Nei Duclós (*)
Há muitas vantagens para quem trabalha em casa. Escapar da greve de ônibus é uma delas. Perder a chance de ser contestado pelos mais moços é outra. No escritório caseiro, não há o convívio forçado entre pessoas que pouco tem em comum, a não ser a escolha da profissão e, às vezes, nem isso, se a equipe for multidisciplinar. Imagino que o maior ganho é poder se resguardar das armadilhas do clima, ou então deixar de pagar o mico nas festas de fim de ano.
Numa grande corporação, que tem rodízio de liderança e as contratações obedecem aos caprichos dos diretores emergentes, fica estranho cantar Parabéns a Você no meio do expediente, para pessoas que participam de grupos voláteis. Os empregos somem ou mudam de mãos, e as substituições não delegam a intimidade necessária para bolo e refrigerante. Produzir em ambiente doméstico nos livra dessas mutações que sempre deixam algum rescaldo, normalmente amargo.
A não ser que os abraços corporativos girem em torno do sucesso de quem decide dar o salto para outro lugar. Ser convidado para assumir novas funções, melhor remuneradas, é uma das glórias da vida coletiva dentro de empresas e repartições. É mais raro do que as demissões, e às vezes significam um pulo no escuro nem sempre com final feliz. Mas o que vale é saber-se integrado no mundo em movimento, e isso só é possível sentir quando se sai todos os dias para o trabalho.
Quem fica em casa por opção já resolveu alguns impasses básicos e tem credibilidade suficiente para manter contatos, sem precisar bater ponto. Mas há desvantagens. Uma das mais duras é não participar das conversas interessantes, pescadas ao acaso, de vidas que cruzam conosco e deixam boas lembranças, sabedorias surpreendentes ou experiências inéditas.
Quando a abordagem inclui mentes esclarecidas, dessas que não aborrecem o interlocutor, surgem boas oportunidades. Como alguém que puxou conversa comigo quando estávamos parados, depois do almoço, em frente a um prédio comercial de esquina. Ele me confidenciou que as lojas, hoje, não vendem mais produtos, mas juros. O objetivo é endividar o cliente, disse ele, e é por isso que as casas de comércio se transformaram em agências financeiras. Os móveis, os eletrodomésticos, são só um detalhe. Achei pessimista demais a observação, mas não li nenhum especialista com um insigh tão impactante. E se for verdade?
Imagino que as pessoas estocam conhecimento sem esperança de passá-lo adiante. Há bastante má vontade em relação ao pensamento autóctene, o que não segue a cartilha e que se perde na multidão. A sacada empírica, fundada na observação direta, a mesma que fez a glória dos fundadores da ciência, foi deixada de lado. Os sabichões abundam por toda parte, calcados no que já foi comprovado, esquecidos de que existe muita estrada ao nosso redor para ser processada por mentes insaciáveis.
Recolher-se em casa não é a melhor solução para quem tem o que dizer e sofre com a falta de interlocutores. Vemos como os idosos estão secos para falar em qualquer instância. Eles querem compartilhar a sabedoria nas esquinas da cidade. Mas esse hábito já não existe mais. Quando voltaremos a nos falar, acreditando no que ouvimos uns dos outros? Talvez quando a violência ceder e voltemos a nos dedicar aos debates ao ar livre, como acontecia nas praças e nas calçadas.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 17 de junho de 2008, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: obra de Di Cavalcanti.
Há muitas vantagens para quem trabalha em casa. Escapar da greve de ônibus é uma delas. Perder a chance de ser contestado pelos mais moços é outra. No escritório caseiro, não há o convívio forçado entre pessoas que pouco tem em comum, a não ser a escolha da profissão e, às vezes, nem isso, se a equipe for multidisciplinar. Imagino que o maior ganho é poder se resguardar das armadilhas do clima, ou então deixar de pagar o mico nas festas de fim de ano.
Numa grande corporação, que tem rodízio de liderança e as contratações obedecem aos caprichos dos diretores emergentes, fica estranho cantar Parabéns a Você no meio do expediente, para pessoas que participam de grupos voláteis. Os empregos somem ou mudam de mãos, e as substituições não delegam a intimidade necessária para bolo e refrigerante. Produzir em ambiente doméstico nos livra dessas mutações que sempre deixam algum rescaldo, normalmente amargo.
A não ser que os abraços corporativos girem em torno do sucesso de quem decide dar o salto para outro lugar. Ser convidado para assumir novas funções, melhor remuneradas, é uma das glórias da vida coletiva dentro de empresas e repartições. É mais raro do que as demissões, e às vezes significam um pulo no escuro nem sempre com final feliz. Mas o que vale é saber-se integrado no mundo em movimento, e isso só é possível sentir quando se sai todos os dias para o trabalho.
Quem fica em casa por opção já resolveu alguns impasses básicos e tem credibilidade suficiente para manter contatos, sem precisar bater ponto. Mas há desvantagens. Uma das mais duras é não participar das conversas interessantes, pescadas ao acaso, de vidas que cruzam conosco e deixam boas lembranças, sabedorias surpreendentes ou experiências inéditas.
Quando a abordagem inclui mentes esclarecidas, dessas que não aborrecem o interlocutor, surgem boas oportunidades. Como alguém que puxou conversa comigo quando estávamos parados, depois do almoço, em frente a um prédio comercial de esquina. Ele me confidenciou que as lojas, hoje, não vendem mais produtos, mas juros. O objetivo é endividar o cliente, disse ele, e é por isso que as casas de comércio se transformaram em agências financeiras. Os móveis, os eletrodomésticos, são só um detalhe. Achei pessimista demais a observação, mas não li nenhum especialista com um insigh tão impactante. E se for verdade?
Imagino que as pessoas estocam conhecimento sem esperança de passá-lo adiante. Há bastante má vontade em relação ao pensamento autóctene, o que não segue a cartilha e que se perde na multidão. A sacada empírica, fundada na observação direta, a mesma que fez a glória dos fundadores da ciência, foi deixada de lado. Os sabichões abundam por toda parte, calcados no que já foi comprovado, esquecidos de que existe muita estrada ao nosso redor para ser processada por mentes insaciáveis.
Recolher-se em casa não é a melhor solução para quem tem o que dizer e sofre com a falta de interlocutores. Vemos como os idosos estão secos para falar em qualquer instância. Eles querem compartilhar a sabedoria nas esquinas da cidade. Mas esse hábito já não existe mais. Quando voltaremos a nos falar, acreditando no que ouvimos uns dos outros? Talvez quando a violência ceder e voltemos a nos dedicar aos debates ao ar livre, como acontecia nas praças e nas calçadas.
RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 17 de junho de 2008, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem de hoje: obra de Di Cavalcanti.
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