Nei Duclós(*)
Acho uma coincidência suspeita o fato de os calçadões terem sido criados quando as calçadas começaram a sumir do país. Já que o passeio público cedeu diante da especulação imobiliária e o avanço criminoso do automóvel, foi preciso reservar uma área que não comportava o excesso de trânsito para o pedestre fazer as compras com tranqüilidade. Ao mesmo tempo, as praças também foram demolidas, abandonadas ou invadidas pelos despossuídos de casas e televisão. Play-ground, então, é um conceito ultra-sofisticado para a atual fase de barbárie. O que existe, às vezes, são algumas gangorras estilizadas sobre areia pedregosa e suja, que atrai mais cachorro abandonado do que criança.
Vejo mulheres empurrando carrinhos de bebê pelas ruas, como se as rodinhas pudessem enfrentar o rosnar dos pneus que cantam e desrespeitam o último acordo civilizado, a contra-mão. Como há no caminho empecilhos como buracos, caminhantes, bicicletas, os veículos saem do seu leito normal para avançar perigosamente sobre os que vêm em sentido contrário. O ambiente urbano assim se transforma numa catástrofe.
Isso no perímetro urbano. Nas estradas, é o que sabemos. Não há motorista que perdoe o outro rodando a menos de 110 km/h, mesmo que as placas anunciem o limite de 60 ou 80. As placas existem pró-forma. A única lei é a vontade de quem dirige.
Esse caos se instala de maneira veloz à medida que as cidades perdem completamente seu status de lugar pacato e comunitário e atingem o nível dos volantes que se xingam, se ultrapassam em lugares proibidos, cruzam na frente sem fazer sinal, pressionam quase encostando na traseira, buzinam de maneira enlouquecida ou impõem suas presenças no meio das pistas. Estamos intensificando os impasses, com prejuízos evidentes nas estatísticas. A todo momento, alguém bate em quem está na frente. Quando ficam dançando atrás de um carro que não está na velocidade requerida pela ansiedade e a arrogância, fica explícito que o objetivo é a eliminação física do indesejado interlocutor.
Uma coisa que atrapalha muito são as calçadas. Vai chegar uma hora, em que elas serão totalmente erradicadas. Trata-se de uma idéia obsoleta. Ela atrapalha a violência crescente que devora uma velha esperança, o futuro.
RETORNO - 1. Imagem de hoje: calçada portuguesa - "meia esquadria, aplicação de pedra antiga". O melhor de Portugal não imitamos mais. Prefirmos esse troço, esse monstrengo, essa situação-limite gerado pela incúria. 2. (*) Crônica publicada pelo Diário Catarinense, caderno Variedades, de 7 de abril de 2009.
Acho uma coincidência suspeita o fato de os calçadões terem sido criados quando as calçadas começaram a sumir do país. Já que o passeio público cedeu diante da especulação imobiliária e o avanço criminoso do automóvel, foi preciso reservar uma área que não comportava o excesso de trânsito para o pedestre fazer as compras com tranqüilidade. Ao mesmo tempo, as praças também foram demolidas, abandonadas ou invadidas pelos despossuídos de casas e televisão. Play-ground, então, é um conceito ultra-sofisticado para a atual fase de barbárie. O que existe, às vezes, são algumas gangorras estilizadas sobre areia pedregosa e suja, que atrai mais cachorro abandonado do que criança.
Vejo mulheres empurrando carrinhos de bebê pelas ruas, como se as rodinhas pudessem enfrentar o rosnar dos pneus que cantam e desrespeitam o último acordo civilizado, a contra-mão. Como há no caminho empecilhos como buracos, caminhantes, bicicletas, os veículos saem do seu leito normal para avançar perigosamente sobre os que vêm em sentido contrário. O ambiente urbano assim se transforma numa catástrofe.
Isso no perímetro urbano. Nas estradas, é o que sabemos. Não há motorista que perdoe o outro rodando a menos de 110 km/h, mesmo que as placas anunciem o limite de 60 ou 80. As placas existem pró-forma. A única lei é a vontade de quem dirige.
Esse caos se instala de maneira veloz à medida que as cidades perdem completamente seu status de lugar pacato e comunitário e atingem o nível dos volantes que se xingam, se ultrapassam em lugares proibidos, cruzam na frente sem fazer sinal, pressionam quase encostando na traseira, buzinam de maneira enlouquecida ou impõem suas presenças no meio das pistas. Estamos intensificando os impasses, com prejuízos evidentes nas estatísticas. A todo momento, alguém bate em quem está na frente. Quando ficam dançando atrás de um carro que não está na velocidade requerida pela ansiedade e a arrogância, fica explícito que o objetivo é a eliminação física do indesejado interlocutor.
Uma coisa que atrapalha muito são as calçadas. Vai chegar uma hora, em que elas serão totalmente erradicadas. Trata-se de uma idéia obsoleta. Ela atrapalha a violência crescente que devora uma velha esperança, o futuro.
RETORNO - 1. Imagem de hoje: calçada portuguesa - "meia esquadria, aplicação de pedra antiga". O melhor de Portugal não imitamos mais. Prefirmos esse troço, esse monstrengo, essa situação-limite gerado pela incúria. 2. (*) Crônica publicada pelo Diário Catarinense, caderno Variedades, de 7 de abril de 2009.
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