8 de abril de 2009

JORNALISMO ITALIANO NÃO APONTA COM O POLEGAR


Não causou nenhum impacto, claro, minha denúncia de que os jornalistas da televisão brasileira se postam de costas para os fatos e os ambientes reportados e apontam para eles com o polegar. Como se a coisa situada atrás não fizesse parte da mídia privilegiada. Como todas as matérias agora são assim (deve ter um consultor que treina os repórteres e os ensina a apontar com o polegar), parece mentira que em outros países não funcione assim. É o caso da Itália. No terremoto italiano, a repórter se posta na frente da casa destruída e quando vai se referir a ela se volta quase totalmente para o assunto focado, estende o braço e a mão, a significar que a reportagem faz parte da paisagem, a repórter faz parte do povo e a fala que está sendo dita é a extensão das ruínas. Vejam a Reportage da Onna.

Apontar com o polegar é como fazer fofoca. É postar-se fora do que está sendo mostrado. É colocar-se acima, é provar que a empresa de comunicação não faz parte da nação sucateada. Faz sentido, pois enquanto aumentam os destroços do país sem soberania (que agora vai colocar dez milhões de dólares no FMI para socorrer a ciranda financeira), mais a mídia exibe a cara limpa e bem posta da elegância fake. São Homers Simpsons da indiferença. A jornalista italiana não está fantasiada de palhaça, não faz trejeitos e tem a voz realmente emocionada, mas ao mesmo tempo firme. Não faz papel de canastrona que finge interessar-se pelo sofrimento alheio. Ela é o próprio sofrimento, mas como está informando, tem a compostura necessária para exercer seu ofício.

Essas coisas me deixam nervoso e acabo acessando pouco o jornalismo estrangeiro. Eles fazem o que deveríamos fazer, tanto na televisão quanto no impresso. É mais do que triste, é uma tragédia. Também não vejo na cobertura do terremoto gente nada-a-ver expressando emoções baratas. As pessoas entrevistadas são especialistas, autoridades, técnicos, voluntários, vítimas, gente envolvida no fato. Não fazem alguém descer de para-quedas e exibir caras e bocas de que está sofrendo e por isso todos devem então se emocionar. Perdemos o referencial, estamos fora da vida normal.

A tecnologia simplesmente acabou com todos os obstáculos para se fazer algo que preste no jornalismo. Você é sua própria mídia, você faz o vídeo, você vai até lá e reporta. Ou então os próprios jornais superam a televisão, expondo imagens que podemos acessar quando quisermos. Sem essa de assistir as chamadas do noticiário (“não perca, viu?”) e depois esperar milhares de minutos sobre como alisar cabelo com abacate até chegar ao que interessa. E quando vem a matéria, ela ocupa menos tempo do que o espaço ocupado pelas chamadas.

Tudo isso é distorção e perversidade. O jornalismo intensificou suas exigências, tanto para quem lê e assiste quanto para quem produz. É o fim do jornaleco, já que o paradigma é, por exemplo, o Corriere della Sera ou El País, ambos acessíveis a um toque de mouse. Ou, pelo menos, deveria acabar. Nos blogs também aumentou a exigência. Hoje um blog é completo, tem além dos posts, os links para inúmeros acontecimentos e personagens.

Desde ontem, mais um link permanente foi inserido aí ao lado: o De Olho na Capital, de Cesar Valente, jornalista que conheci muito menino nas redações da vida e hoje é um veterano e respeitado profissional de comunicação. Leitura obrigatória para quem vive por aqui em Florianópolis e também para quem acompanha os acontecimentos, pois Cesar Valente é antenado em tudo. E tem aquela postura tranqüila e limpa de quem não faz pose e acerta sempre no veio.

De olho na mídia, do sul ou do norte, da capital e do interior: os fatos somos nós e nosso entorno, o que está distante e próximo . Repórteres de televisão: não apontem com o polegar o que está nas costas de vocês. É feio e pega mal.

RETORNO - 1.Imagem desta edição: Aquila antes do terremoto. 2. Querem conhecer ou saber mais sobre Clovis Heberle, o jornalista que se aposentou e, segundo os comentários na Coletiva.net, faz falta nesta época de crise na profissão? Acesse este belo perfil.

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