É confortável ser politicamente correto. Se você fala em omissão da Igreja Católica diante do nazismo verá multidões acenando afirmativa e gravemente a cabeça. Ainda mais depois do filme Amen, de Costa-Gravas, de 2001 e que só assisti ontem. Especialmente se lembrarmos o trabalho do designer Oliviero Toscano, da Benetton, que fundiu as duas cruzes, a cristã e a suástica, no cartaz oficial da obra.
Mas o marketing, que causou tanto furor entre os católicos, e a projeção da idéia sem contestações de que a Igreja foi omissa e conivente com o nazismo, não fazem justiça a Costa-Gravas, que, assim como Richard Fleischer e Kinji Fukasaku
Tora! tora! tora! é dividido em duas partes. A primeira, sobre a diplomacia, o jogo de gato e rato entre Japão e Estados Unidos, os conflitos internos nos dois exércitos, as reuniões, os recuos, as contradições, os erros, as personalidades
Mas eu estava falando de Amen. A igreja e a SS nazista são apresentadas por meio das ações de seus indivíduos. Há contradições nas duas instituições. A pressão que o padre jesuíta, alertado pelo oficial da SS (um técnico que viu o holocausto ao vivo) faz sobre o Papa é contra-argumentado o tempo todo. Se fizermos assim, seremos massacrados, pois o Vaticano não tem sequer uma divisão, diz a elite da Igreja. Se assumirmos essa denúncia, feita por um soldado alemão (quem garantiria a veracidade?) como ficariam os católicos sob os bombardeios? Ou seja, o tempo todo o filme apresenta as razões para que a denúncia sobre o massacre dos judeus não vire um tema oficial do Vaticano.
Na Igreja, havia os cardeias ultra-reacionários, como mostra o final do filme, em que um carrasco é encaminhado, claro, para a Argentina (Perón fechou com Hitler). Mas havia o padre jesuíta, que não desistiu de ser ouvido e acabou pagando caro. Havia o Papa, que raciocinava estrategicamente, levando em conta todos os pesos da guerra
Amén é um filme estupendo, sob todos os aspectos. Tem uma narrativa consistente, pontuada pela urgência dos trens que levam as vítimas para os campos de concentração (o que serviu de deboche para determinado crítico, que comparou esse recurso ao velho truque de deixar a mocinha amarrada aos trilhos enquanto o mocinho corre em seu socorro, o que é uma metáfora de mau gosto atroz). Os atores estão perfeitos e a direção é segura. Nada a ver com a “espetacularização da política”, como disseram (0 cara tem que ser tosco para ser aprovado?) .Costa-Gravas é um cineasta sólido, que nos deu filmes inesquecíveis como Z e Missing. Em Amén ele manteve seu perfil de grande criador, que não se deixa levar pelas facilidades.
O filme é um desesperado jogo de xadrez onde se sobressai as decisões e dúvidas humanas diante de eventos absolutamente trágicos. É fácil deitar na sopa depois de 1945 e apontar milhões de dedos para o Papa. Queria ver lá, na hora H. Como aliás Costa-Gravas viu, de maneira lúcida e madura. Pena que seu filme serviu para a campanha anti-católica que assola o mundo. Falar mal de Papas é um vício internacional. São humanos, em contigências humanas, estão na mira das críticas. Mas isso não impede que sejam analisados em toda a complexidade das situações em que foram apanhados. Amén faz isso. É filme para ser percebido no que ele mostra e não no que a publicidade sugere que seja.
Aliás, amen é uma ironia: é dita pelo padre jesuíta diante do matador. Não é um "assim seja", seu sentido original. É um "se é isso que você faz, então a responsabilidade é toda sua, nem tente me convencer do contrário". O padre (que faz parte da Igreja, é bom lembrar) diz amen como denúncia, não como omissão ou apoio.
Um adendo importante: a cultura corporativa industrial, que maneja o conhecimento técnico desvirtuando suas funções originais, está na fonte do Holocausto, como mostra o filme. É um recado de Costa-Gravas à atual onda do discurso impessoal fundado numa pretensa eficiência sem limites, à custa do humano envolvido nos processos de produção.
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