no outro lado do rio Uruguai.

Lá, los hermanos exerciam o chamado futebol suíço, ou society, que tinha em comum o espaço limitado e o número reduzido de jogadores. A diferença estava no piso: o deles era gramado, o nosso de cimento. E também, na bola: em vez da pesada, fofa e clássica que tinha formatado nossa arte, tínhamos uma espécie de jabulani de couro, pequena, leve , arisca e traiçoeira, que nos foi apresentada só no torneio, no momento decisivo.

O resultado foi o desastre. Como acontece hoje na África, a desgraçada batia no meu peito e voltava para o pé argentino ou escapava das mãos, caindo no fundo do gol. Fui substituído de maneira humilhante. Tinha experimentado o meu maracanazo, aquele momento em que nossa vaidade pré-vitoriosa se transforma numa derrota indefensável.

RETORNO - 1.(*) Crônica publicada nesta teça-feira, dia 22 de junho de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: Barbosa tomando gol em 1950. Só isso ficou na memória. As grandes goleadas daquela Copa sumiram. Quando eu jogava futebol, naqueles idos, Barbosa era sinônimo de goleiro. Aliás, era o apelido do grande goleirão de futebol de campo do Colégio Santana. Quem sabe algo sobre aquele Barbosa? Cartas para a redação.

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