30 de maio de 2007

O TURISMO DA SENSAÇÃO TÉRMICA


Não entendo essas pessoas que viajam centenas ou milhares de quilômetros só pelo prazer de congelar o pingüim. Como nasci quase no Pólo Sul e sou alérgico a baixas temperaturas, fonte de rinites e seus desdobramentos, fico imaginando a falta do que fazer de gente que precisa ver a neve. E me pergunto o que significa tanta sensação térmica. Esse é um conceito novo, ou pelo menos está sendo divulgado maciçamente há pouco tempo. Lembro de uma senhora que me levantava o dedo numa conversa informal sobre o clima dentro do ônibus. Ela perorava sobre a diferença entre o termômetro e a tal sensação térmica. Para as relações humanas indiferentes diárias, essas modinhas servem para encher o saco: significa que nunca é o que é, é sempre pior, ou maior ou melhor.

Puxa, está frio, estamos a 12 graus. Mas a sensação térmica é de 6 graus! alguém emenda. Assim caminha a humanidade: tudo o que for dito será contestado nos mínimos detalhes. Pois eu acho que os graus centígrados e outras medidas foram feitas exatamente para acabar com o amadorismo das sensações. É doze graus e pronto. Só porque o vento bate no rabicó você se sente mais na Europa? Se o vento lambe a ilharga do sujeito então o termômetro deve marcar a verdadeira temperatura. É um saco ter de regredir ao império dos sentidos, quando hoje dispomos de tanta ciência que resolveu tanta coisa.

Ontem mesmo no Jô Soares (sim, o dvd completou um ano e, como se fosse programado, pifou, o que o tirou da garantia; estamos aguardando conserto ou coisa pior) Drauzio Varella demonstrou sua irritação em relação ao pensamento positivo. Por milênios as pessoas acreditavam que você poderia curar uma doença grave só com a força do pensamento, disse ele, comparando com os exemplos do avião ou do trem, que não se movimentam só com o poder mental e ninguém fica sugerindo gracinhas, é incontestável. Pois nesses milênios as pessoas morriam aos 30 ou 40 anos. Hoje a média ultrapassa os 70, por que será? Antibiótico, ciururgia, intervenção, pesquisa. Precisamos acreditar em micróbios.

O mais irritante é que esse negócio de neve em São Joaquim (haja saco, é todo ano a mesma coisa) faz parte do enquadramento da percepção nacional sobre o Sul. Ontem, no JN (sim, sem dvd) um casal carioca falava sobre os arrepios provocados pelo gelo nos países baixos. Bastava dar um pulo em São Paulo, é tão frio quanto aqui, às vezes mais. Mas é preciso mostrar a montanha gelada, os canos rebentando, as pessoas ligando seus cobertores térmicos (o que acho uma temeridade). Drauzio Varella lembrou que a Amazônia pode ser congelante, basta subir o pico da Neblina.

Uma vez vi na Folha dicas para uma viagem ao tal Sul (o país imaginário inventado pela falsa geografia, onde tudo abaixo do rio Pinheiros é Porto Alegre ou Gramado). Dizia a reportagem que era preciso levar muitos casacos de lã. Só que a edição era em pleno janeiro. Ou seja, parece que vivemos num iglu, quando os termômetros aqui no verão ultrapassam os 40 graus. Nos anos 50, em Uruguaiana, costumávamos torcer pela cidade na sua briga pelo campeonato do calor. Perdíamos para o Rio de Janeiro, mas às vezes vencíamos.

Naquele tempo não existia sensação térmica. Tinha a temperatura de quem se postava embaixo do sol e aquela medida na sombra. Se alguém levantasse a hipótese de contrariar o termômetro levava uns cascudos. E para quem se aventurasse a conhecer o frio só por turismo providenciávamos uma régua bem afiada para partir em dois as orelhas vermelhas dos panacas. Parem com essas frescuras.

Aqui, a madrugada foi fria, mas a manhã está razoável. Tem ventinho gelado, que nos sugere enfiar o conceito de sensação térmica no rabicó do falso metereologismo. E vê se não sobe a serra para fondue, lareira e vinho. Basta uma tainha de dez reais, grandiosa ao forno, e um vinho chileno honesto, como aconteceu ontem à noite por estas bandas, para que o rosto exiba aquele brilho intenso de noite gelada bem resolvida.


RETORNO - 1. Imagem de hoje: Pássaro, foto de Miguel Duclós, tirada no bairro onde moramos. Parabéns ao Miguel, que ontem, dia 29, completou 29 anos. 2. Quer ouvir o canto dos pássaros brasileiros? Paulo Nogueira me envia link para magnífico site da Eletronorte. Neste link, faça a busca dos seus favoritos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário