10 de fevereiro de 2009

PALAVRAS


Nei Duclós (*)

Motivos aparentemente bizarros inventam sugestões quase obscenas para o som de algumas palavras. Jamais uso “dentre”, por exemplo, porque me lembra dente quebrado. A implicância é tamanha que a considero desnecessária. “Tripartite” é a pior palavra da língua, se é que ela pertence mesmo ao português. Talvez seja subproduto de um dialeto tatibitati. O excesso de tês não a recomenda para o uso corrente e sim para definir encontros internacionais inócuos, quando dois interlocutores são insuficientes para fazer marola.

“Próstata” ocupa lugar de destaque no índex. Considero uma proparoxítona explícita demais, uma sonora imposição de intimidades em conversas públicas. Pela potencialidade perigosa na terceira idade, deveria ser confinada em masmorras de debates científicos, longe da exposição pública, principalmente das campanhas de saúde. Poderia ser substituída então por três pontinhos. “Ei, você, cuide da sua...” Mas haveria o risco de sugerir xingamento, palavrão, enquanto a mídia repetiria milhões de vezes a explicação do seu significado. Faria par com o PIB, pois alguém decidiu que a população perdeu a capacidade de memorizar conceitos óbvios.

É um mistério o desconforto provocado por “alcaguete”. Achei que o motivo era o trema, o que não faz sentido, pois lamento seu assassinato pela recente reforma. Mesmo depois que o trema caiu, a inimizade permaneceu. Alcaguete guarda em seu íntimo um cacófato e torna-se aguado quando alguém pronuncia. Há, claro, o sentido pejorativo, do traidor que se mistura ao alvo da traição, o exercício da covardia, mas há entidades muito mais assustadoras que não me causam nenhuma estranheza.

Assim como essas palavras, algumas soluções usadas generosamente me provocam urticária. “Quando da”, ou “quando do”, por exemplo. Alguém um dia não soube escrever direito sobre um fato passado e colocou provisoriamente essa expressão. Iria pensar, mais tarde, em outra melhor. Mas esqueceu e virou praga.

O pior pesadelo da linguagem seria este: “Quando da primeira vez em que foi planejado um encontro secreto tripartite para debater problemas da próstata, um alcaguete, dentre os organizadores, entregou o lugar da reunião.”

RETORNO - 1. Imagem desta edição: Auto-retrato, de Francis Bacon, o pintor favorito do pintor Mino Carta. 2. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 10 de fevereiro de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.

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